Chelas, Marvila e Penha de França: três círios da Senhora do Cabo que este ano retomam uma tradição interrompida por eles há 60 anos?
Hoje deu-me para a tradição popular. Este fim-de-semana houve mais uma «procissão fluvial». Tradição? Religiosidade? Costumes? Preservação do passado? Não sei: os antropólogos hão-de um dia explicar e os sociólogos talvez já hoje nos digam alguma coisa…
Esta questão dos barcos e dos círios, das concentrações no Cabo Espichel desde há séculos e na Atalaia, Montijo, desde há muito que me fascina.
Ontem, como é meu hábito em fim-de-semana, entrei à conversa com dois dos habitantes da zona de Sesimbra por onde estaciono nos pouquíssimos tempos de descanso. O sr. António, que ontem conheci, deu-me uma novidade que me obrigou de imediato a fazer um «zapping» pelo Google dentro. Disse-me ele que há três círios da Senhora do Cabo na Cidade de Lisboa: Penha de França, Marvila e Chelas. Vou descrever-lhes em primeiro lugar o que são os «círios». E depois vou sintetizar o que detectei na net até agora. Vale a pena.
A minha surpresa maior foi não que haja círios em Lisboa mas que eu o não soubesse: é um tema sobre o qual já escrevi n vezes, já entrevistei n pessoas, já fiz n programas de rádio.
E nunca ninguém me disse que havia círios em Lisboa.
Mas isso tem uma explicação, se o sr. António (68 anos que mais parecem 88: é do sol, do campo, do mar, do trabalho) está bem informado: diz-me ele que já desde que ele era criança que não vêm à Atalaia. (Já lhe explico isso da «Atalaia», Montijo, quando do que estamos a falar é da Senhora do Cabo – Espichel).
Ora, perguntado sobre que idade teria da última vez que se lembra, disse que teria 8 ou 9 anos. Ou seja: já há 60 anos que os círios de Lisboa não vão à tal concentração de fim de Agosto na Atalaia.
Durante muitos anos, este sr. António foi Juiz dos círios. Ou seja: o mordomo-coordenador, encarregado da organização e recolha de fundos e da sua gestão e, bem assim, das festividades propriamente ditas. E não tanto das religiosas: sobretudo está a falar-me do arraial, dos bailes, da música que tem de ser contratada, se bem entendi.
A Casa dos Círios no Santuário do Cabo Espichel
Na igreja do Cabo, podem ver-se «esculturas de madeira estofada, assentes sobre altas peanhas, representando, no lado do Evangelho, São Pedro (dedicado ao círio de Palmela), Santa Ana (ao círio dos saloios), Nossa Senhora da Conceição (ao círio de Almada) e Senhor Jesus do Bonfim (ao círio de Setúbal), acompanhado por uma Senhora da Soledade. No lado da Epístola, as imagens de São Lourenço (ao círio de Azeitão), São Joaquim (círio dos saloios), São José (círios de Arrentela e Seixal) e São João (círio da Caparica)» e outros. Mas, garanto, nada da Cidade de Lisboa.
«Santuário de Nossa Senhora do Cabo e origem do culto»
«Este santuário está situado num dos pontos mais elevados da costa portuguesa, no Cabo Espichel, mais conhecido por “Promontório Barbárico”.
Não se sabe com exactidão qual foi a origem deste culto. Há autores que datam o seu início em 1215, por ocasião de um milagre que teria salvo a tripulação e um mercador inglês de um naufrágio junto ao Cabo Espichel. Outros, defendem a tese de que o culto data de 1410, altura em que foi descoberta no Cabo Espichel a imagem da Nossa Senhora do Cabo, por uns velhos da Caparica e de Alcabideche. Conta a lenda que a Virgem apareceu na praia montada numa mula que, ao trepar as rochas, deixou marcadas as suas patas. Em homenagem à Virgem, foi edificada, nesse mesmo local, uma ermida a que chamaram “Pedra Mua”.
