07/06/2013

"Febre hoteleira" está a destruir identidade da Baixa, diz autarca


In Público (6/6/2013)
Por Marisa Soares


«Câmara diz agora que há dez projectos de hotéis para a zona da Baixa pombalina a aguardar licença e mais três em obra. Em Março, Manuel Salgado tinha afirmado que estvam pendentes 30 e sete em obra


O presidente da Junta de Freguesia de São Nicolau, António Manuel, acusa a câmara de estar a transformar a Baixa de Lisboa num "condomínio fechado de hotéis de charme" e a permitir a "destruição do tecido económico e social" que a caracteriza.

Segundo o gabinete do vereador do Urbanismo e vice-presidente da Câmara de Lisboa, Manuel Salgado, estão a aguardar licenciamento dez projectos de hotéis para a Baixa pombalina, que correspondem a 1166 camas.

Em obra estão actualmente três hotéis, com 261 camas, indicou agora, por escrito, a mesma fonte. Esta informação, porém, contradiz as declarações que, segundo António Manuel, Salgado terá feito numa reunião pública da câmara, em Março, afirmando que havia 30 hotéis a aguardar aprovação e sete em obra. O PÚBLICO tentou contactar Salgado, para esclarecer esta contradição, mas sem sucesso.

Sejam dez ou 30, a verdade é que em quase todas as ruas da Baixa pombalina se encontram prédios em mau estado de conservação, com placas de aviso sobre pedidos de licenciamento de obras. O presidente da Junta de São Nicolau é peremptório: "É preciso travar o quanto antes esta febre hoteleira, se não quisermos perder irremediavelmente a Baixa e o que a caracteriza." Segundo afirma, já existem 80 unidades hoteleiras na zona.

Salvaguarda em risco

Mais do que a quantidade, o autarca eleito pelo PSD para aquela freguesia da Baixa está preocupado com a qualidade dos projectos e o impacto que terão na dinâmica daquela zona histórica.

António Manuel afirma que o Plano de Salvaguarda da Baixa Pombalina, aprovado em 2010, que define regras de reabilitação do edificado, não está a ser tido em conta pela câmara. "Não se está a respeitar nem a filosofia nem os documentos estratégicos do plano, que dizem que a reabilitação deve contemplar a fórmula de um terço para habitação, um terço para comércio e um terço para serviços", refere.

O principal problema, argumenta, é que a instalação de novas unidades hoteleiras está a fazer-se "à custa do desalojamento de moradores e do desaparecimento de lojas históricas ligadas à identidade da Baixa". E dá como exemplo o projecto previsto para o quarteirão do antigo Convento do Corpus Christi, situado entre as ruas dos Fanqueiros, São Nicolau, Douradores e Vitória. Este edifício do século XVII, reconstruído após o terramoto de 1755 e classificado como imóvel interesse público, vai ser todo ocupado por um hotel, cujo projecto já foi licenciado pela Câmara de Lisboa.

Nalgumas das lojas que aí havia e que entretanto foram despejadas decorrem escavações arqueológicas, acompanhadas pela Direcção-Geral do Património Cultural (ex-Igespar), que deu parecer positivo à obra com essa única condicionante. Mas ainda restam meia dúzia de comerciantes e alguns moradores, que terão de sair até ao final do Verão.

"Nesse conjunto vive o morador mais antigo da Baixa. Uma das lojas, a Adega dos Lombinhos, faria 100 anos em 2017. Estas lojas são a grande atracção da Baixa, são elas que a tornam diferente da Baixa de outra qualquer cidade europeia", observa o autarca, que defende a convivência dos hotéis com o comércio tradicional.

Está-se a fazer uma "reabilitação sem alma", lamenta. E a tendência não é de agora. Já em 2008, a instalação de um hotel no cruzamento da Rua dos Correeiros com a Rua de Santa Justa fez desaparecer a última loja de correeiros da Baixa pombalina. "Devia ter sido conciliada a instalação do hotel com o comércio pré-existente. Era uma loja secular que fazia parte do imaginário da Baixa", observa António Manuel.

Candidatura na gaveta


Esta preocupação é partilhada pela vereadora do PSD na câmara Mafalda Magalhães de Barros, que acusa Manuel Salgado de manter os projectos "no segredo dos deuses", abrindo portas à "especulação imobiliária". A vereadora teme que as intervenções previstas naquela zona possam pôr em causa a candidatura da Baixa a Património Mundial da UNESCO, sobre a qual também pouco se sabe. Em Dezembro de 2011, Salgado anunciou que a autarquia ia retomar o processo - iniciado em 2004, mas depois suspenso devido à necessidade de elaborar um plano de salvaguarda que veio a ser aprovado em 2010. Desde então, o assunto não voltou à ordem do dia.

"Nos prédios pombalinos as fachadas não são muito interessantes. O que é interessante é a construção integrada, os interiores em azulejos, as pinturas nas paredes, a construção em gaiola", explica a também antiga directora da Direcção Municipal de Conservação e Reabilitação Urbana. Mafalda Magalhães Barros acredita que estão a ser feitas "demolições integrais do interior dos edifícios", sem respeito pelo que resta do património.

"A candidatura da Baixa exigiria uma maior cautela no que respeita aos valores patrimoniais", entende a vereadora do PSD. Sem ela, está-se a "passar o rolo compressor" sobre o que resta dos edifícios pombalinos e, ao mesmo tempo, a "expulsar" moradores e comerciantes. "Não temos nada contra os hotéis, mas tem de haver lugar para as pessoas", remata. »

16 comentários:

Anónimo disse...

