In Público (11/10/2009)
Por António Sérgio Rosa de Carvalho
«Atordoados com a avalancha defait-divers, extenuados pelas campanhas eleitorais, algum rigor nos é necessário para manter o discernimento no que respeita o essencial. Aquilo que é realmente importante. O que é realmente importante é que no período entre 6 e 18 de Dezembro vai tomar lugar a Kopenhagen Climate Conference onde o destino do planeta vai ser decidido. Os olhos estão postos nela com esperança numa nova atitude dos EUA, através de Obama, e numa lenta consciencialização que toma lugar na China e irá ter forçosamente influência na atitude na Índia. O discurso inaugural e de afirmação de Durão Barroso, após a sua reeleição, dedicou-se quase exclusivamente à importância determinante e à prioridade urgente deste tema. Estamos numa encruzilhada civilizacional onde uma nova revolução industrial terá que tomar lugar, que nos garanta uma reconciliação com a natureza e o planeta, deixando definitivamente para trás toda a herança do positivismo, e leve a uma reforma do capitalismo, que não poderá continuar a basear a sua dinâmica numa ideia de crescimento ilimitado e insustentável.
Perante isto, o Jardim de Santos surge como um oásis, que, embora esquecido, ainda lá está nas suas características românticas, onde todas as suas magníficas árvores estão legalmente protegidas. Ora, perante o marasmo e a crise profunda do comércio tradicional, a zona de Santos surge como algo positivo, através da concentração de um comércio de qualidade na área do design.Surge como uma área de vocação estabelecida, tal como S. Bento se consolidou como zona de antiquários. Além disso, esta zona desenvolveu uma dinâmica nocturna que se irá consolidar no futuro devido à sua proximidade do rio. Mas Santos também é um bairro residencial, que tem direito a repouso, a serenidade, a contemplação e ao silêncio. A sobrecarga erosiva e "ácida" que a vida nocturna arrasta em poluição sonora e desequilíbrio de comportamentos sociais está bem patente na vandalização a que o Jardim de Santos está exposto permanentemente.
Vem agora a Experimenta Design, através de uma campanha denominada It's about time que lhe incute um carácter afirmativo de uma "outra urgência", defender um projecto para o jardim que perversamente pretende ser vanguardista. Implicitamente usa uma retórica de inovação e ruptura que lhe garante, por isso mesmo, uma autoridade cultural que só a superioridade da avant-garde pode garantir. Pretende assim mutilar as árvores com "tatuagens", abrir "chagas" na pele das árvores protegidas. Fazer "instalações" sonoras alterando completamente o equilíbrio do habitat, no que respeita os seus ciclos de luz e de silêncio. Além de colocar sistemas de iluminação que irão ter o mesmo efeito, pretende instalar uma casa metálica numa árvore, perversão corrosiva da "cabana". Claro que os bancos românticos irão ser substituídos por outros em cimento e um bar irá ser instalado no jardim, garantindo assim uma espécie de espaçolounge, uma espécie de área de expansão e colonização oficializada do jardim pelos estabelecimentos nocturnos, all night long. O que se passa aqui é uma perversa inversão de valores, que perante a importância das verdadeiras ansiedades descritas no início deste texto são profundamente reaccionárias, datadas e prisioneiras de um falso vanguardismo. Tomou-se a resolução, talvez por pudor de expor esta figura ao jardim play-station, de recolocar a estátua de Ramalho Ortigão noutro local.
Devo avisar que a Experimenta pode esperar pior do que uma simples retaliação da tão ilustre figura literária. Sentado de forma contemplativa e atento, entre as brisas, aos murmúrios vegetais, eu sei que as árvores planeiam uma revolta em massa, tipo revolta das árvores contra Saruman e o seu diabólico projecto contra a natureza, no Senhor dos Anéis. Portanto não só a "cabana" vai ser sacudida e o bar esmagado, mas os bancos de cimento vão servir de armas de arremesso a estas árvores em revolta. Já se distingue claramente nos murmúrios vegetais uma ameaça latente que pulsa dizendo: "Vão "experimentar" para outro lado", ou em linguagem de designer: "It is about time"... to buzz off!!
Historiador de Arquitectura
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16 comentários:
Caro Paulo Ferrero,
Parabéns pela publicação deste artigo.
Oxalá os lisboetas juntem a sua acção de revolta ao grito de desassossego das árvores.
Abraço
Pinto Soares
A Junta de Santos-o-Velho tem que botar faladura!!!
A Junta de Santos-o-Velho garantiu-me que ia estudar o assunto.
Pinto Soares
Não vamos permitir que continuem a destruír esta cidade. Lisboa tem que ser preservada do vandalismo, da incúria e da estultícia. As pessoas são LIVRES e a liberdade de cada um termina onde começa a liberdade dos outros. Portanto, se alguns querem fazer mamarrachos (aquilo que para uns são mamarrachos, mas que para outros não o são),nimguém tem nada com isso. Só que, não têm o direito de destruír ou adulterar a nossa cidade. Mas que vão fazer as suas "experiências" PARA OUTRO LADO (que nós depois até lá poderemos ir respeitosamente visitar aos fins de semana). E notem que existe uma juventude com consciência cívica e ambiental, que não faz parte dos "meninos bem", nem dos bêbados, nem da malta da droga e que é capaz de passar à acção. Vamos começar a estar preparados para DEFENDER Lisboa do ataque dos bárbaros.
