22/04/2012

Uma pompa nunca vista no último acto público de el-rei .



Por Carlos Filipe in Público

Aquilo deu uma balbúrdia muito grande, e deixou o artista destroçado, referiu o curador do MNAA a respeito da desconsideração feita a Machado de Castro, que se viu privado da atribuição de autoria da obra. Assim que fundida a peça, as honrarias elegeram Bartolomeu da Costa, oficial do Exército, que se encarregou, com grande e reconhecida mestria, de eternizar em bronze o trabalho de Machado de Castro. De um só jacto correu ininterruptamente o metal líquido durante oito minutos para dar forma à colossal estátua.

Mas a mágoa seria ainda maior quando outro militar afastou o escultor, impedindo-o, já no Terreiro do Paço, de dirigir os trabalhos de assentamento sobre o pedestal - em pedra de mármore de lioz de Pêro Pinheiro -, resultando ter ficado torto o grupo principal, do qual se desculpa o escultor, mas também em penitência. "Não cuidei de se fazerem as diligências, para que aquele panegírico mudo fosse digno da pessoa, dando-se-lhe a perfeição possível", lê-se na descrição analítica. "Homem conscencioso, que não fez fortuna", dele escreveu José-Augusto França, em Lisboa Pombalina e o Iluminismo (Bertrand, 1988).
Foi a 6 de Junho de 1775, quando el-rei completava 61 anos (morreria dois anos depois), que se inaugurou o monumento. Terá sido o seu último acto público, mas feito com pompa nunca vista em Portugal. Com a presença de dois cardeais e oito bispos, todos os grandes do reino e 200 mil pessoas a observar. Mas também foram obra e cerimónia dispendiosas. Como descreveu Simão da Luz Soriano, oficial médico e historiador, em História do Reinado de El-Rei D. José e da Administração do Marquez de Pombal (Tomo II, 1867): "Fundir o metal importou em 23.893 réis, uma de muitas e graves despesas nos aprestos [para a obra]."
Conta ainda que "apenas uma quarta parte da praça estava edificada, mas que no dia da inauguração da estátua apareceu completa a sua quadratura, formando-se de madeira o que faltava para o seu acabamento (...). Nestes preparos gastou-se cabedal imenso, empregando o Marquês todas as violências de que era capaz o seu génio (...), apreendendo-se quantas madeiras havia na cidade, buscadas às obras particulares, que por tal motivo tiveram de parar. O mesmo se fez nas fazendas brancas, destinadas a forrar madeiras, o que empregou 3200 operários." Luz Soriano refere que dois anos depois, quando o marquês caiu do ministério, "nem por isso os operários, empregados públicos e da casa real deixavam de ter consideráveis atrasos em seus pagamentos."
A zorra (carro de madeira) foi puxada por mais de mil pessoas, entre as quais elevadas figuras do Estado, desde a Fundição de Cima - o arsenal do Exército, em Santa Clara - ao Terreiro do Paço e foi necessário demolir as Portas da Cruz (da muralha fernandina) e foi aberta a Rua Nova, hoje Rua do Museu da Artilharia.
Pelo percurso, o povo foi obrigado a colocar luminárias nas ruas, dando início a grandes festejos, "com cortejos alegóricos, fogos-de-artifício, paradas militares e banquetes para a corte e para o povo". Descreve José-Augusto França: "Pombal descerrou o monumento, acompanhado pelo filho, presidente do Senado camarário, e pelo presidente da Junta do Comércio. O rei, com a família real, limitara-se a espreitar, incógnito, o desenrolar da festa, e que foi ainda marcada por uma assaz misteriosa tentativa de atentado contra o ministro."
Diria este que o maior crédito da obra seriam a glória da nação e a reputação dos artistas, que por capricho foram todos nacionais.
Machado de Castro escreveria, anos depois, que os monumentos públicos "são sinais que logo à primeira vista mostram ao mundo a civilidade e as luzes que os povos têm das ciências e das artes."


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