O Círio da Senhora do Cabo, é considerado um dos mais antigos e mais significativos da província da Estremadura. De início, incluía cerca de 30 freguesias e, actualmente, apenas 26 participam, as quais pertencem a variados concelhos, como é o caso de Cascais, Sintra, Oeiras, Loures, Lisboa e Mafra. Assim, cada freguesia tem a honra de guardar a imagem da Nossa Senhora do Cabo durante um ano, tal como acontece este ano com a freguesia de S. Martinho de Sintra».
O que é o Círio?
«São romarias realizadas aos santuários de culto mariano. Esta designação deve-se ao facto de os romeiros transportarem ao longo do percurso até ao Santuário uma vela grossa ou uma tocha, que representava o ‘sentir’ de toda a comunidade.
Os Círios à Nossa Senhora do Cabo começaram a ter menos pompa a partir de 1834, data da derrota dos miguelistas mas, actualmente, algumas das freguesias do distrito de Lisboa ainda comemoram estas festividades.
Além dos “Círios Saloios” (zona de Lisboa), existiam igualmente freguesias e localidades da Margem Sul, que realizavam igualmente os seus Círios. À freguesia da Caparica pertencia o primeiro lugar na organização do Círio, devido ao facto de terem sido os homens da Caparica os primeiros a descobrir as marcas nas rochas, sendo eles, naturalmente, os primeiros a festejar o culto.
Actualmente existem ainda três localidades do sul do Tejo que realizam estes festejos: Palmela, Sesimbra e Azóia».
Atalaia, Montijo
«Festas de Nossa Senhora da Atalaia / Localidade: Atalaia – Montijo / Características: De 24 a 27 de Agosto de 2007 decorrem as festas em honra de Nossa Senhora da Atalaia, também conhecida por “Festa Grande” já que esta era a maior festa do início do séc. XX.
A festa tem uma grande componente religiosa, pois é conhecida pelos vários círios que acorrem à Atalaia. Esta romaria teve início aquando de uma promessa feita em 1507, devido à peste que grassou na capital.
Os pioneiros desta peregrinação foram os empregados da Alfândega de Lisboa, chegando mesmo a ter trinta círios.
Actualmente, são cinco os círios que continuam a venerar a Nossa Senhora da Atalaia: Quinta do Anjo, Carregueira, Olhos d’Água (concelho de Palmela), Azóia (Sesimbra) e o Círio Novo da Jardia (Montijo). Uns chegam à quinta-feira e outros à sexta, altura em que cada círio dá três voltas ao Cruzeiro-Mor, subindo a escadaria até ao santuário e acompanhados pela imagem de Nossa Senhora da Atalaia com desfile das bandeiras que os identificam.
No ponto alto da festa, Domingo, todos os círios participam na procissão colectiva.
Chegada a noite procede-se à Arrematação das Bandeiras que simboliza promessas a cumprir, seguida dos vários bailaricos nas sedes dos círios».
Os círios de Lisboa
Aí em cima já há várias referências a círios saloios da envolvente da capital, de um lado e de outro do Tejo. Mas um estudo de 2002 refere em maior pormenor os círios de Lisboa no contexto da religião popular e cita mesmo os da Penha de França:
«Um círio é por definição uma manifestação religiosa de forte cariz popular que se traduz em romagens cíclicas de uma ou mais povoação, a santuários, passando por vários lugares em cortejo.
A estas manifestações de grupos de romeiros começou o povo a designar de círios porque transportavam um Círio (vela) ou tocha para pôr junto da imagem em causa. Estes Círios são manifestações essencialmente estremenhas: temos como exemplos o Círio de Nossa Senhora do Cabo Espichel, o da Nossa Senhora da Nazaré, Nossa Senhora da Atalaia, nossa Senhora da Guia, Nossa Senhora da Peninha e o Círio de Nossa Senhora da Penha de França (Lisboa)».
