Trabalhou quatro anos de borla, sem contrato, com funções de relevo. Rui Valada vai ser integrado nos quadros da Câmara de Lisboa por ordem do tribunalAos 33 anos, o futuro sorria-lhe. Tinha sido encarregado por João Soares, em 1995, de um projecto único: reabilitar a Praça do Rossio, em Lisboa.
Os anos que se seguiram foram uma autêntica epopeia, para devolver a um dos principais espaços públicos da cidade a sua antiga majestade. Escolheu a equipa que iria levar a cabo a missão, mandou desenhar candeeiros e quiosques para os jornais e para as floristas, escolheu a pedra para os lambris dos passeios, cuja largura duplicou. O padrão "Mar Largo" voltou a encher a calçada portuguesa, como em meados do séc. XIX.
Quando a obra foi inaugurada, a um escasso mês das eleições autárquicas de 2001, o arquitecto paisagista Rui Valada estava há quatro anos a trabalhar de borla para a Câmara de Lisboa. Tinha representado a autarquia em cerimónias, dado entrevistas, espalhado plantas pelo chão do gabinete de João Soares para lhe dar a conhecer os seus planos, mas vínculo contratual com a câmara não possuía nenhum - nem já sequer o de tarefeiro que nos primeiros anos tinha tido.
Ainda hoje, com 50 anos e uma carreira pouco conhecida, Rui Valada não sabe explicar lá muito bem como se trabalha quatro anos em funções públicas de destaque em semelhantes condições. "Ao longo desses quatro anos, sempre pensei que a situação se viesse a resolver. Mas os vereadores empurravam o problema uns para os outros", recorda. Nunca passou mal: graças ao dinheiro da família, pôde dar-se ao luxo de não abrir mão do projecto da sua vida. O seu empenho nele havia, no entanto, de o fazer cair em desgraça. Uma rodela que se erguera na placa central do Rossio, com uns míseros 40 centímetros de altura, estava no centro da controvérsia.
Em formato de talhada de melancia, a rodela albergava um poço de ventilação do metropolitano. Cioso como era da sua obra, o arquitecto exigiu que o obstáculo desaparecesse dali, como lhe prometera João Soares antes de perder as eleições para Santana Lopes por escassa margem. Bateu o pé, acenou com um parecer vinculativo do Instituto do Património Arquitectónico a dar-lhe razão. Quem o avisou de que ia por mau caminho sabia do que falava. "Vá para casa até a poeira assentar", lembra-se de lhe ter ordenado, no Verão de 2002, a vereadora do Urbanismo, Eduarda Napoleão (PSD).
Lá foi, para não mais ser chamado. Perante a polémica que gerou o seu afastamento, Santana Lopes emitiu um comunicado a explicar que não encontrava na câmara nenhum contrato em seu nome, "apesar de o arquitecto ter estado quatro anos à frente do gabinete do Rossio".
Negando que o afastamento estivesse relacionado com a excrescência do metropolitano, o autarca anunciou então que apresentara uma queixa-crime contra o paisagista por causa de um alegado abuso de poder na encomenda de umas travessas de madeira à Rede Ferroviária Nacional em nome da câmara, mas destinadas a uso particular - um caso que havia de terminar com a sua absolvição em tribunal.
Apesar dos elogios que o seu trabalho no Rossio suscitou - Siza Vieira chegou a referir-se-lhe como um exemplo a seguir -, Rui Valada não voltou a ter encomendas de projectos para espaços públicos senão há poucos anos, quando trabalhou para a Sociedade Frente Tejo. À câmara só voltou durante dois breves anos, quando trabalhou no gabinete de Manuel Maria Carrilho.
Santana em silêncio
O processo que desencadeou para ver reconhecidos os seus direitos arrastou-se em tribunal uma década, com a Câmara de Lisboa a reconhecer-lhe a qualidade do trabalho desenvolvido, mas a aler>gar que ele "sempre tinha sabido o que significava" o regime de prestação de serviços a que se encontrava sujeito. Para se descartar de responsabilidades, a autarquia chegou a questionar a sua formação académica: como vários dos seus colegas, Rui Valada adiou durante anos a entrega do trabalho de fim de curso.
Em Março deste ano um tribunal de primeira instância veio dar razão ao paisagista. "Foi mantido instrumentalmente numa situação precária e irregular por parte do município, que se foi refugiando em argumentos de carácter formal para recusar a reconhecer uma situação que lhe foi útil e conveniente", observa o juiz Frederico Branco, explicando que nos seus primeiros anos na câmara o arquitecto "foi celebrando contratos de prestação de serviço que iam dando cobertura a necessidades permanentes de serviço", em vez de ver a sua situação regularizada, como se impunha. Condenada a integrar Rui Valada nos seus quadros e a pagar-lhe os quatro anos de trabalho gratuito no Rossio - 236 mil euros - mais os salários que teria auferido até hoje caso não tivesse sido indevidamente despedido, a autarquia anunciou ao tribunal a sua intenção de recorrer desta sentença, mas desistiu entretanto de o fazer.
Questionada pelo PÚBLICO sobre este e outros aspectos relacionados com o caso, uma porta-voz do município, Maria Rui, limitou-se a responder que a sentença será integralmente cumprida.
Nem Santana Lopes nem Eduarda Napoleão se mostraram disponíveis para prestar declarações. Já Rui Valada diz que hoje "provavelmente faria o mesmo" que fez na altura.
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5 comentários:
Finalmente. Paabéns
Pois é....e a poeira das borradas que Eduarda Napoleão levou a cargo para mal desta cidade....ainda não assentou.
Felizmente que ao Sr Dr João Soares durante esses 4 anos o dinheiro do ordenado nunca lhe faltou a tempo e horas na conta bancária, e viva o socialismo...
:-)
am
Parabéns a Rui Valada nao só por ter finalmente ganho este processo mas também pelo belo Rossio que ele arquitectou!
Fez mais pela autarquia este arquiteto, que muitos parasitas que por lá andam com ordenados faraónicos a entrar ás 10 e a sair às 5.
O neo-liberalismo em certos casos está totalmente correto. Esquece o dinheiro, esquece a tanga dos direitos adquiridos, dos trinta mil subsídios, para de "chorar", de ser PIEGAS, e vai atrás daquilo que és bom e de que gostas de fazer. O dinheiro surgirá naturalmente.
Vejam este movimento. Gente que faz um trabalho nobre, mais nobre do que metade dos funcionários da CML, mais valioso para a Rés Pública que muitos "mamões" que por lá dormitam, e quanto recebem as pessoas deste movimento? ZERO€.
O dilema não está entre esquerda e direita, está entre mercenários e rés publicanos!
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