( P'LO CÉU CINZENTO, SOB O ASTRO MUDO / VOAM EM BANDOS, P'LA NOITE CALADA / ELES DESTROEM TUDO, ELES DESTROEM TUDO / ELES DESTROEM TUDO, E NÃO DEXAM NADA ).
Agora ninguém trava a G. Moura Guedes, que sabiamente passou do PSD-Lisboa (onde estava tal como Sérgio Rosa de Carvalho) para o PS e Sá Fernandes. O sr. Rosa está mas é arrependido de não ter previsto o futuro, ele que era assessor de Eduarda Napoleão...Só lhe resta ficar a pregar aos pombos num banco de jardim. Mas que vão dar cabo do jardim de Santos, e com total impunidade, e o ámen de Sá Fernandes, lá isso vão.
Caro Raul Nobre,
Embora já não seja jovem, peço que me incluam no número daqueles que se sentem capazes de PASSAR À ACÇÃO.
Abraço
Pinto Soares
Sugiro que experimentem na jurisdição da Parque Expo, que é uma 'cidade' mais própria para as modernices de gosto duvidoso.
Cumpts.
O espaço público não deve ser arrogante, com uma única visão do mundo imposta sobre quem por lá passa ou decide ficar. Ainda mais quando esse espaço, como o Jardim de Santos, foi criando ao longo das décadas um carácter próprio, muitas vezes de resistência contra os absurdos "man-made" que o rodeiam.
Esta intervenção da EXD é de uma absoluta arrogância na sua retórica pseudo-científica, no estreitamento das possibilidades de fruição do lugar (a imposição de uma "paisagem sonora" artificial a um espaço sonoro tão rico como o de um jardim - que apenas requer atenção para ser plenamente experienciado - é um erro básico), na sua pretensão de ir para além da simples intervenção efémera.
Tudo isto acontece, a meu ver, por um misto de exibicionismo, entusiasmo infantil pelo que é "diferente" e, mais problemático, por falta de decisores políticos que pensem criticamente sobre todas as implicações que um assuto comporta e saibam dizer NÃO quando o interesse geral colide com o particular.
Uma gruta onde todos dormem sem sentido dificilmente poderá unir Lisboa!
Lobo Villa
Um jardim público é ,por definição,uma "área protegida".
Além disso tendo expressamente "espécies arbóreas" protegidas por lei,fica duplamente protegida. Mais, tendo lápides ou monumentos consagrados( Ramalho Ortigão),não pode ser, (também por lei antiga) demolido ou adulterado,ficando assim triplamente protegido !
Mas quem nos protege da CML e da Srª Guta Moura Guedes,hoje,amanhã ?
Se fôr como no do Isaltino...
também eu "passarei á acção" !
É como nos duelos,é só combinar o local,os padrinhos e as armas !!!
Lançado o repto "passar à Acção" em Defesa do Jardim de Santos, sugiro que nos encontremos, próximo Sábado, dia 17 de Outubro, às !8,00 H junto à estátua de Ramalho Ortigão, no Jardim de Santos.
Saudações
Pinto Soares
Lá estarei
lá estarei!
quanto à junta de santos-o-velho, garanto-lhe, por experiência própria, que a garantia de que vão estudar o assunto equivale a zero.
Bem haja quem chama a atenção para este assunto, o qual é sintomático da incapacidade da cultura dominante portuguesa em lidar com o pós-modernismo. A par da decadência endémica de grande parte do património, são ridiculamente postas em prática, de forma pontual, soluções de recuperação do mesmo que bem mostram a falta de entendimento da relação entre o passado e o presente. A propósito: Esperemos pelo resultado das recentemente anunciadas intervenções na Praça do Comércio.
Sim senhora, já fez a sua provocação e já nos encheu as orelhas com farta e repetitiva ad nauseaum retórica políticamente correcta. Mas agora onde posso ver o vosso projecto? Só depois de instalado ou há uma proposta que possamos ver e apreciar?
Muito blá-blá e nada que se veja, por enquanto...
Sobre o jardim de Santos: para além de todas as ofensas a um jardim como espaço de lazer e tranquilidade, do desrespeito por árvores centenárias protegidas por lei, do exibicionismo doentio da ExperimentaDesign, a minha indignação acentua-se, como moradora e mãe de uma criança de 2 anos, quando vejo que o espaço infantil é sobre as tampas (gás,água,etc) que todos sabemos escondem profundos poços.Poriam os vossos filhos aos saltos em cima destas tampas que tantas vezes imprudentemente são esquecidas abertas??? É uma irresponsabilidade cívica intolerável!!!
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