Teófilo Braga
Os círios aparecem ligados aos giros e ás celebradas loas estudadas por Teófilo Braga, entre outros. Escreveu ele um dia (sic) : «A esta fórma poetica se pode assignar tres periodos de existencia; o primeiro, religioso, reminiscencia do genio gothico; o segundo, sentimental e lyrico devido á influencia normanda que se determinou na nossa poesia no tempo de Dom Fernando e Dom Juan I; e o terceiro, dramático, usado como prólogo dos Autos hieraticos que é a forma em que parece ter estacionado».
Carvalho Rodrigues
«Contavam-me em Chelas, no vale de Chelas, perto do antiquíssimo Convento de Chelas, visitado por Aquiles, celebrado aos deuses por Vestais; mesquita e mais tarde local de arribação dos mártires S. Félix e Santo Adrião, que de dois em dois anos, pelo Tejo e pelo esteiro do Tejo em Chelas vinha a imagem de Nossa Senhora da Atalaia em peregrinação passar dois anos com as monjas. Garantem-me que a imagem que ainda está na Igreja de Chelas é a autêntica. Talvez. O certo é que a imagem vinha, de dois em dois anos, numa procissão de barcos. De barcos do Tejo, quando a natureza de Portugal se confundia e harmonizava com a natureza.
A tradição começou no ano da peste de 1503. Nesse ano os Alfandegários de Lisboa fizeram a primeira peregrinação pelo Tejo com o seu círio ao Santuário da Senhora da Atalaia. As cores e o desenho dos barcos do Tejo são a extensão da alegria de uma Pátria que tem claridade. Onde a sombra, por reflexo do sol no Tejo, ainda assim brilha de luz. As formas, as cores, o vento, as velas, a água, o arrais, os camaradas e o leme, sempre foram a mensagem do Tejo. Mensagem do estilo Atlântico. Mensagem de navegação e oração. Mensagem da extensão conforme de homem e de natureza».
In «Convoquem a Alma»
Mais um milagre?
Mas atenção: o sr. António, meu interlocutor ontem, não precisa que lhe contem milagres. Ele mesmo se lembra de em miúdo ver lá na Atalaia a prova provada de mais um milagre: lembra-se muito bem de ver as peles de uma cobra e de um lagarto cheios de palha na igreja dos círios para o povo todo ver bem. E que cobra e que lagarto eram esses? Os da história do senhor Juiz dos Círios que um dia de verão estava a dormir debaixo de uma árvore e eis senão quando sente alguma coisa a ratar-lhe nas orelhas. Acorda assarapantado e zás, mata o bicho. Era um lagarto. Mas, milagre dos milagres, quando olha em volta vê a cobra que o ia matar a ele. E mata-a também. Fora milagre: o lagarto tinha-o avisado. E, pelo meio das folhas da árvore, o que vê o senhor Juiz? Nossa Senhora do Cabo a acenar-lhe e a confirmar: claro que fora milagre.
(Nota de rodapé
Deve mesmo ter havido uma ou muitas histórias destas de cobras inimigas do homem e de lagartos amigos: quando eu próprio era miúdo, o meu avô contava a um neto embevecido uma situação muito parecida de um lagarto que também avisara uma pessoa de que vinha aí uma cobra entrar-lhe pela boca dentro porque tinha estado a beber leite devido à úlcera que tinha no estômago e as cobras gostam muito de leite... Estão a ver como são as histórias do povo?… Só que nessa história da minha infância não entrava a morte do lagarto: só a da cobra. E também não aparecia a Senhora a confirmar o milagre… Mas no fundo trata-se do mesmo imaginário popular...)
Hoje deu-me para a tradição popular. Este fim-de-semana houve mais uma «procissão fluvial». Tradição? Religiosidade? Costumes? Preservação do passado? Não sei: os antropólogos hão-de um dia explicar e os sociólogos talvez já hoje nos digam alguma coisa…
Esta questão dos barcos e dos círios, das concentrações no Cabo Espichel desde há séculos e na Atalaia, Montijo, desde há muito que me fascina.
