06/10/2010

As luminárias de Lisboa

In Público (6/10/2010)

«Ano após ano, Lisboa vai perdendo os seus candeeiros "imagem de marca" e ninguém liga, e quando alguém quer ligar é desligado sub-repticiamente. Os abates e substituições de candeeiros, colunas e consolas de iluminação têm vários anos, cruzam executivos de vários quadrantes. Atingem indiscriminadamente candeeiros do séc. XIX e modernistas dos anos 40; em ferro forjado (ex. consolas de 1953), fundido (ex: colunas "caravela", 1949) e em marmorite; com ou sem corvos a coroá-los, seja nas Avenidas Novas, seja onde for. O que noutra cidade, com outras luminárias, motivaria a encomenda de réplicas cuidadas, em Lisboa abate-se. Mais: o que tem sido feito nada tem que ver com eficiência energética, porque as estruturas tradicionais suportariam sempre eventuais readaptações.

A preocupação é só uma: importar-se para o centro de Lisboa a estética do subúrbio mais incaracterístico, quiçá da berma de auto-estrada. Planta-se chapa galvanizada por toda a cidade, luminária aerodinâmica, e nem mesmo o Terreiro do Paço é poupado, onde em vez da Frente Tejo encomendar réplicas de candeeiros de antanho (como a Câmara Municipal de Lisboa fez no Rossio), compra "palitos" por catálogo: holofotes, tubos, quais periscópios. Nas namoradeiras ao Tejo, a cada vez mais insuportável Sociedade [Frente Tejo], cuja acção no espaço público ribeirinho se pauta por um mau gosto indisfarçável e uma competência duvidosa, a que ninguém de direito faz frente, considerou indignas as bonitas colunas do séc. XIX que as pontilhavam e abateu-as.

Também os candeeiros (séc. XIX-XX) da Cç. dos Mestres - que deveriam ter ido abrilhantar o Príncipe Real substituindo as colunas horríveis que por lá havia - foram abatidos, mas desapareceram, porque a CML optou por réplicas pífias da lanterna "lisbonense" naquele jardim. O jardim do Cp. Pequeno virou jardim Playstation, com iluminação também aberrante. O Torel, viu o seu hall ficar sem os velhos ciprestes e colunas elegantes, e "ganhar" candeeiros tão pirosos que só indo lá ver para crer. As Avenidas Novas viram os seus candeeiros e consolas em ferro forjado serem municiados de luminárias azuis, verdes e encarnadas. E o B.º das Colónias há-de ver a sua bojuda iluminação anos 50 ser substituída pela da página seguinte das encomendas que os "serviços" impingirem a quem despacha.

Contudo, exemplo maior da hipocrisia vigente decorre no Areeiro, que, com Alvalade, tem tido o privilégio de contar com quase 100 por cento da iluminação modernista genuína desde a sua fundação e fruto do desbrave de Duarte Pacheco e do urbanismo de Faria da Costa. À boa maneira portuguesa esses candeeiros nunca foram limpos nem respeitados, apenas reparações pontuais e luminárias modernas, o que lhes dá um ar híbrido face à sua imagem de marca desde o período de ouro do nosso urbanismo. Passados quase 70 anos, têm sido muitos, claro, os que sofrem de mazelas as mais diversas: tombados por o chão estar a abater, de portinhola aberta com os fios à mão de semear e com tal camada de sujidade e detritos que o leigo mais desatento não hesitará em dizer: abatam-se! Que o diga o leigo, ainda vá, mas que a CML o promova e justifique, é inaceitável É o que tem acontecido.

Na Primavera de 2007, porém, houve cidadãos que não se calaram e graças à intervenção decisiva da então presidente da assembleia municipal e do então vereador do Espaço Público, a empreitada na Av. Madrid e ruas circundantes foi suspensa. Pela primeira vez no longo rol de abates conseguiu-se dizer basta. Dava a ideia de que a CML finalmente compreendera o valor histórico dos candeeiros de marmorite. A pouca consistência dos argumentos técnicos apresentados foi rebatida (não só nunca nenhum daqueles candeeiros caiu como todos eles cumprem a Norma EN 40-Part 4-2005, e continuam a ser fabricados e monitorizados pelo fabricante). Mas duas vezes os "serviços" quiseram recomeçar. Duas vezes foram mandados parar. Julgou-se que definitivamente. Com novo executivo no Verão desse ano, novo vereador. Houve lugar a reuniões com os moradores, prometendo a CML que seriam tidas em conta as críticas e sugestões, e que jamais abateria os candeeiros modernistas da Av. Madrid, e envolvente, sem a participação efectiva dos munícipes. Pura ingenuidade. Em 2009, novo vereador e acordo às malvas.

A CML acaba de abater, em plena época estival e com os cidadãos hipnotizados por Aton, todos os candeeiros da Av. Madrid. Vitória da chapa galvanizada. Derrota do interesse público, que é do que se trata, pois a CML nunca até hoje contactou o fabricante para limpar e reparar os candeeiros de marmorite. Vitória dos sucateiros e dos abençoados jardins privados onde muitos dos candeeiros abatidos serão agora bibelots. Até quando estas luminárias?



Paulo Ferrero, B. Ferreira de Carvalho, Nuno Caiado, L. Marques da Silva, Rita Matias, Júlio Amorim, José C. Mendes, Nuno Franco, Paulo C. Nunes, Carlos Moura, J. Pinto Soares, Raul Nobre, J. Miguel Mesquita, N. Santos Silva, Luís Serpa, J. Morais Arnaud, Jorge Lima e Fernando Jorge (pelo Fórum Cidadania Lx)»

5 comentários:

Anónimo disse...

muito oportuno, parabéns.
eu teria dado mais enfoque na porcaria que fizeram no terreiro do paço

Anónimo disse...

um crime a lisboa e a portugal, quem vai parar isto??? quem lê o vosso blogue ou chora ou cmo eu a certa altura começa a tornar se indiferente, é impossivel lutar contra esta maquina estatal! PQ? QUEM GANHA NESTE TIPO DE SITUAÇOES OU É SÓ PROVINCIANISMO?!

Anónimo disse...

Estranho que tão poucos cidadãos estejam atentos aos atentados que estão a ser cometidos no Terreiro do Paço, conjunto classificado como monumento nacional. Este artigo foca os principais escândalos sobre iluminação pública que estão a registar-se em Lisboa. Os chamados representantes dos munícipes na CML também devem estar distraídos. Por este andar, qualquer empresa ad hoc faz o que quer e lhe apetece em monumentos como os Jerónimos, Torre de Belém, Palácios Nacionais e castelos, para além de Igrejas e ninguém erguerá a voz contra tais desmandos.
J. Honorato Ferreira

Manel disse...

enfim, é assim que um país perde a sua identidade...

Xico205 disse...

Manel disse...
enfim, é assim que um país perde a sua identidade...

4:06 PM




Mas este blog é a favor da perca de identidade. É contra publicidade nas esplanadas, é contra porco no espeto, é contra tascas, é contra comercio tradicional português, é contra a cultura portuguesa em geral, etc...