23/05/2008

A propósito de uma conferência sobre graffiti

Ao arrumar uns papéis antigos encontrei um documento já com uns dez anos, que me despertou o interesse pela sua releitura. Intitulava-se “Resumo da Conferência Nórdica sobre graffiti” e fora realizada em 1998 em Estocolmo. Participavam representantes das principais cidades de todos os países nórdicos e convidados estrangeiros, principalmente americanos, pais de origem do fenómeno. Nela os conferencistas debatiam, julgo que pela primeira vez, a caracterização do fenómeno, as suas causas e as formas de o combater. Considerado à partida como negativo, o objectivo era diminuir o graffiti na sociedade.
Pela sua actualidade em Portugal, embora estando talvez em vias de regressão, julguei importante apresentar aqui alguns passos dessa Conferência.
Caracterizavam-se os grafiteiros do seguinte modo: não pretendiam ser apreciados, mas sim que o maior número de pessoas visse as suas peças; origem em bandos organizados, incluindo neo-nazis e skin-heads; presença de muitos estrangeiros; nem sempre a condição social baixa era determinante, visto haver jovens com poder de compra; a maior parte eram jovens dos quinze aos trinta anos, embora surgissem crianças de sete anos; obediência a hierarquias rígidas sendo muitos deles iniciados pelos mais velhos em cerimónias por vezes perigosas, tendo havido mortes. Em contrapartida foi sublinhado que apenas uma pequena minoria de jovens se dedicava a esta actividade e a maioria repudiava-a.
Naturalmente que todos os conferencistas referiram as consequências negativas do fenómeno. Eis alguns dos problemas detectados: era um problema social e também económico; tratava-se de uma forma de vandalismo, que conduzia ao mundo da marginalidade ou até ao crime mais violento; as tintas utilizadas bem como as de remoção eram tóxicas e portanto perigosas para a saúde pública; a remoção era dispendiosa e por vezes deteriorava os monumentos; a utilização de “paredes alternativas” não diminuía o fenomeno, antes servia de campo de treino; deterioravam a propriedade alheia e a paisagem; utilizavam métodos perigosos que punham em risco a vida dos passageiros nas carruagens de comboio; era dificil sensibilizar a policia, advogados e tribunais para a gravidade do problema, sendo as sentenças brandas ou insuficientes; estas actividades eram incentivadas na comunicação social por adultos mal informados;
Quanto às soluções, elas iam desde a prevenção à repressão.
Nas primeiras incluíam as campanhas de sensibilização em escolas, em instituições sociais, recreativas e culturais, policias, bombeiros, entidades públicas de transportes e outras municipais; a criação de actividades que ocupassem o tempo dos jovens e os mantivessem afastados dos vândalos do graffiti; a criação de redes de troca de experiencias e de soluções; o uso de materiais repelentes ou impeditivos do acesso como os arbustos; o impedimento de compra e uso de latas de tinta pelos jovens; um imposto ambiental devia ser aplicado ás latas de tinta, revertendo para acções preventivas; o cuidado dos pais em casa na detecção precoce destes materiais; preocupação quanto à falta de sensibilidade dos responsáveis políticos, que consideravam este fenómeno relativamente inocente; etc.

Quanto às medidas repressivas, propunham uma que designavam por “tolerância zero”: a penalização dos vândalos como criminosos ambientais e da propriedade; a policia ser informada de todos os graffitis; a remoção imediata à medida da produção; a protecção anti-graffiti de monumentos e melhor iluminação; a informação das escolas sobre as consequências sociais e financeiras que os delinquentes teriam que enfrentar; a capacidade da policia revistar e apreender materiais; e muitas outras.
Denunciavam ainda interesses comerciais por detrás dessas actividades como a publicação de uma revista sobre graffiti financiada por fabricantes de tintas.
E finalmente sublinhavam a importância de os políticos se envolverem activamente no combate a o graffiti.
Passados dez anos desconheço o balanço destas propostas, mas considerando a organização daqueles estados estou convicto que produziram os seus frutos.
Desconheço também o que tem sido feito em Portugal nesse sentido. Mas olhando para o estado de muitas paredes por esse pais fora, quase era levado a concluir que muito pouco. Deixa-se aqui o repto. Que as autoridades organizem em Portugal uma conferência semelhante e dêem combate decisivo ao fenómeno do vandalismo grafiteiro.