Ontem, como é meu hábito em fim-de-semana, entrei à conversa com dois dos habitantes da zona de Sesimbra por onde estaciono nos pouquíssimos tempos de descanso. O sr. António, que ontem conheci, deu-me uma novidade que me obrigou de imediato a fazer um «zapping» pelo Google dentro. Disse-me ele que há três círios da Senhora do Cabo na Cidade de Lisboa: Penha de França, Marvila e Chelas. Vou descrever-lhes em primeiro lugar o que são os «círios». E depois vou sintetizar o que detectei na net até agora. Vale a pena.
A minha surpresa maior foi não que haja círios em Lisboa mas que eu o não soubesse: é um tema sobre o qual já escrevi n vezes, já entrevistei n pessoas, já fiz n programas de rádio.
E nunca ninguém me disse que havia círios em Lisboa.
Mas isso tem uma explicação, se o sr. António (68 anos que mais parecem 88: é do sol, do campo, do mar, do trabalho) está bem informado: diz-me ele que já desde que ele era criança que não vêm à Atalaia. (Já lhe explico isso da «Atalaia», Montijo, quando do que estamos a falar é da Senhora do Cabo – Espichel).
Ora, perguntado sobre que idade teria da última vez que se lembra, disse que teria 8 ou 9 anos. Ou seja: já há 60 anos que os círios de Lisboa não vão à tal concentração de fim de Agosto na Atalaia.
Durante muitos anos, este sr. António foi Juiz dos círios. Ou seja: o mordomo-coordenador, encarregado da organização e recolha de fundos e da sua gestão e, bem assim, das festividades propriamente ditas. E não tanto das religiosas: sobretudo está a falar-me do arraial, dos bailes, da música que tem de ser contratada, se bem entendi.
A Casa dos Círios no Santuário do Cabo Espichel
Na igreja do Cabo, podem ver-se «esculturas de madeira estofada, assentes sobre altas peanhas, representando, no lado do Evangelho, São Pedro (dedicado ao círio de Palmela), Santa Ana (ao círio dos saloios), Nossa Senhora da Conceição (ao círio de Almada) e Senhor Jesus do Bonfim (ao círio de Setúbal), acompanhado por uma Senhora da Soledade. No lado da Epístola, as imagens de São Lourenço (ao círio de Azeitão), São Joaquim (círio dos saloios), São José (círios de Arrentela e Seixal) e São João (círio da Caparica)» e outros. Mas, garanto, nada da Cidade de Lisboa.
«Santuário de Nossa Senhora do Cabo e origem do culto»
«Este santuário está situado num dos pontos mais elevados da costa portuguesa, no Cabo Espichel, mais conhecido por “Promontório Barbárico”.
Não se sabe com exactidão qual foi a origem deste culto. Há autores que datam o seu início em 1215, por ocasião de um milagre que teria salvo a tripulação e um mercador inglês de um naufrágio junto ao Cabo Espichel. Outros, defendem a tese de que o culto data de 1410, altura em que foi descoberta no Cabo Espichel a imagem da Nossa Senhora do Cabo, por uns velhos da Caparica e de Alcabideche. Conta a lenda que a Virgem apareceu na praia montada numa mula que, ao trepar as rochas, deixou marcadas as suas patas. Em homenagem à Virgem, foi edificada, nesse mesmo local, uma ermida a que chamaram “Pedra Mua”.
O Círio da Senhora do Cabo, é considerado um dos mais antigos e mais significativos da província da Estremadura. De início, incluía cerca de 30 freguesias e, actualmente, apenas 26 participam, as quais pertencem a variados concelhos, como é o caso de Cascais, Sintra, Oeiras, Loures, Lisboa e Mafra. Assim, cada freguesia tem a honra de guardar a imagem da Nossa Senhora do Cabo durante um ano, tal como acontece este ano com a freguesia de S. Martinho de Sintra».
