Vem de longa data a relação contorcida que temos, como povo, com o património, natural ou cultural.
Sem que no reino do património natural o estado das coisas seja digno de boa nota, vou debruçar-me aqui somente sobre o património cultural.
Já no séc. XIX, em resultado da nacionalização dos bens eclesiásticos, se desmantelavam igrejas, conventos, se furtavam peças de valor incalculável. Foi necessária a visão de um estrangeiro feito português pelo coração e casamento, D. Fernando II de Saxe-Coburgo-Gotha, para mostrar aos portugueses que património é uma herança, e como qualquer herança é para ser recebida, mantida e transmitida – exatamente por esta ordem. A nossa identidade dependia disso. E se é verdade que a partir dessa data a semente do património foi plantada e foram criadas as primeiras normas de classificação e proteção do património, não posso deixar de sentir que, passados que estão mais de 150 anos desde que um homem chegado da Alemanha nos dava lições de civilidade, poucas sementes brotaram e aquelas que o fizerem não deitaram raízes profundas, seguras e intransportáveis. O património e a sua defesa é, no nosso país, um bem relativo, não absoluto.
Leiam-se os inúmeros comentários que são feitos, neste espaço; veja-se o que é a atitude típica dos portugueses e das autoridades que de diligentes e prontamente atuantes pouco têm.
No nosso país uma esmagadora maioria tem como ridículo quando se defende ser errado colocar janelas de alumínio nas fachadas antigas, demolir interiores, criticar construções modernas (de gosto duvidoso) em zonas consolidadas (ou que deveriam estar); da mesma forma aquilo que tem sido sistematicamente decidido pela CML nos arranjos da Praça do Comércio, Ribeira das Naus, Largo do Intendente, entre outros é completamente censurável. A insistência em introduzir “contemporaneidade” num pretenso diálogo antigo/moderno simplesmente não é…moderno! Já se fez, de mil maneiras e não se faz mais em países que apresentam o património como uma marca; o entendimento atual é outro, diametralmente oposto.
Como exemplo, não exaustivo por falta de espaço e para não ser monopolizador, trago-vos dois monumentos que são atrações que obrigam tempos de espera para a visita que pode chegar a uma hora: os Palácios de Catarina e de Pedro, em São Petersburgo, que já visitei.
Destruídos durante a II Grande Guerra, foram reconstruídos criteriosamente, sem qualquer interpretação contemporânea.
Esta é uma representação da destruição do palácio decidida pelas tropas alemãs quando retiraram da Rússia. |
Este é o aspeto actual. Está minuciosamente recuperado com a exatidão e critério rigoroso que a noção de património e história obrigariam a fazer. Isto quando se tem noção do que estes dois conceitos significam. |
Durante décadas, desde o período soviético até hoje, este palácio foi reerguido e restituido à sua glória. São milhares de pessoas que diariamente o visitam. Fazem-se filas intermináveis para entrar. |
Este é o estado em que ficou a escadaria principal. |
Este é o estado atual! |
A Sala de Baile ficou neste estado. |
Esta assim hoje. magnífica! |
A Sala de Âmbar foi oferecida pelo rei da Prússia e desmantelada, desapareceu na II Grande Guerra, nunca mais sendo encontrada. Há dois anos ficou pronta. |
O Palácio de Pedro foi totalmente obliterado. As suas famosas cascatas com estátuas clássicas douradas foram repostas e o palácio, atrás, está como podem ver. |
Aqui no nosso país, onde a maioria dos Monumentos Nacionais
estão em condições de franca má conservação, continuamos a pensar que gastar
dinheiro em reabilitações reais, criteriosas, constantes, por verdadeiros
especialistas (arquitetos sem formação específica não estão incluídos, por
maior nome e prémios tenham) é um desperdício, ainda que saibam que o turismo é
um dos nossos maiores produtos de exportação. É verdade que temos
muito pouco património ao nível internacional, mas o que temos é digno e só
precisa de ser protegido - sem qualquer tipo ou espécie de compromisso - e bem
comercializado. Que me perdoe quem pense que património é algo a proteger por
ser um bem cultural sem preço, mas espero que escrevendo "economês não
erudito" possa convencer quem seja somente sensível a esse critério.
P.S. - O que querem fazer com o Palácio da Ajuda, com remate de betão e vidro envergonha-me, envergonha-te, envergonha-o, envergonha-nos, envergonha-vos, envergonha-OS.
6 comentários:
Cada dia uma nova pérola. Com que então segundo o autor deste post, o restauro de um palácio é representativo da qualidade da democracia num país. Nada de mais errado.
E diga, quem vai pagar a construção do palácio da ajuda de acordo com os planos originais? Com dinheiro que não existe. Dar ideias com o dinheirod os outros é fácil. Pague você já que a sua iluminação o permite.
O palácio da ajuda deveria ter sido rematado com a construção de um museu dos coches, permitindo um percurso expositivo que integrasse os aposentos reais, os coches, e o picadeiro da GNR onde é possível ver como ainda hoje se treinam os cavalos para paradas. O modo obsceno como em lisboa se continua a preferir construir novos elefantes brancos em deterimento de edifícios já existentes, alguns de grande qualidade, que permanecem abandonados, é algo que me entristece profundamente.
Aqui a cultura é outra, a cultura da bola.
E sempre podemos visitar os estádios do Euro que estão às moscas.
Mais que pobres, incultos. Infelizmente não temos oligarcas do petróleo e regimes semi-autoritários para nos darem umas rabecadas de cultura de vez em quando. Quanto ao Palácio da Ajuda, todos nós gostaríamos muito que o mesmo fosse rematado, mas consciencializem-se que não há dinheiro, nem interesse, sobretudo.
o povo que reconstruiu os palácios de são petersburgo foi o mesmo que dinamitou a catedral de cristo o salvador em moscovo (para depois mais tarde a reconstruir com o custo de 200 milhões). portanto não sei que lições tirar daqui...
Caro Anónimo das 6:45,
Lição: emendar os erros do passado.
Conclusão em Portugal: não só não emedamos os erros do passado mas repetimo-los.
PS - A reconstrução da maioria dos palácios na Russia já começou nos anos 50.
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