02/03/2012
Sessenta motoristas da Câmara de Lisboa exigem 2,3 milhões de euros em horas extra
Motoristas da câmara afirmam que se fartaram de trabalhar sem serem pagos
Por José António Cerejo in Público
Passaram anos a guiar presidentes de câmara, vereadores e directores municipais. Agora reclamam em tribunal o pagamento das horas extraordinárias que dizem ser-lhes devido
Grande parte das suas vidas foram passadas, como motoristas da presidência da Câmara de Lisboa, a esperar pelo fim das intermináveis reuniões em que participaram, nas últimas três décadas, Kruz Abecasis, Jorge Sampaio, Santana Lopes, Carmona Rodrigues e António Costa. Em Maio de 2009, juntaram-se a outros motoristas camarários que desde 1980 serviram vereadores e directores municipais e resolveram exigir aquilo a que se julgam com direito: o pagamento, como trabalho extraordinário, de dezenas de milhar de horas de serviço que efectuaram fora do seu horário de trabalho e que, garantem, nunca lhes foram pagas.
Ao todo, foram 60, os actuais e antigos motoristas, parte deles já reformada, que decidiram avançar para os tribunais com esta reivindicação. "Primeiro juntámos a papelada toda e pedimos à câmara que nos pagasse, mas eles recusaram-se a pagar fosse o que fosse. Depois entregámos o caso a uma advogada", contou ao PÚBLICO um desses profissionais, ainda ao serviço do município, que pediu para não ser identificado.
A acção entrou no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa em Maio de 2009 e lá esteve parada até Janeiro deste ano. Nessa altura, a juíza, sem se pronunciar sobre as alegações, nomeadamente de prescrição, entretanto apresentadas pelo município, determinou a realização de uma "tentativa de conciliação" entre as partes, já agendada para Junho. Na petição inicial, subscrita pela advogada Rita Garcia Pereira, os 60 motoristas exigem o pagamento de um total de 2.218.087 euros, acrescido dos respectivos juros de mora.Os valores pedidos por cada um dos autores da acção vão desde 9.929 euros até 99.153 euros, sendo a média peticionada de 36.968 euros.
Um dos queixosos resume assim os seus argumentos: "Muitas vezes trabalhávamos 15 horas e mais por dia, mas a câmara não pagava nada depois das oito da noite, ou então, no tempo do escudo, pagava a 50 escudos as horas que a lei mandava pagar a 1000." Ao tribunal, os motoristas afirmam que a câmara só pagava as horas suplementares até ao máximo previsto na lei, que era de 60% do valor da remuneração de cada trabalhador, embora lhes exigisse que trabalhassem muito para lá do tempo que correspondia a esse limite. Deste modo, afirmam, o município permitia-se "exigir a prestação de trabalho suplementar para além dos limites legalmente impostos, mas depois não retirava dessa mesma exigência as devidas consequências, não o pagando de todo, ou, em alternativa, pagando-o por um valor inferior ao prestado durante o horário de trabalho" - obtendo assim um "enriquecimento ilegítimo".
Ainda no argumentário entregue em tribunal, os trabalhadores sustentam que a câmara "locupletou-se ao longo de mais de duas décadas com o resultado das prestações" por eles efectuadas, sem que para isso "tivesse despendido a retribuição legalmente fixada".
Em consequência, pedem a condenação do município a restituir-lhes o valor do trabalho que não foi pago, juntando aos autos milhares de recibos de vencimentos e de folhas de horas, além de outros documentos, num total de 27 volumes.
Alguns dos motoristas afirmam que, após a entrada desta acção em tribunal, a câmara continuou a exigir-lhes a prestação de trabalho suplementar não pago. Contactado pelo PÚBLICO, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores do Município de Lisboa, Delfino Serra, afirmou que, para evitar casos como o destes motoristas, a câmara assumiu o compromisso conhecido como "horas feitas, horas pagas". O sindicalista salientou, porém, que esse compromisso não está a ser integralmente respeitado, nomeadamente na área da limpeza.
Na terça-feira, o PÚBLICO dirigiu várias perguntas à Câmara de Lisboa sobre a queixa dos motoristas, mas não obteve qualquer resposta.
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