19/06/2012

ECOSFERA . O mundo segundo a geração Eco-92 .


Que pensam os jovens Portugueses sobre o ambiente e o desenvolvimento sustentável ? 


Nasceram em 1992, ano que marca a cooperação internacional em torno do desenvolvimento sustentável. Na semana da conferência Rio+20, sete jovens que vivem em Lisboa deixam sugestões aos líderes mundiais



Por Andreia Sanches in Público

As pessoas não compravam tanta roupa e até "usavam calças com remendos", "como se vê nos filmes antigos". Se uma televisão se avariava, "mandava-se arranjar, não se comprava logo uma nova". Havia menos gente a andar de carro, porque "o carro era uma coisa mais para as pessoas com mais posses" - e "havia menos poluição", "mais espécies habitavam o planeta" e o "buraco de ozono era mais pequeno". Era assim o mundo há 20 anos, aos olhos de alguns dos rapazes e raparigas com quem o PÚBLICO falou nos últimos dias. Nasceram todos em 1992 quando, pela primeira vez, 108 líderes mundiais se reuniram no Rio de Janeiro para debater uma ideia: desenvolvimento sustentável. Independentemente da visão mais ou menos idealizada sobre como era o mundo então, hoje todos estes jovens sabem, no essencial, o que implica esse conceito:
Angélica Azevedo, aluna de Engenharia do Ambiente: 
Desenvolvimento sustentável é tentar inovar e desenvolver tecnologias sem que seja necessário destruir o ambiente.
Sara Tavares, Enfermagem:
 É um desenvolvimento que pensa nas gerações que vêm mais tarde.
Avelino Abreu, Formação Musical:
É os países desenvolvidos ajudarem os países em vias de desenvolvimento.
A cimeira que lançou a cooperação internacional em torno do ideal do desenvolvimento sustentável ficou conhecida por Eco-92. A partir de amanhã, o Brasil assiste a uma espécie de sequela. Um relatório divulgado há dias pelas Nações Unidas (Keeping Track of Our Changing Environment) faz o ponto de situação sobre onde estamos: num planeta que viu aumentar a sua população de 5,5 mil milhões, em 1992, para 7 mil milhões, em 2012, as emissões de C02 aumentaram quase 40%, a terra perdeu 12% da biodiversidade e a produção de plástico subiu 130%... Boas notícias: ao contrário do que acredita a maioria dos entrevistados, o buraco de ozono não aumentou; investe-se mais em energias alternativas e o ritmo da desflorestação abrandou. Ainda assim, "o mundo continua a percorrer um caminho insustentável", diz a ONU.
Samuel Martins, Engenharia Electrónica 
Gastamos muito mais do que o que devíamos, em quase tudo. Quando uma coisa se estraga, a tendência não é a de ir arranjar, é comprar uma nova... e estamos a usar recursos da natureza. Por exemplo, estou sempre a comprar phones para o telemóvel. Acho que se devia facilitar o arranjo: eu tinha uns phones" estragados, mandava para a empresa, eles davam-me uns bons e arranjavam os que lhes tinha mandado e entregavam a outra pessoa. Mas a maneira como os objectos são construídos é para serem montados e não desmontados. É difícil e sai caro às empresas desmontar - as pessoas que "mandem" fora. Eles lucram mais assim... Pode ser que um dia as mentalidades mudem.
Angélica: 
Tudo o que existe no supermercado tem um invólucro de plástico e uma caixa de cartão. Devíamos fazer uma greve contra isto. Li que há uns anos na Inglaterra eles compravam as coisas e tiravam tudo o que era embalagens e deixavam lá, no supermercado, como forma de protesto: "Eu quero comprar o produto, não a poluição toda que vem com o produto."
Aos 19, 20 anos, estes jovens são de uma geração que recebeu muita informação, sobretudo na escola, sobre as questões ambientais. "Os anos 90 foram particularmente ricos do ponto de vista dos recursos para a Educação Ambiental, com comparticipação de fundos comunitários e um ímpeto especial", nota Francisco Teixeira, director do Departamento de Promoção e Cidadania Ambiental da Agência Portuguesa para o Ambiente. O ambiente entrou ainda mais nos currículos e "criaram-se espaços privilegiados como a Área Escola".
Hoje, o Estado pode não ter um papel "tão directivo", e pode até ter cortado (chegaram a existir 20 professores destacados em organizações não-governamentais para coordenar projectos - hoje só há quatro). Mas "há outros players", diz, de municípios a grupos empresariais, que promovem actividades que envolvem milhares de estabelecimentos. 
A questão é saber se isto se tem traduzido nos comportamentos.
 Luísa Schmidt, do Instituto de Ciências Sociais de Lisboa, não tem dúvidas de que sim. "Os jovens sabem mais, estão mais preocupados do que os pais e os avós." E há mesmo "uma clivagem geracional" no que diz respeito à relação que têm com a natureza. Exemplo disso é a separação dos resíduos - "que aumentou muito graças às crianças" que levaram para casa novos hábitos. Dados da Pordata: no início da década de 90, apenas 0,3% dos resíduos urbanos eram recolhidos selectivamente; em 2010, a percentagem era superior a 15%.
Sara:
 A separação do lixo, em minha casa, não se fazia e fui eu e o meu irmão que começámos a fazer. No início, os pais enganavam-se e isso, mas aderiram bem. Até porque fizemos alguma força.
Gustavo Lopes, Formação Musical: 
