04/12/2013

A classificação do Hospital Miguel Bombarda e o futuro da nossa cultura


In Jornal Público Online (4.12.2013)
Por VICTOR OLIVEIRA

«A Neurologia nasceu em França no Hôpital de la Salpêtrière no último quartel do século XIX, pela mão de Jean-Martin Charcot (1825-1893). A Salpêtrière era um grande asilo onde se depositavam, muitas vezes para toda a vida, pessoas com uma variedade de situações que iam desde a epilepsia a outras doenças que se viriam a individualizar como neurológicas, e toda uma gama de doenças psiquiátricas, mas que tinham em comum a necessidade de custódia mais ou menos prolongada. [...]

O hospital constitui a principal memória da assistência psiquiátrica e neurológica aos doentes em Portugal. O seu integral e enorme arquivo ainda inexplorado de processos clínicos, arte de doentes e fotografia, é, seguramente, um património ímpar a investigar e a preservar. Neste hospital se iniciaram em Portugal as investigações microscópicas do sistema nervoso (a Neuropatologia) com Marck Athias, Celestino da Costa e Lobo Antunes. Foi aqui que se seleccionaram os primeiros doentes para a técnica da leucotomia idealizada por Egas Moniz e que lhe valeriam o Prémio Nobel em 1949. [...]

Ao invés de outros hospitais instalados em antigos conventos, no Bombarda construíram-se de raiz diversos edifícios vanguardistas, ou mesmo experimentais, não-asilares, de grande valor patrimonial em termos internacionais. Além do Balneário D. Maria II, de 1853 e do famoso Pavilhão de Segurança, de 1896, ambos classificados em 2010, é urgente e justo, proteger através de classificação, outros imóveis deste magnífico conjunto: os edifícios das enfermarias em poste telefónico, primeiro no mundo, 1885-1894 (racionalista e de um piso rodeado de jardins, segundo o princípio do hospital psiquiátrico ideal defendido pelo alienista Esquirol) e em U, de 1900 (com inédita disposição permitindo a vigilância e melhorando a segurança e comodidade dos doentes), o humanizante Telheiro do Passeio dos Doentes (1894), a cozinha (1904), notável obra de engenharia, bem como o imponente edifício da prestigiada Congregação de S. Vicente de Paulo, também ainda não protegido.

O Hospital Miguel Bombarda, encerrado desde 2011, é um património histórico e arquitectónico de características únicas em Portugal e, a nível internacional, reconhecem-se-lhe especificidades que se subestimam por cá. É um passado de que nos devemos orgulhar, e uma base essencial para delinearmos o nosso futuro.

A aguardada aprovação da proposta de classificação apresentada em Março (que subscrevemos), o desenvolvimento de um espaço museológico artístico e científico, também de turismo cultural, abrirão largas possibilidades para a divulgação internacional das neurociências e da medicina portuguesa, e constituirão uma destacada mais-valia para a imagem de Portugal no mundo científico e cultural.

Para o bem ou para o mal, o ónus ficará para quem decidir o destino a dar a este riquíssimo património.

Presidente da Sociedade Portuguesa de Neurologia, professor de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa»

7 comentários:

Anónimo disse...

O vereador Salgado já leu este artigo ou ainda não teve tempo proque a assinatura de demolições toma-lhe muito do seu tempo útil?
O Presidente da CML já sabemos que não leu porque entre entrevistas, debates, reuniões partidárias, eventos, e candidaturas futuras, de facto tem pouco tempo para a cidade

Filipe Melo Sousa disse...

Falam em património como se fosse um bem (uma fonte de receitas portanto), contudo o tom da mensagem acaba (como sempre neste blog) em tom de peditório para gastar dinheiro.

É patético e infantil o apelo ao "espaço museológico artístico [...] e afins que "constituirão uma destacada mais-valia para a imagem de Portugal no mundo científico e cultural." Essa cláusula-tipo também foi utilizada para outros elefantos brancos e sorvedores de despesa.

É impressionante ver como não percebem que o país está falido, e que os outros não querem, nem podem, pagar pelos vossos delírios.

Anónimo disse...

Para o Filipe Melo Sousa:
http://en.wikipedia.org/wiki/Philistinism

Anónimo disse...


Excelente artigo, finalmente os médicos defendem o Património.

Quanto a Filipe de Sousa informo-o que muitos imóveis CLASSIFICADOS dão mais LUCRO, DINHEIRO LÍQUIDO, GRANA REAL e não imaginária, e que o MUSEU DO BOMBARDA, já muito visitado, ALARGADO QUASE SEM CUSTOS, SEM ARQUITECTOS E CONSTRUTORES, também DARÁ LUCRO, com múltiplas exposições da Arte Outsider (saberá o que é ??? os turistas sabem ...)
assim como dão LUCRO os Jerónimos, Palácios de Sintra, Batalha, Elevadores e Eléctricos de Lisboa, (os portugueses queriam destruí-los ...) o Castelo, as Casas de Fado,etc etc
além do efeito multiplicador de 20 na Economia.
Os Turistas vêm a Lisboa ver os mamarrachos do Siza, do Byrne, do Graça e outros Carrascos do Património ??

Filipe Melo Sousa disse...

Caro anónimo, se está tao certo do lucro de tal "espaço museológico" invista. Argumente com o seu bolso, em vez de pedinchar mais dinheiro ao contribuinte.

Anónimo disse...

Quando é que vai parar a demagogia deste tipo que vem aqui comentar só para ter isto que lhe damos: tempo de antena.
Se sente tanta falta do país volte, em vez de ficar a espreitar e torcer pelo pior, para lhe darem razão por ter saído.
Não transponha a sua vida, os seus interesses pessoais, os seus atavismos e zangas pessoais para aquilo que é a construção de uma sociedade melhor, uma realidade para a qual mostra ter muito pouco para contribuir.
Quanto ao constante acenar com o seu NIB, argumento de que rapidamente saca, como se o facto de ter contribuído como todos os demais faça de si mais vítima do que os restantes portugueses, faça-nos, então o favor de o indicar aqui, não esquecendo de nos indicar o saldo e os movimentos nas últimas décadas de forma a percebermos que estilo de vida se habituou a ter, em comparação com os portugueses seus conterrâneos. Ficamos à espera...

Miguel de Sepúlveda Velloso disse...

Só tenho pena que este Melo fale português como eu. devia pagar imposto. Para além da visão sempre reducionista do dinheiro ou da falta dele, que cidade é que este senhor quer?

Chega a ser infantil, para não dizer outra coisa.