Este Manuel Salgado é uma figura sombria; quem votar neste executivo estará a votar neste cavalheiro que não prossegue o interesse dos cidadãos de Lisboa. Querem pôr o governo fora mas já agora comecem por pôr este senhor na rua!Por favor!

Anónimo disse...

A baixa tinha identidade quando tinha todos os seus usos misturados. Agora a unica coisa que existe são fachadas para o inglês ver e lojas de souvenirs.

E quanto a esse fachadismo, de obras condignas devo ter visto umas 2 ou 3 na ultima década. As restantes é tudo demolir interiores e construir de novo. É completamente inaceitável a liberdade que se está a dar para fazer isso. Não se trata de nenhum grande incêndio ou outro cataclismo, é simplesmente para tornar o projecto mais barato. Os edificios da baixa até possuem uma planta extremamente flexível para se adaptar a outros usos, mas sai mais barato construir de novo.

Anónimo disse...

Há anos que se houvia falar que a Baixa morreu, que não vive lá ninguém, que à noite fica mais deserta e mais perigosa do que muitos bairros da periferia...

Agora se o problema é a "perda da identidade da Baixa" (termo engraçado para falar não sei bem do quê), então é porque já estamos bem melhor :)

Anónimo disse...

Até junto à AR, na R. de São Bento, está um cartaz num terreno anunciado que existe projecto aprovado para hotel!!! Isto num local congestionado, onde bastas vezes não se pode passar e onde carros a largar e a tomar passageiros e bagagem só aumentariam o caos já existente.

Lá pela CML anda tudo louco.

jorge disse...

Pois é. Devem preferir os prédios a caírem de podres.
Querem as lojas ? Como se ninguém la vai comprar pois preferem enfiar-se nos centros comerciais ?

Anónimo disse...

Nunca houvi tal coisa. Aliás, nem sei o que é isso de houvir.

Anónimo disse...

Anónimo das 12:50,

então não percebe que fazem parte da mesma problemática? A perda da identidade da Baixa e a pouca atratividade para atrair moradores são duas faces do mesmo problema, ou por acaso pensa que hóspedes de hotel vão encher e dar vida à Baixa e alimentar os negócios que lá se fixarem? Se pensa assim é porque é muito ingénuo/a.

Anónimo disse...

Mete-se pelos olhos de qualquer pessoa com o mínimo de discernimento que um bairro precisa de moradores, i.é, FAMÍLIAS que nele morem EM PERMANÊNCIA, depois precisa (além do mais) de cafés, pastelarias, mercearias, lojas, LOCAIS ONDE OS VIZINHOS SE VÊEM E CONVIVEM.

Gente que passa uns dias num bairro e obviamente não o reconhece como seu não pouco adianta em termos da constituição de uma comunidade que como tal se sente.

Isto é o bê-á-bá.

Rui Rego disse...

Eu escolhi não viver na baixa!

O ano passado tive a possibilidade de adquirir um andar mas acabei por desistir, não me arrependo nada!

Aquele projecto que fizeram há pouco tempo só veio confirmar!
Deixam uns "tremoços" de logradouro público, inserem uns edifícios despropositados e mais uma praiazinha fluvial (onde nem se pode tomar banho) mais umas docas que só servem para roubar ainda mais espaço e plantam umas arvorezinhas aqui e ali...
Acham que é suficiente para atrair famílias e oferecer uma boa qualidade de vida...
Ah pois, na baixa se não é a frente rio...
Em vez de optarem pelo natural optam pelo material...
Nem pensar, só se fosse um progenitor irresponsável!

JJ disse...

Qual identidade? A das lojas decrépitas cujos negócios caíram em desuso e fora de moda, cheias de comerciantes idosos que culpam os clientes por já lá não entrarem? A das lojas de souvenirs iluminadas por néon com paquistaneses à porta? A dos inquilinos idosos que nem as escadas conseguem descer? Havia há uns anos um projecto de transformar a baixa num centro comercial a céu aberto, apoio-o a 100%. O Chiado só rejuvenesceu depois de um incêndio e é hoje uma das zonas mais nobres de Lisboa quando antes estava decrépito. O que é que será preciso para a baixa se regenerar também? Outro incêndio?

Anónimo disse...

Visão antiquarista do patrimonio e do centro historico!
Gonçalo silva

Anónimo disse...

Continua a achar-se que é o turismo que vai salvar este país...

JJ disse...

Se este país não for ao menos preparado para receber turistas, quem é que cá vai sequer querer viver?

Anónimo disse...

Um bairro inteiro para turistas, que maravilha! Que coesão social! Que porreiro, pá.

P disse...

Se não há apartamentos, se não há escritórios, se não há lojas, querem que se faça o quê na Baixa Pombalina? Que se continue com o plano atual: deixar ruir tudo?
Venham de lá os hotéis! Lisboa e o país precisam de turistas, emprego e dinheiro estrangeiro. E isso o turismo faz. Além da reabilitação dos edifícios que geram negócios em várias áreas.

E quem critica os hotéis, que faça melhor. Se não, cale-se.

Anónimo disse...

Devia instalar-se lá uma zona vermelha. Também se reabilitavam os edifícios, entrava dinheiro, nacional e estrangeiro, e geravam-se muitos negócios. E ficava tudo muito melhor do que está.