16/05/2017

Verdadeira preocupação da autarquia pelas vilas e pátios operários, pelo urbanismo de qualidade e pela preservação do património da cidade ...


Das ruínas da Vila Raul vai surgir um projecto para "uniformizar" Campolide


In Jornal Público (16.5.2017), por João Pedro Pincha

«Reabilitar "uma zona muito descaracterizada" de Campolide é um dos objectivos do projecto que está em apreciação na câmara de Lisboa. Num bairro com escalas díspares, arquitecto diz que era necessário uniformizar. E ali nascerão dois prédios modernos.

Fica escondida atrás de dois prédios modestos a que já faltam azulejos e passa quase despercebida a quem anda na rua. Uma placa azul, pendurada para lá do portão de ferro, revela o que os olhos só vêem por uma nesga: Vila Raul. É, como várias de Campolide e dezenas de Lisboa, uma antiga vila operária construída no século XIX – e em breve será demolida.

A Câmara Municipal de Lisboa está a analisar desde Março um projecto para todo o quarteirão entre a Rua Prof. Sousa Câmara, a Rua Aviador Plácido de Abreu e a Av. Conselheiro Fernando de Sousa, a dois passos das Amoreiras e do centro histórico de Campolide. Com esse projecto, o casario baixo e pequeno da antiga vila, hoje degradada e abandonada, vai ser substituído por dois edifícios novos. O maior deles terá sete pisos e o outro três. Ao todo serão criados 101 apartamentos e quatro pisos subterrâneos, com capacidade para 261 automóveis. O Lx Unique – assim se chama o projecto – contempla ainda a existência de lojas, esplanadas e um espaço verde no interior do quarteirão, aberto à rua.

“É uma área muito sobrecarregada de construção e com poucos espaços verdes”, explica o arquitecto Miguel Saraiva ao PÚBLICO. O autor do projecto sublinha que o Lx Unique surge na sequência de um trabalho prévio com a câmara, que “veio definir índices e parâmetros urbanísticos” para aquela área. Cedo se percebeu, no âmbito desse primeiro trabalho, que a Vila Raul “não era recuperável” e que a única solução era ser demolida, diz o arquitecto. “Há vilas em Lisboa que têm um valor patrimonial e histórico muito interessante, mas não creio que seja o caso desta”, afirma Miguel Saraiva. “Não tem valor arquitectónico relevante. Zero.”

De acordo com o livro Pátios e vilas de Campolide, editado pela junta de freguesia em 1993, a Vila Raul foi construída em 1890 e tem vinte casas. Actualmente, a vila e outros terrenos daquele quarteirão – que a autarquia vendeu – pertencem à empresa imobiliária Valor Ideal, de que é presidente o ex-futebolista Rui Costa. O PÚBLICO tentou contactar esta empresa, mas não teve sucesso.

Um "edifício neutro"

No processo que está em análise na câmara pode ler-se que o Lx Unique cumpre os requisitos definidos pelo município num Pedido de Informação Prévia (PIP) apresentado pela Valor Ideal e aprovado em Dezembro de 2015. Esse PIP foi “acompanhado pelos vários departamentos da câmara e supervisionado pelo sr. vereador arquitecto Manuel Salgado”, lê-se. Segundo os documentos do processo, foi o responsável pelo Urbanismo da autarquia que pediu “que este espaço permitisse a fruição do interior do quarteirão, criando uma dinâmica pedonal até agora inexistente e criando ao mesmo tempo um espaço de comércio e estar agradável, à semelhança de outros já existentes”.

É um dos pontos que Miguel Saraiva destaca como mais relevantes do projecto que desenhou. “Tínhamos como objectivo não fechar o empreendimento sobre si próprio”, o que “não é uma coisa muito comum”, realça. Outro aspecto que o arquitecto refere é que o Lx Unique visa “fazer a requalificação urbana” de uma “zona muito descaracterizada”.

Nas últimas décadas, a Vila Raul foi sendo ultrapassada em altura por todos os lados. Prédios de habitação de cinco e seis andares e edifícios de escritórios com mais de dez pisos fizeram com que a pequena vila se tornasse cada vez mais uma excepção na paisagem urbana de Campolide, outrora repleta de pátios e vilas deste género. “A morfologia envolvente é muito díspar. Há escalas muito díspares. O que se tentou foi uniformizar ao máximo essas escalas”, diz Miguel Saraiva.

Isso conseguiu-se, acredita o arquitecto, que apresenta prédios contemporâneos de linhas direitas e cor branca. “Quisemos desenvolver um edifício que fosse neutro, que não acrescentasse linguagem à linguagem já existente. Um edifício bastante simples, com uma linguagem muito depurada, essa foi a maior preocupação”, explica. As varandas altas e salientes servem outros propósitos: o de criar uma “frente construída de continuidade” e o de “rematar aquele quarteirão”. “Faz um remate perfeito do quarteirão”, diz Miguel Saraiva.

O arquitecto admite que o projecto “acaba por ter uma escala considerável para a escala tradicional de Lisboa”, uma vez que estão previstos 27 mil metros quadrados de construção, quase sete vezes mais do que existe actualmente. Mas Miguel Saraiva diz que “o espaço público liberto é considerável”, o que, sublinha, só é possível porque existe um desenho de conjunto para o quarteirão e não parcela a parcela. Foi por isso, aliás, que a câmara vendeu dois terrenos que ali tinha, por cerca de 2,5 milhões de euros, à Valor Ideal.

Este não é o único projecto previsto para esta zona de Campolide, nem sequer o único que envolve uma antiga vila operária. A menos de cem metros da Vila Raul fica a Vila Romão da Silva, totalmente municipal, que a autarquia quer reabilitar no âmbito de um programa de recuperação deste tipo de património. O início das obras está agendado ainda para este ano.»

7 comentários:

Anónimo disse...

Feio até dizer chega. Chega de mamarrachos!

Anónimo disse...

Pobre Vila! O Licenciamento das obras particulares na CML, precisa de novo rumo. È urgente! Tanta demagogia!

Anónimo disse...

Até pode não ter valor arquitectónico nenhum, mas ao menos que seja substituído por um projecto que o tenha! A integração, sr. Arq., a integração que aprendeu (digo eu) na Escola! Linhas direitas, contemporâneo, etc, o cardápio do costume.
Lisboa soma e segue.

Anónimo disse...

Soma e segue em mau urbanismo! Em má, péssima gestão urbanística! Tenham juízo!

Anónimo disse...

Não podia estar mais de acordo. A substituição não é famosa. É uma brutalidade, não só o acto de demolir a vila, como também na linguagem arquitectónica. Julgo que não são corpos balançados, mas sim um enorme corpo recuado.

Anónimo disse...

Vivem em que planeta. Essa vila nesde local estava mais do que condenada. Ninguém iria pegar naquilo dada a localização e valor do terreno. O local não é propriamente a Graça.

Anónimo disse...

Anónimo das 9:50. A vila pode estar condenada e até nem ter particular interesse arquitectónico, mas o que se lá põe (ou pespega) se ele fosse bom arquitecto, integrava e até valorizava o quarteirão. Nada contra algo moderno e uma boa intervenção urbanística. Mas tenha qualidade...