30/06/2012

Lagoa dos Salgados ameaçada por projecto de mais quatro mil camas .




Por Idálio Revez in Público

Ambientalistas apresentam queixa contra o Estado português devido a novo projecto junto a uma zona natural sensível. Em vez de árvores para nidificar, ironizam, as aves vão ter prédios para "passar férias"


Nas proximidades da lagoa dos Salgados, em Albufeira, vai nascer mais um empreendimento turístico - um projecto de quatro mil camas, com campo de golfe. A associação ambientalista Almargem, em defesa da zona húmida, apresentou queixa à Comissão Europeia contra o Estado português por não ter aplicado, "em devido tempo, o direito comunitário em matéria de conservação da natureza, em particular a directiva Aves".
A Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) também já tinha manifestado, há três semanas, a intenção de se queixar às entidades europeias por causa do risco de milhares de aves aquáticas ficarem com os ninhos em sequeiro. O novo aldeamento desenvolve-se a norte da Praia Grande, numa área de 359 hectares. O projecto, à luz das novas regras do Plano Regional de Ordenamento do Território do Algarve não poderia ser licenciado, mas faz parte dos grandes investimentos que transitaram com "direitos adquiridos". A proposta de investimento surge por iniciativa do grupo Galilei (ex-Sociedade Lusa de Negócios).
Os ambientalistas, em comunicado, realçam que esta empresa foi a "tal que ficou associada aos escândalos do BPN, recentemente condenado pelo Banco de Portugal". O local, perto da lagoa dos Salgados, serve de zona "tampão" entre a massificada praia de Armação de Pêra e Albufeira, onde há milhares de camas por ocupar, promovidas por empresas em situação de insolvência, ou financeiramente asfixiadas.
A Almargem lamenta que a lagoa dos Salgados não seja objecto de qualquer estatuto de protecção especial legal e continue a ser "vítima da incapacidade por parte do Estado português em aplicar a legislação comunitária." Por outro lado, a SPEA acusou a Administração da Região Hidrográfica (ARH) de "privilegiar os interesses privados relacionados com o campo de golfe [dos Salgados] em detrimento do interesse público". Em causa está a utilização da água da lagoa para regar o golfe, enquanto as aves aquáticas correm o risco de morrer por falta de água.
A zona dos Salgados, salientam os ambientalistas, constitui "um dos últimos redutos do litoral algarvio não ocupados pelo betão". Nesse sentido, insurgem-se contra mais um megaprojecto a erguer nas imediações de uma lagoa de grande importância para as aves aquáticas, "estando confirmado como local de nidificação de 45 espécies". Este projecto, tal como algumas outras manifestações de interesse em grandes investimentos no Algarve, não tem data para o arranque das obras. Mas a conclusão está prevista para finais de 2023 - dois hotéis de cinco estrelas, um hotel de quatro estrelas, dois aldeamentos, um campo de golfe e uma zona comercial.
Segundo a organização ecologista algarvia, o projecto foi "apadrinhado" pela Câmara de Silves, com o patrocínio do Governo, que se fez representar na cerimónia de apresentação, pelo director regional de Economia, Gilberto Viegas. O apelo ao betão feito pela autarquia - acusa a Almargem - significa "hipotecar parte do seu património natural". A proposta de novas obras, recorda a associação, surge numa altura em que a "bolha imobiliária" já dá sinais de rebentar. Ali ao lado, na vizinha Armação de Pêra, está o retrato de uma das localidades que tem prédios a mais e praia a menos para os milhares de visitantes que recebe todos os anos.

Projecto em cinco fases

A Almargem justifica a queixa à Comissão Europeia com a ausência de estatuto de protecção da zona húmida, da deficiente gestão e das ameaças que pendem sobre os valores naturais em presença. O estado a que as coisas chegaram, alegam os ambientalistas, aconteceu porque "o Estado português não aplicou em devido tempo o direito comunitário em matéria de conservação da natureza, em particular da directiva Aves". O projecto da Praia Grande prevê a criação de 416 postos de trabalho directos e 1100 indirectos na primeira fase, que engloba a maior parte do projecto, com cinco fases.
No total, o projecto desenvolve-se em 359 hectares, com 919 camas (373 nas três unidades hoteleiras e 546 nos seis aldeamentos turísticos) e um campo de golfe de 18 buracos na zona envolvente da área residencial. O primeiro dos dois hotéis de cinco estrelas previstos deverá ficar concluído em meados de 2017, o segundo em finais de 2018 e o hotel de quatro estrelas tem conclusão prevista para meados de 2023, ano em que também chegarão ao fim as obras do segundo aldeamento da primeira fase de trabalhos.

1 comentário:

José António Carmo disse...

Sou natural da freguesia de Pêra onde se encontra a referida lagoa, e conheço bem a origem da mesma, que só existe há aproximadamente 35anos.
A lagoa só existe e mantém-se porque é alimentada com águas residuais da estação de tratamento e a foz do ribeiro de Espiche está estrangulada. Se fosse só com a água da chuva, e deixassem o ribeiro de Espiche desaguar naturalmente para o mar, não se formava qualquer lagoa, a água desaparecia antes de qualquer ave típica de zonas húmidas migrar e nidificar.
Quando tiver mais tempo comento mais em pormenor a história daquela zona desde há 50 anos a esta parte.