18/12/2012

O que mudou nos cinemas em Lisboa



O que mudou nos cinemas em Lisboa
Por Vanda Marques, publicado em 18 Dez 2012  in (Jornal) i online
A historiadora Margarida Acciaiuoli quis perceber comoé que os cinemas desaparecem de Lisboa. Nos anos50, chegaram a ser 46, agora emigram para os centros comerciais. Retrato de uma nova cidade“Num pano em vez de espelho/este engenhoso aparelho/mostra a fotografia em movimento tal/reproduzindo as figuras/ como vivas criaturas, mas isto ao natural. Não só a atenção desperta – a tal invenção da moda/mas a gente fica toda, ao vê-la de boca aberta.” Assim se descrevia o animatógrafo, que tinha chegado a Lisboa no fim do século xix, no “Diário Ilustrado”. O acontecimento de 18 de Junho de 1896 no Real Coliseu, na Rua da Palma, apresentava a “última maravilha da técnica” e prometia “fotografia viva”. Era o início da relação da cidade de Lisboa com o cinema, que atingiu a sua época áurea em 1954, quando existiam 46 cinemas.

Para recordar o passado e compreender como mudou o presente, a historiadora e professora da Universidade Nova de Lisboa Margarida Acciaiuoli escreveu “Os Cinemas de Lisboa – Um Fenómeno Urbano do Século XX”, editado agora pela Bizâncio. “A ideia é muito antiga. Em 1982 tentei perceber que relação a cidade tinha com os cinemas, porque na verdade são o equipamento que marca o século xx. O cinema aparece como nova arte que não era pintura, escultura”, explica ao i a historiadora.

Quanto a respostas fáceis para uma mudança tão grande na cidade de grandes salas para os centros comerciais, Margarida Acciaiuoli não as encontrou todas. “Deve-se à desorientação da própria cidade, as pessoas não sabem bem o que é a cidade, fala-se da área metropolitana. Habituamo-nos à autodestruição. A cidade parece que nos empurra para os centros comerciais, porque as salas são todas lá.” E acrescenta: “O animatógrafo chegou a Lisboa, passou pelas feiras, os circos, ocupou primeiros andares de prédios. Depois construímos salas tentando imitar o teatro e lá arranjámos uma forma. A seguir fizemos as grandes catedrais, o Monumental, o São Jorge, o Império. E depois destruímo-los.” Dos resistentes, a professora destaca o King, o Londres e o São Jorge.

GRANDES CATEDRAIS Lisboa sempre foi uma cidade de cinéfilos e com direito a grandes salas. No livro podemos acompanhar o surgimento de muitas delas, das maiores aos cinemas de bairros pobres, como a Mouraria. “O cinema mais marcante é o São Jorge [1950]. É a primeira sala que se faz em Portugal que foge à lei. Nessa altura todo o edifício para cinema devia ter palco, camarins, os dispositivos para outros espectáculos. O São Jorge é o primeiro que se constrói sem isso”, conta a historiadora. “Já o Monumental [1951] foi construído com duas salas: uma de cinema outra de teatro. Por isso adquire aquela monumentalidade.” Mas já antes existiam salas memoráveis, como o Tivoli [1924] e o Éden [1937].

O mais surpreendente para Margarida Acciaiuoli foi o facto de termos sido capazes de criar estas novas salas, mas podíamos acrescentar à lista a forma como os lisboetas criaram rotinas de cinema. “Em 1930/31 o país atravessou uma grave crise financeira, como a de hoje. Alguns géneros artísticos acabaram por decair e o público do teatro, por exemplo, passou a frequentar o cinema. Não eram cinéfilos, por isso a revista ‘Imagem’ alugou o São Luiz com matinés gratuitas para os sensibilizar.” A historiadora dá ainda outro exemplo: em 1930, o São Luiz baixou 40% o preço dos bilhetes.

Outra forma de cativar o público poderá ter sido também o início do fim. “Os cinemas adaptam espaços. Por exemplo, restaurantes no Cinema Império, uma sala de chá no Monumental. De repente a legislação altera-se e o governo permite que sejam adaptados cinemas onde existiam lojas e surgem estúdios, como o Estúdio 444, entre outros. Isso é o fim da história. A seguir são os centros comerciais.”

A historiadora recorda ainda que a ida ao cinema era um momento solene. “O cinema é mais religioso que o teatro. O espectáculo é visto em silêncio, não se batem palmas. Hoje é diferente, as pessoas comem pipocas, toca o telemóvel...”

O declínio dos cinemas começou no início dos anos 80, com a demolição do Monumental. “Foi uma coisa terrível. Aconteceu devido a interesses económicos, mas a culpa não é só da câmara ou dos proprietários, é da cidade inteira.”

Quanto ao futuro, e sobre qual será o fenómeno urbano do século xxi, Margarida Acciaiuoli não tem a resposta. Provavelmente passa pelos centros comerciais, mas a historiadora faz questão de não se deixar tentar por esses cinemas. O livro não é panfletário nem nostálgico, é sim um retrato que faz falta. “Pode interessar a um público muito variado. A quem se interessa por cinema, gosta da cidade, quer saber quais eram os cinemas dos pais e dos avós, quais as revistas da época, o que se pensava da ida ao cinema.”

3 comentários:

Paulo Ferrero disse...

Tenho muita pena mas falar-se nos Kings e esquecer o Odéon, está tudo dito ;-(

Xico205 disse...

Os cinemas mudaram-se para a net e para as boxes da Meo e da Zon (apenas para os mais abonados que não estão para sacar um filme)diz antes. Se se pode ter cinema em casa à borla porquê que se há de pagar e sair de casa...Pipocas tambem se pode fazer no microondas em casa.

juicebox disse...

Só queria deixar aqui um comentário a agradecer a divulgação deste livro aqui - o timing foi perfeito, uma excelente prenda de Natal para os meus pais, que conto vir a ler também. Um excelente trabalho!

Obrigada, um bom 2013 e espero que continuem a divulgar o bom e o mau de Lisboa tão bem como até agora.