05/01/2008

Promotores privados faziam planos de pormenor à medida

In Diário de Notícias (5/1/2008)
FILIPE MORAIS e LUÍSA BOTINAS

«Lei que permite planos de pormenor feitos fora das câmaras sairá em Março

O desenvolvimento de planos de pormenor pela parte de promotores imobiliários privados tem sido uma pratica reiterada na Câmara de Lisboa. No departamento de Urbanismo da autarquia, houve vários projectos que foram desenvolvidos por promotores imobiliários e que eram depois submetidos a aprovação no executivo como se tivessem sido desenvolvidos pelos serviços municipais.

Segundo soube o DN, este terá sido o caso dos projectos do arquitecto Norman Foster, para o Aterro da Boavista; da antiga Feira Internacional de Lisboa; na zona da Matinha (este desenvolvido pela IMOLAND); no quarteirão poente da Gare do Oriente; e ainda outro na rua Artilharia 1, desenvolvido pelo gabinete do empresário Pereira Coutinho.

O desenvolvimento destes projectos pela parte de promotores imobiliários corresponde às questões levantadas pelo relatório da sindicância efectuada pela magistrada Elisabete Matos, do Ministério Público. O relatório fala em relações de promiscuidade através da "intervenção directa de funcionários que têm interesse nos processos", já que estes tinham "relações com os gabinetes que produzem os projectos ou com as empresas promotoras".

No entanto, os serviços da autarquia poderão ter efectuado um "contrato informal" com os promotores em causa, o que ainda não está legislado. A lei que regulará esta situação deve ser apenas aprovada em Março e os promotores que sejam autorizados a desenvolver os planos de pormenor para os seus projectos, só o poderão fazer depois da autarquia definir os termos de referência, ou seja, os limites em termos de áreas, de equipamentos necessários, de índice de construção ou mesmo dos espaços verdes.

Esta prática na autarquia ter-se-á dado essencialmente nos mandatos sob a presidência de Pedro Santana Lopes e de Carmona Rodrigues. Como soube o DN, os casos envolveram a anterior direcção municipal de planeamento urbanístico. O relatório da sindicância refere mesmo que, a partir de 2000, 34 funcionários dos serviços de Urbanismo e três avençados têm ou tiveram participações em sociedades comerciais.

Durante este período, a autarquia de alguma forma demitiu-se da sua responsabilidade de ordenar e planear a cidade, optando antes por uma via mais facilitista, facultando aos promotores privados a possibilidade de serem estes a definir a evolução de Lisboa. O DN tentou ouvir a autarquia sobre esta questão, nomeadamente o vereador do Urbanismo, Manuel Salgado, mas tal não foi possível até à hora de fecho desta edição.

O relatório da sindicância determina ainda que as alterações ao Plano Director Municipal (PDM) de Lisboa, nos planos de pormenor em "regime simplificado" podem ser consideradas nulas. Os efeitos poderiam reflectir-se em projectos como o Alcântara XXI ou o Aterro da Boavista, de Norman Foster.

Esta determinação da magistrada vem na sequência de uma queixa dos vereadores do PCP no executivo municipal, que entendem que a "ilegalidade da alteração ao PDM feita em 2004, que se operou através do procedimento simplificado ao abrigo do artigo 97º do decreto-lei 380/90, por configurar alterações de substância, não poderia ocorrer naquela modalidade". a alteração em causa foi votada em reunião de câmara em Setembro de 2003, ainda com Santana Lopes como presidente e Eduarda Napoleão como vereadora do Urbanismo. com LUSA »

Pior ainda são os planos de pormenor em regime simplificado que passam sistematicamente despercebidos, como, por exemplo, o escandaloso plano para o Palacete Ribeiro da Cunha!

Mas, em Cascais há coisas idênticas, a começar pelo em andamento para o antigo Hotel Miramar, no Monte Estoril, em que sob o manto diáfano da "reestruturação" o que lá está ainda de pé vai abaixo, e constrói-se em todo o logradouro. Uma vergonha!

5 comentários:

daniel costa-lourenço disse...

acho piada quando mandam estas notícias cá para fora como se fosse...notícia.

para provar a existência do cancro que é o urbanismo em lisboa não é necessário um médico...basta observação a olho nu

Anónimo disse...

"Durante este período, a autarquia de alguma forma demitiu-se da sua responsabilidade de ordenar e planear a cidade, optando antes por uma via mais facilitista, facultando aos promotores privados a possibilidade de serem estes a definir a evolução de Lisboa."

Não será que o "demitiu-se" deveria se substituído por "vendeu", e o "facilitista" por "lucrativa"....e como é que raio alguém vota nesta cambada de corruptos incompetentes?

JA

Anónimo disse...

Não são as autarquias a demitirem-se do planeamento, são as leis e regulamentos estúpidos produzidos por tecnocratas mais ou menos adaptadas a legislação comunitária.
É a ignorancia dos nossos governantes que não se apercebem da importância de uma nova legislação, e na importância do território.

E por fim a estupidez de planos directores mal feitos por técnicos que não sabiam o que estavam a fazer, aqueles que os aprovaram também não sabiam. Tudo isto num periodo de pouco trabalho.
E foi assim que destruimos e consumimos a paisagem e as nossas cidades.

Filipe Melo Sousa disse...

"constrói-se em todo o logradouro. Uma vergonha!"

Caro Paulo Ferrero, é simples. Se não gosta do prédio, não compre lá um apartamento. Aliás tenho uma boa notícia para si: estão todos esgotados :)

Anónimo disse...

A possibilidade de cada um propor uma solução espacial parece-me uma postura justa, económica e fecunda, o que é sinónimo de permitir a apresentação de planos de pormenor (e outros de escala distinta) para a cidade. Os processos de avaliação é que estão, naturalmente, expostos a alguns riscos, como a incompetência, a falta de seriedade e a corrupção. Não me parece é que, pelas dificuldades de operacionalização, se devam impedir outras vozes de se fazer ouvir nas alterações de Lisboa. Alguns loteamentos são de uma grande qualidade espacial e - normalmente nas suas versões originais - contribuiriam para a revitalização de Lisboa como cidade (e não como montra turística ou pastilha elástica para suburbanos(vir-cá-usar-e-deitar-fora)).
Aceitam-se, naturalmente, visões diferentes. Desde que pluralistas, sérias e, acima de tudo, competentes (o senso comum e a ciência do urbanismo já fizeram estragos suficientes em Lisboa).