O que é o Círio?
«São romarias realizadas aos santuários de culto mariano. Esta designação deve-se ao facto de os romeiros transportarem ao longo do percurso até ao Santuário uma vela grossa ou uma tocha, que representava o ‘sentir’ de toda a comunidade.
Os Círios à Nossa Senhora do Cabo começaram a ter menos pompa a partir de 1834, data da derrota dos miguelistas mas, actualmente, algumas das freguesias do distrito de Lisboa ainda comemoram estas festividades.
Além dos “Círios Saloios” (zona de Lisboa), existiam igualmente freguesias e localidades da Margem Sul, que realizavam igualmente os seus Círios. À freguesia da Caparica pertencia o primeiro lugar na organização do Círio, devido ao facto de terem sido os homens da Caparica os primeiros a descobrir as marcas nas rochas, sendo eles, naturalmente, os primeiros a festejar o culto.
Actualmente existem ainda três localidades do sul do Tejo que realizam estes festejos: Palmela, Sesimbra e Azóia».
Atalaia, Montijo
«Festas de Nossa Senhora da Atalaia / Localidade: Atalaia – Montijo / Características: De 24 a 27 de Agosto de 2007 decorrem as festas em honra de Nossa Senhora da Atalaia, também conhecida por “Festa Grande” já que esta era a maior festa do início do séc. XX.
A festa tem uma grande componente religiosa, pois é conhecida pelos vários círios que acorrem à Atalaia. Esta romaria teve início aquando de uma promessa feita em 1507, devido à peste que grassou na capital.
Os pioneiros desta peregrinação foram os empregados da Alfândega de Lisboa, chegando mesmo a ter trinta círios.
Actualmente, são cinco os círios que continuam a venerar a Nossa Senhora da Atalaia: Quinta do Anjo, Carregueira, Olhos d’Água (concelho de Palmela), Azóia (Sesimbra) e o Círio Novo da Jardia (Montijo). Uns chegam à quinta-feira e outros à sexta, altura em que cada círio dá três voltas ao Cruzeiro-Mor, subindo a escadaria até ao santuário e acompanhados pela imagem de Nossa Senhora da Atalaia com desfile das bandeiras que os identificam.
No ponto alto da festa, Domingo, todos os círios participam na procissão colectiva.
Chegada a noite procede-se à Arrematação das Bandeiras que simboliza promessas a cumprir, seguida dos vários bailaricos nas sedes dos círios».
Os círios de Lisboa
Aí em cima já há várias referências a círios saloios da envolvente da capital, de um lado e de outro do Tejo. Mas um estudo de 2002 refere em maior pormenor os círios de Lisboa no contexto da religião popular e cita mesmo os da Penha de França:
«Um círio é por definição uma manifestação religiosa de forte cariz popular que se traduz em romagens cíclicas de uma ou mais povoação, a santuários, passando por vários lugares em cortejo.
A estas manifestações de grupos de romeiros começou o povo a designar de círios porque transportavam um Círio (vela) ou tocha para pôr junto da imagem em causa. Estes Círios são manifestações essencialmente estremenhas: temos como exemplos o Círio de Nossa Senhora do Cabo Espichel, o da Nossa Senhora da Nazaré, Nossa Senhora da Atalaia, nossa Senhora da Guia, Nossa Senhora da Peninha e o Círio de Nossa Senhora da Penha de França (Lisboa)».
Teófilo Braga
Os círios aparecem ligados aos giros e ás celebradas loas estudadas por Teófilo Braga, entre outros. Escreveu ele um dia (sic) : «A esta fórma poetica se pode assignar tres periodos de existencia; o primeiro, religioso, reminiscencia do genio gothico; o segundo, sentimental e lyrico devido á influencia normanda que se determinou na nossa poesia no tempo de Dom Fernando e Dom Juan I; e o terceiro, dramático, usado como prólogo dos Autos hieraticos que é a forma em que parece ter estacionado».