Admito que devia reciclar mais. Se fazemos arrumações, há uma pilha de jornais que vai para o papelão. Mas não reciclamos diariamente... é uma questão de hábito.
Há quem não esteja optimista em relação à Rio+20. O Presidente francês, François Hollande, um dos 120 líderes que confirmaram a sua participação, disse há dias que o mundo está demasiado centrado na crise económica, pelo que a conferência pode ser um fracasso. Isto apesar de também haver, nas suas palavras, "uma crise da biosfera". Já Angélica acha que a crise pode jogar a favor da mudança de hábitos. "A crise é a melhor coisa para as pessoas gastarem menos. Menos água, menos gás, menos tudo." 
Mas o que fazem estes jovens tão críticos do estado das coisas, no seu dia-a-dia?
Angélica:
Não faço nada de muito novo: não deixar as luzes ligadas, tentar comprar aparelhos que gastam menos energia - vou aos rótulos e vejo se são classe A ou A ++... A última vez que tive essa preocupação foi há três anos, quando fui com os meus pais comprar o frigorífico. Mas gostava de começar a tomar medidas mais drásticas. Por exemplo, ter colectores solares para aquecer a água. Às vezes ouço os meus colegas a dizer que têm e pergunto-me por que razão lá em casa não fizemos isso ainda. Eu sei que não sou eu que tomo as decisões, vivo com os meus pais, mas posso contribuir e levar ideias... É claro que há sempre a questão do dinheiro. Se fosse possível adoptar alguma desta tecnologia mais amiga do ambiente a um preço mais barato, ajudava. Nuno Joanaz de Melo, interrompeu o curso temporariamente, trabalha num bar:Eu sei que não faço o suficiente. Por exemplo, ando decarro para todo o lado (mas dou boleia aos amigos, o que é bom). Mas se houvesse mais transportes públicos, seguramente que os usaria mais.
Sara:
Sou escuteira e procuramos desde cedo incutir nas crianças preocupações com ambiente. Acampamos sempre em florestas e o nosso dever é melhorar os sítios por onde passamos, ou seja, incutimos sempre a ideia de que devemos deixar aquele sítio um bocadinho melhor do que o que estava. Como? Apanhando o lixo, os cartuchos que encontramos... 
Avelino: Quando vou ao supermercado, penso: só vou consumir o essencial. Por questões económicas, mas também por causa da natureza e dos animais. Tento comprar produtos biológicos porque quando apressamos a natureza estamos a prejudicá-la. E sempre que existem acções de solidariedade, contribuo como posso.
Samuel:
 Reciclo, substituí as luzes do meu quarto por LED (díodos emissores de luz) e continuo a andar de transportes públicos, apesar de ter carta...
Samuel, aluno do Instituto Superior Técnico, em Lisboa, encolhe os ombros com um ar um pouco desconsolado enquanto explica o que faz para reduzir a sua pegada ecológica. Desconsolado porque acredita que se podia fazer muito mais. 
A verdade é que com o aumento da população mundial tem aumentado a procura de bens e serviços, nota o relatório das Nações Unidas. Mais energia e recursos naturais estão a ser consumidos - o consumo de energia per capita aumentou até 2008 (mais 5% desde 1992); em 2009, baixou ligeiramente, pela primeira vez em 30 anos (por causa da crise); mas nos países em desenvolvimento há um forte aumento de consumo. 
O documento mostra, no entanto, que os aparelhos que consomem energia são cada vez mais eficientes. E é neste processo de evolução da tecnologia que muitos jovens depositam esperança. Samuel, por exemplo, pensa vir a dedicar-se à investigação. 
Samuel:Já existe tecnologia, apenas não é difundida. Há tempos, li um estudo sobre milho e sobre como é possível fazer quase tudo com milho. Um saco feito com milho, em vez de petróleo, é biodegradável num ano e um de plástico se calhar leva 500 anos. Outra coisa: carros eléctricos. São muito mais sustentáveis. Um dia, gostava de conseguir fazer um carro que não precisasse de nada para andar, que andasse só a partir dos elementos, do vento ou do sol.
Francisco Tenente, Engenharia Eletrónica: 
Cada vez mais se investe em automóveis eléctricos, automóveis mais amigos do ambiente. Cada vez se ouve mais falar da energia eólica e solar e era só os países e as pessoas investirem nisso que se ia diminuir imenso o grau de degradação do planeta.
Se falar de um passado que só conheceram pelos livros e pelos "filmes antigos" já é difícil, imaginar o futuro suscita ainda mais dúvidas. "Sinceramente... não sei se os meus filhos vão ter mais oportunidades" e viver melhor, desabafa Gustavo. "Tenho quase a certeza que dentro de 20 anos vamos viver num planeta melhor. As pessoas estão mais conscientes", contrapõe Francisco.Mais conselhos aos líderes que esta semana se sentam à mesa no Rio? 
Nuno:
Que parassem de promover obras só para financiar as pessoas que as constroem, que têm um impacto ambiental muito negativo. O plano nacional de barragens, em Portugal, por exemplo. As barragens destroem a biodiversidade e não são a melhor solução como fonte energética. A desculpa costuma ser que vão dar emprego, que é bom para a economia, mas não se fala do que têm de destrutivo.
Avelino:
Os Governos devem desligar-se das questões tão populares como a economia (hoje em dia é economia, economia, economia...). Eles respiram o mesmo ar que nós.






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