Exmo. Senhor Presidente
Juiz Conselheiro Vítor Manuel da Silva Caldeira
É com bastante preocupação que temos vindo a constatar o cancelamento de sucessivos concursos públicos pela adjudicante Câmara Municipal de Lisboa no âmbito específico das concessões de espaços de lazer e equipamentos, e a sua transformação em Hastas Públicas, cujos licitantes acabam por se resumir, cremos, a um punhado de empresas.
A razão principal para tal acontecer prender-se-á com o facto de os concursos públicos ficarem vazios. No nosso entender, isso acontece porque ou os preços contratuais serão propositadamente exagerados à partida, ou porque é dada escassa publicidade a esses concursos, aliás, o que comprovará pela completa ausência de concorrentes estrangeiros.
Por outro lado, o grau de exigência dos cadernos de encargos dos concursos públicos, o alargado espectro de divulgação destes, o facto de os concursos públicos serem de publicitação obrigatória na plataforma AcinGov bem como os prazos legais de cada procedimento concursal; tornam-nos muito menos atractivos comparativamente com as hastas públicas, que são procedimentos ligeiros, internos, de espectro muito reduzido, com propostas entregues em carta fechada nos serviços e abertos em sala, sujeitos a leilão.
Isso e o facto de a sua publicitação ser apenas em Boletim Municipal, órgão de informação pouco ou nada acompanhado pela opinião pública.
Não será de estranhar, portanto, que sejam praticamente sempre as mesmas empresas a serem as adjudicatárias. São disso exemplo recente os concursos públicos transformados em hastas públicas relativos a:
*Concessão da Estufa Fria (caso a nosso ver escandaloso, uma vez que a renda mensal a auferir pela CML é inferior a 1.000 euros e o aluguer de 6.000-8.000 euros da nave por noite, pelo adjudicatário, “Casa do Marquês”, ultrapassa facilmente essa verba sempre que aquela é alugada para festas de casamento, por exemplo, nunca tendo chegado a abrir o espaço da cafetaria). Cremos, inclusivamente, que o adjudicatário nem sequer cumpre as obrigações definidas em caderno de encargos.
*Concessão do Monte das Perdizes, em Monsanto (entregue a Carrilho de Almeida, o mesmo que explora o restaurante dos Montes Claros, onde foi demolido edifício da autoria do consagrado arq. Carlos Ramos).
*Concessão de restaurante, cafetaria e pavilhões nas Quintas das Conchas e dos Lilases, em que é do conhecimento público que o actual concessionário (empresa Covanca) estará graciosamente no equipamento durante mais de uma década).
*Concessão do Chalet Froebel, Jardim da Estrela, em mais outro exemplo que consideramos escandaloso pois trata-se de um edifício criado para creche ao tempo da rainha D. Amélia, ao abrigo do método Froebel, e até há pouco tempo cedido à Santa Casa da Misericórdia (eventualmente já atribuído a empresa que não descortinámos qual seja).
*Tapada das Necessidades (adjudicada à “Bananacafé”), em mais um caso a nosso ver escandaloso, por se tratar do local especial que é, por não assegurar o Interesse Público do mesmo nem a fruição cabal da população, porque viola o espírito que presidiu ao protocolo de cedência à CML pelo Ministério da Agricultura e pelo MNE, por o projecto em causa não respeitar o edificado existente ao viabilizar um edifício de espelho no local do antigo zoo.
*Vila Correia (Restelo, nas traseiras do Centro Cultural de Belém), cremos que irá ser lançada hasta pública muito em breve, em que se irá alienar grande parte do viveiro municipal para ser convertida noutra ocupação do terreno, violando, é nosso entendimento, o espírito da doação feita para fim exclusivo de viveiro, espaço verde e equipamento municipal. Temos conhecimento que se contornar este óbice, será intenção da CML deixar uma pequena parcela do lote para viveiro, o que se nos afigura de especial gravidade.
Algo que também consideramos estranho é o facto de, por exemplo, os cadernos de encargos e as cláusulas técnicas especiais de todos os procedimentos concursais serem definidos, ou estipulados, no Gabinete do Vereador responsável, e não nos serviços, como aconselharia a boa-prática procedimental e como fora hábito na CML, em que aqueles procedimentos eram feitos nos serviços, aprovados e despachados pelos dirigentes, remetidos e lançados a concurso por outros, garantindo-se o pleno acesso a toda a informação e a discussão técnica de todos os parâmetros colocados, uma prática saudável que garantia além do mais uma maior transparência e equidade de todo o processo, ou seja, o superior interesse da CML e da nossa cidade.
Nesse sentido, apresentámos queixa à Provedoria de Justiça em Janeiro deste ano, tendo esta aberto o respectivo procedimento administrativo, de que aguardamos desenvolvimentos.
Por entendermos que a queixa referida não impede que façamos idêntica participação junto desse Tribunal, e porque cremos efectivamente que está em causa a regularidade e, quiçá, a legalidade dos concursos públicos levados a cabo pela CML na última década, serve o presente para endereçarmos estas preocupações a Vossa Excelência, na expectativa de vermos esclarecido este assunto.
Com os melhores cumprimentos
Paulo Ferrero, Bernardo Ferreira de Carvalho, Fernando Jorge, Miguel de Sepúlveda Velloso, Virgílio Marques, Júlio Amorim, Inês Beleza Barreiros, Gustavo da Cunha, Irene Santos, Gonçalo Cornélio da Silva, Pedro Cassiano Neves, Miguel Jorge, Alexandre Marques da Cruz, Ana Celeste Glória, Helena Espvall, Maria João Pinto, Luís Serpa, Jorge Pinto, José Maria Amador