Carvalho Rodrigues
«Contavam-me em Chelas, no vale de Chelas, perto do antiquíssimo Convento de Chelas, visitado por Aquiles, celebrado aos deuses por Vestais; mesquita e mais tarde local de arribação dos mártires S. Félix e Santo Adrião, que de dois em dois anos, pelo Tejo e pelo esteiro do Tejo em Chelas vinha a imagem de Nossa Senhora da Atalaia em peregrinação passar dois anos com as monjas. Garantem-me que a imagem que ainda está na Igreja de Chelas é a autêntica. Talvez. O certo é que a imagem vinha, de dois em dois anos, numa procissão de barcos. De barcos do Tejo, quando a natureza de Portugal se confundia e harmonizava com a natureza.
A tradição começou no ano da peste de 1503. Nesse ano os Alfandegários de Lisboa fizeram a primeira peregrinação pelo Tejo com o seu círio ao Santuário da Senhora da Atalaia. As cores e o desenho dos barcos do Tejo são a extensão da alegria de uma Pátria que tem claridade. Onde a sombra, por reflexo do sol no Tejo, ainda assim brilha de luz. As formas, as cores, o vento, as velas, a água, o arrais, os camaradas e o leme, sempre foram a mensagem do Tejo. Mensagem do estilo Atlântico. Mensagem de navegação e oração. Mensagem da extensão conforme de homem e de natureza».
In «Convoquem a Alma»
Mais um milagre?
Mas atenção: o sr. António, meu interlocutor ontem, não precisa que lhe contem milagres. Ele mesmo se lembra de em miúdo ver lá na Atalaia a prova provada de mais um milagre: lembra-se muito bem de ver as peles de uma cobra e de um lagarto cheios de palha na igreja dos círios para o povo todo ver bem. E que cobra e que lagarto eram esses? Os da história do senhor Juiz dos Círios que um dia de verão estava a dormir debaixo de uma árvore e eis senão quando sente alguma coisa a ratar-lhe nas orelhas. Acorda assarapantado e zás, mata o bicho. Era um lagarto. Mas, milagre dos milagres, quando olha em volta vê a cobra que o ia matar a ele. E mata-a também. Fora milagre: o lagarto tinha-o avisado. E, pelo meio das folhas da árvore, o que vê o senhor Juiz? Nossa Senhora do Cabo a acenar-lhe e a confirmar: claro que fora milagre.
(Nota de rodapé
Deve mesmo ter havido uma ou muitas histórias destas de cobras inimigas do homem e de lagartos amigos: quando eu próprio era miúdo, o meu avô contava a um neto embevecido uma situação muito parecida de um lagarto que também avisara uma pessoa de que vinha aí uma cobra entrar-lhe pela boca dentro porque tinha estado a beber leite devido à úlcera que tinha no estômago e as cobras gostam muito de leite... Estão a ver como são as histórias do povo?… Só que nessa história da minha infância não entrava a morte do lagarto: só a da cobra. E também não aparecia a Senhora a confirmar o milagre… Mas no fundo trata-se do mesmo imaginário popular...)
1 comentário:
Olá
Faço parte de um dos Círios da zona de Sesimbra- Círio da Azoia. Tenho feito algumas pesquisas sobre outros Círios que ainda façam peregrinação à Atalaia e nesse sentido já soube do Círio dos Marítimos de Alcochete (festejam na Páscoa).
Gostava de saber mais pormenores sobre os Círios de Lisboa ou se me saberá dizer e, à semelhança de 2007, este ano se realizará esta festa que aparece em cartaz.
O meu endereço é: o_gaiteiro2008@hotmail.com. Se me poder dar alguma informação agradeço.
Maria Salgueiro
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