5 comentários:

Anónimo disse...

Leiam o artigo "Onde a guerilha acaba e a street art começa" na secção "Na Cidade" da Time Out desta semana (pág. 30).

Como dar um tecto à "street art".

Anónimo disse...

Parece que o problema diminuiu um pouco, tendo em conta que nas maiores cidades da Suécia, existe um quadro policial que se dedica a combater este fenómeno. A sua actuação consiste principalmente na documentação fotográfica de sítios vandalizados. Quando os artistas são apanhados, é relativamente fácil comparar a última obra, com o estilo das anteriores. Nos últimos anos já se realizaram julgamentos que resultaram em penas de algumas centenas de milhares de coroas.
Mas parece que o graffiti....está para ficar.

JA

Miguel Drummond de Castro disse...

Dificil encontrar um meio termo entre a complacência e a repressão, se é que o meio termo significa algo.
Seja o que se pense os graffiti fazem parte não só do imaginário como da realidade urbanas. Imaginar o metro de Nova Iorque sem graffitis deve ser tão difícil como imaginar uma galinha com dentes.
Pivots de TV complacentes e em êxtase com os graffitti considerados como "primary urban art" já os houve aos montes. Vereações veneráveis a apontar o dedo ao fenómeno também.
A designação de "criminoso ambiental" é controversa - como separar o graffiti tosco de outro com qualidade - raros, mas há. Sem falar de que às vezes o local onde foram inscritos é que é um crime ambiental.
A "caça" ao graffiti-player (mais player do que artista porque se trata de um jogo urbano, e também de marcação de território - e quem decide quem marca um território?) trata de puxar os executantes para as faixas menos simpáticas à democracia: skins, neo cruz-gamados, grupos de risco do politicamente correcto.
Mas esses grupos na verdade muitas vezes estão num zero ideológico, e adoptam o que "chateia" o status. Não são muitas vezes de facto extrema direita, embora sejam radicais.
Por outro lado, o radicalismo é óbvio nos praticantes dos graffiti, que é uma arte mais popuista do que popular. Populista porque tem os grandes ingredientes das narrativas populistas: elevado grau retórico, "impositio", radicalismo, simplismo, em suma a"mensagem forte" e muito colorida. (com cores berrantes: o pastel, a nuance, o mezzo-tinta não fazem parte da paleta dos graffitantes).


A "arte" (lato senso) mais semelhante ao dos graffiti é a da publicidade, há soluções de continuidade entre ambas além de alguma homologia estrutural quanto aos estilos e locais. Se se ataca os graffiti para se ser consequente teria que se atacar a publicidade urbana, que consegue ocupar muito mais metro quadrado visual e audio do que as peças de graffiti. Seria interessante ver esse congresso cheio de soluções e multas a debruçar-se sobre os que impõem publicidade no tecido urbano. Chegariam os publicitários a ser considerados criminosos ambientais com a mesma rapidez? Pensar-se-ia em barreiras de arbustos frente a anúncios? Os empresários de publicidade seriam considerados neo-globalizadores despóticos, spin-doctors, manipuladores das mentes?
Mas imaginar as cidades contemporâneas sem publicidade (e sempre houve publicidade audio ou visual, antigamente sobretudo audio:os pregões) é tirar-lhes o carácter. A publicidade entrou na nossa cultura e contra-cultura. Não interessa muito se é low-culture ou não, porque as fronteiras são movediças e a arte do nosso tempo é muito citacional e utiliza materiais diversos ou fragmentos. (cf. Rauschenberg).

