27/02/2016

Cimento em vez de calçada em Lisboa? "Está muito melhor"


In Diário de Notícias (27.2.2016)
Por Inês Banha

«Solução agrada a quem caminha na Rua de Alcântara, mas perspetiva de se alargar ao resto da cidade é contestada por movimento cívico. No centro histórico, calçada é para manter

Calçada à portuguesa ou blocos de cimento branco a revestir os passeios de Lisboa? O debate reacendeu-se depois de, há cerca de uma semana, o presidente da câmara municipal (CML), Fernando Medina, ter visitado a renovada Rua de Alcântara, onde foi maioritariamente adotada a última solução, instalada a par de uma estreita faixa tradicional junto aos prédios.

Quem ali reside e trabalha está satisfeito e sente-se mais seguro ao caminhar na rua, mas, para Luís Marques da Silva, arquiteto e membro do movimento cívico Fórum Cidadania Lx, o novo material não traz qualquer vantagem, "a não ser na linha de partida", incluindo para pessoas que se desloquem em cadeira-de-rodas. A autarquia contrapõe, por sua vez, que nas "freguesias identificadas como centro histórico", o "princípio geral é o da manutenção ou reconstrução da calçada em vidraço", devendo "haver cuidados particulares na escolha da pedra, na execução e na certificação dos calceteiros executantes". Já nas restantes, a orientação é para que seja instalada "sempre uma faixa de pavimento confortável, contínuo e antiderrapante, (...) adaptável à largura efetiva do passeio". O objetivo é haver passeios "seguros e confortáveis" para todos.

"Está muito melhor. Já não escorrega", congratula-se Adelaide Marques, 75 anos e há 47 residente perto da Rua de Alcântara. Não é a única a pensar assim. Funcionário há mais de dez anos na Pastelaria Lorena, Ângelo Leal estava já habituado a ver, "de volta e meia", a ver pessoas, sobretudo idosos, a cair no passeio em calçada. Agora, já não acredita que tal vá acontecer. "Só é pena que não tenham ido até mais longe", acrescenta a idosa.

Luís Marques da Silva tem, porém, uma perspetiva diferente. "Quando [este pavimento] é aplicado, é muito confortável ao andar. É novo. Com o passar do tempo, com a degradação a que está sujeito e a manutenção que temos, não se torna igualmente resistente como a calçada", defende o arquiteto, que antevê que, dentro de "três ou quatro anos", passeios como o da Rua de Alcântara se encontrem num "estado deplorável".

O membro do Fórum Cidadania Lx defende, de resto, que a calçada à portuguesa é tão inclusiva como as soluções que a autarquia quer adotar. "É permeável e, quando é devidamente executada, é extraordinariamente lisa. Logo à partida não é, mas torna-se e mantém-se ao longo do tempo", compara, adiantando que as intervenções de maior dimensão poderiam ser aproveitadas pela autarquia para recuperar a calçada em vez de a substituir por outro material. E ironiza com o facto de, no centro histórico, onde o declive é acentuado, aquela ser para continuar: "Aí não têm direito a passeios inclusivos."

Ao DN, a autarquia confirma, numa resposta por e-mail, que nas freguesias de Santa Maria Maior, São Vicente, Santo António, Misericórdia, Estrela e Belém, "o princípio geral é o da manutenção ou reconstrução da calçada em vidraço branco", mas ressalva que, "nas áreas de maior declive e em todas em que seja maior o risco de escorregamento", deverão ser postas em prática "medidas específicas".

Assim, precisa, "nas ruas com inclinação igual ou superior a 5%, dever-se-á utilizar pedra de calcário e granito", enquanto nas restantes, "a uma distância correspondente a um passo, deverão ser intercaladas, no sentido da largura do passeio, travessas em pedra natural ou artificial, de cor clara, antiderrapante, para travar as pedras e reduzir o risco de escorregamento". As opções parecem ir ao encontro do preconizado por Luís Marques da Silva, para quem intercalar pedras de diferentes tipos permite manter a calçada, sem perder segurança.

Certo é que, garante a CML, "a calçada artística, elemento da identidade de Lisboa, deverá ser, em regra, conservada e restaurada", estando atualmente "a ser efetuado um inventário exaustivo" daquela que "será para manter".

Lioz na Baixa em mau estado


A discussão em torno do futuro da calçada ganhou destaque com a recuperação, em 2014, da Rua da Vitória, na Baixa Pombalina, desde então pavimentada com pedra de lioz e que se encontra já partida em alguns locais. Os danos, frisa a autarquia ao DN, estão a ser avaliados, "para se executar as reparações necessárias logo que possível".

Em melhor estado está a Calçada da Ajuda, onde a pedra escura e um pavimento antiderrapante imperam. A artéria tem vindo a ser alvo de uma intervenção profunda, tendo a solução adotada sido considerada "muito feliz" por Fernando Medina, no seu primeiro dia enquanto presidente da CML, a 7 de abril do ano passado. Quem nela circula a pé gosta dos passeios mais largos, mas, para Henriques, ali comerciante há 50 anos, estes poderiam ser mais estreitos: "Tiraram o estacionamento e, ao final da tarde, o trânsito é uma confusão."»

2 comentários:

Filipe Melo Sousa disse...

Apelo àqueles que tanto preconizem este tipo de piso tecnicamente ultrapassado e desadequado aos tempos que vivemos que se ofereçam como voluntários aos fins de semana para martelar as pedras no chão de cócoras.

Sim, que ser iluminado com o dinheiro e a coluna vertebral dos outros, para isso são todos uns valentes. Dar o corpo ao manifesto nem pensar.

Anónimo disse...

Que comentário mais sem jeito caro Filipe.

O piso em Lisboa é a calçada portuguesa, e assim o é, aos anos.

Aquilo é bonito, não, e nada tem a ver connosco portugueses.

Coluna vertebral, etc, basta ver como trabalham para se perceber que o que diz não tem jeito algum.


Rui