31/03/2012

Zoo de Lisboa. Aqui os animais comem melhor do que nós




Por Clara Silva, publicado em 31 Mar 2012 in I online
Hoje é Dia da Nutrição e o Zoo convida os visitantes a aprender a cozinhar refeições para os animais. Fomos conhecer os chefes de cozinha

No reptilário do Jardim Zoológico de Lisboa há uma pequena cozinha com frigorífico, microondas e até um rádio. É aí que Susana, tratadora de répteis há 14 anos, descasca uma manga para o prato que vai servir à família de hidrossauros, uma espécie de grandes lagartos da Malásia. “Sei melhor onde estão as coisas aqui do que na minha casa”, confessa enquanto corta a fruta com uma destreza invejável. No prato começa a compor-se uma salada digna de um restaurante: alface, manga, maçã, banana, uvas e couves que chegam todos os dias do Centro de Nutrição do Zoo. “Os hidrossauros são omnívoros e por isso vamos variando”, explica. “Hoje comem verduras, mas ontem comeram gafanhotos vivos.”

A alimentação é feita de manhã pelos três tratadores antes do reptilário abrir as portas ao público. “Até porque muitos visitantes não gostam de ver as [cobras] pitão a digerir animais inteiros”, acrescenta Telma Araújo, responsável pelos répteis e pelas aves. “Elas ainda demoram algum tempo a digerir e por isso, nos dias em que comem, é a primeira coisa que fazemos assim que chegamos.”

As pitão são o animal que dá mais trabalho a alimentar. “São precisos dois tratadores e usamos o vidro como escudo”, continua Telma. “Ultimamente têm-nos dado muito trabalho porque andam a zangar-se e uma quer sempre o coelho da outra.”

Quando se fala em coelho não estamos a falar de um arrozinho de coelho. “Vai inteiro, até porque na natureza não está lá ninguém para lhes partir a comida.” No reptilário as pitão não comem todos os dias. “Têm de fazer uma muda de pele e aí percebemos que absorveram e podem comer outra vez”, explica Telma. “Nesta altura do ano é de 15 em 15 dias.”

Nos outros dias, os chefes de cozinha improvisados, que é como quem diz os tratadores, não têm descanso. A ementa demora quase uma hora e meia a preparar e depois há que deixar os pratos nos aquários. “Muitos deles só comem à tarde, quando está mais calor, porque a luz e a temperatura influenciam a alimentação”, diz Telma.

BUFFET DE SALADA Na cozinha Susana continua a preparar iguarias. Desta vez corta pedaços finos de carne para dar aos axolotes, um animal da família das salamandras. “Cortamos a carne e o peixe como se fossem as minhocas que eles encontram na natureza”, conta Susana. “Até dá mais jeito lhes darmos a comida assim.” Com uma pinça, leva a minhoca à boca do axolote que a devora em poucos segundos. Também há dias em que comem insectos, alguns que são criados no próprio Zoo.

“Na verdade, estes animais comem melhor do que qualquer um de nós no dia-a-dia”, afirma Telma. “Há muita diversidade e a comida é pesada e calculada. É aquilo que ninguém faz por nós.”

No jardim das tartarugas, uma delas com cem anos, um miúdo chama a avó e aponta para a comida: “Olha, avó, é buffet!” Na relva Susana preparou três espetadas com couves, melão, uvas, bananas e manga. “A ideia é espalhar a comida pela instalação para estimular comportamentos naturais”, diz Telma. “Assim elas passam o dia a tentar chegar ao alimento.”

PEIXE FRESCO No Delfinário, os seis golfinhos não têm de se mexer muito para chegarem à comida. Basta abrirem a boca. Todos os dias os treinadores alimentam-nos de peixe partido ao meio, com o cuidado de dar primeiro a cabeça, para que não se engasguem com as espinhas pontiaguda. “São alimentados à boca e cada um tem o seu balde de comida identificado com cores”, explica Arlete Sogorb, veterinária do Delfinário. “É melhor do que uma criancinha num infantário”, ri-se.

No computador, os treinadores têm gráficos onde apontam as calorias ingeridas diariamente pelos golfinhos. “São eles que determinam a dieta diária, eu só defino o número de quilocalorias por dia e eles combinam o peixe”, diz Arlete.

Arenque, cavala, blue whiting, capelin, estes são os peixes que fazem parte da dieta dos golfinhos. “Até porque se um dia o camião do arenque avariar e o stock não chegar temos de ter alternativas”, diz Arlete. Uma vez por ano, vinte toneladas de arenque chegam ao Jardim Zoológico vindas da Suécia. O resto do peixe vem da Holanda, “onde é pescado e congelado na hora”. Além disso, a importação tem vantagens económicas: “O arenque é a 70 cêntimos o quilo e a cavala 1,10 euros. Onde é que na lota se compra peixe assim? Ainda por cima com a qualidade e o tamanho que procuramos.”

O peixe é congelado – “o que é bom para matar parasitas que possam existir” – e depois descongelado a temperatura controlada e lavado de manhã numas instalações que podiam ser as de uma grande peixaria. “O peixe que é consumido na hora é logo cortado. O outro vai para a arca para ser comido ao longo do dia.”

ARROZ DE CAMARÃO No lago dos flamingos-rubros, uma espécie tropical, nenhuma das aves parece estar a sentir a falta do sol das Caraíbas. Os animais estão concentrados na comida que começa a aparecer em caixas brancas e tubos instalados num lago. Arroz cozido, cenoura ralada, carne e camarão moído, alface e maçã ralada... um substituto dos “pequenos moluscos, crustáceos e espécies aquáticas que estes flamingos encontram no seu habitat natural”. De galochas, a tratadora Cláudia despeja a papa para os tubos na água, mas “é da ração que eles mais gostam”, que lhes dá o pigmento vermelho que os distingue dos outros flamingos.

E até com os pratos da comida há uma preocupação. Os tubos que foram postos na água foram feitos de maneira a que só o pescoço dos flamingos lá consiga chegar, para evitar que pombos e gaivotas roubem comida.

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