Eu diria que as cidades são obras de arte multi-participativas e assim nelas se albergam todo o tipo de fluxos citacionais, de narrativas. Querer torná-las bacteriologicamente puras será certamente uma tentação literalmente calvinista. Marcel, Duchamp quando pintou uns bigodes na Mona Lisa agrediu a propriedade? Os nórdicos fariam uma barreira de arbustos em frente ás práticas de Duchamp? O que é a pureza de uma imagem urbana? Acaso existe? E quem define o grau de pureza dela?

Se as cidades são obra, experiência e vivência colectiva, tanto de cidadãos úteis como inúteis, artistas ou prosaicos, então o graffiti é um dos múltiplos modos de usar dos objectos urbanos - a discussão sobre os graffitis é mais entre os limites materiais e imateriais da propriedade.

No fundo este congresso sobre os graffitis propõe soluções muito garffíticas, draconianas, imperativas e imperiosas. Dá-lhes estatuto de Grande Blasfémia Urbana , mas o que seria de zonas sub-urbanas de uma miséria estética sem nome, se não fossem os graffitis. Por mim ainda estou à espera de um belo graffiti no nariz do Cristo-Rei. Talvez um dia a nossa Constituição abra desde o preambulo com um belo graffiti logo à cabeça.

Aqui este congresso foi pela via do dualista exasperado, considerar o graffiti como crime, prática desviante e condenável. Puro moralismo exclusivista - de exclusão, sem mais. Tipo: graffiti = linfoma. Logo, extirpação.

Dez anos mais tarde, quando começa a haver cadeiras nas Faculdades de Arte sobre graffiti, é tempo de passar a uma segunda edição deste Congresso.

Anónimo disse...

Caro Miguel: Embora não seja um artigo de opinião, o meu texto, naturalmente, conduz a uma apreciação negativa sobre o fenómeno. Mas é apenas um relato e um contributo para o esclarecimento e não se pretende substituir a uma discussão mais ampla.
Concordo consigo em algumas coisas, discordo de outras.
Talvez tenha razão em não se ter separado grafitti de escrita vandálica. De facto o resultado final (e talvez a postura inicial) é completamente diferente. Fica ainda de fora a pinchagem política, que é outro assunto á parte. Concordo consigo quanto á publicidade (leia sff o meu texto aqui publicado intitulado as "Telas de Santa Engrácia").
Há porém um aspecto em que discordo e tem a ver com a atitude social do grafiteiro. Ele pode ser um artista e um rebelde, mas é inconsequente. A sua rebeldia não pretende trazer nada de positivo para a sociedade. A sua postura é egocentrista. É egoísta. Ele pretende agredir. A sua acção é destrutiva, no sentido em que destrói algo existente e feito por outro (bom ou mau; não lhe compete a ele decidir) E destrói não só a propriedade individual (que pertence a um dono, que gastou e gasta dinheiro a repôr a situação) o que já seria mau, mas principalmente a paisagem, que é de todos nós. Ora esta pertença é um ganho civilizacional que custou a conquistar e não pode ser destruído, apenas para que um indivíduo satisfaça os seus caprichos contestatários, sabe-se lá porquê.
É claro que estas palavras nada têm de apologético à atitude de alguns municípios (leia-se políticos) de autorizarem ou imporem certos mamarrachos ás suas cidades, ou deixarem cair paredes por desleixo.
Quanto ao estudo nas faculdades, ainda bem. Também se estudam as guerras, sem que isso signifique apologia.
Como vê, nada contra a arte e contra a contestação em arte, sempre bem vinda. Mas, que eu saiba, os melhores artistas, por muito contestatários que tenham sido, sempre foram pintando nas tradicionais telas ou outros suportes de sua propriedade. É no conteúdo do que faz e não na forma como o faz que se revela o verdadeiro artista...
E obrigado pelo comentário.

Anónimo disse...

Enviei um mail à Câmara perguntando se havia algum serviço a que pudesse recorrer para ajudas de custo na remoção de um "tag" no meu recèm-pintado prédio, se havia algum mecanismo para resolver estes problemas e, se não havia, que tal se criassem um, a que um cidadão pudesse recorrer, mesmo pagando uma parte, para ver o grafiti retirado. Nunca me responderam.

José Pedro Ulize