08/04/2010

Entrevista ao Arquitecto Manuel Salgado

Não foram suficientes as restrições ao trânsito na Baixa: é preciso reduzir ainda mais o volume de tráfego. Manuel Salgado, vice-presidente e vereador do Urbanismo da Câmara de Lisboa, quer ver surgir depressa um pólo de Serralves na Praça do Município e sublinha a urgência de ocupar as arcadas do Terreiro do Paço com estabelecimentos comerciais e esplanadas, agora que o novo pavimento está quase pronto. Salgado afirma que em meados do ano que vem vai ser possível chegar de elevador ao Castelo de São Jorge.

O orçamento da câmara para 2010 (que foi chumbado) prevê venda de património municipal, como palácios. Para quê?
Para reinvestir.

Em quê?
Por exemplo, para reabilitação do Bairro Padre Cruz e da Mouraria, que têm candidaturas ao Quadro de Referência Estratégico Nacional mas só para metade do investimento. Ou seja, vendem-se palácios para recuperar bairros degradados. E não só. Espaço público, equipamentos, escolas.

É legal o município passar a exigir aos promotores imobiliários que uma percentagem dos fogos que coloquem no mercado seja a custos controlados?
A Lei dos Solos prevê-o expressamente. E já a temos contemplada no projecto do novo Plano Director Municipal, que está pronto. Se a situação actual se mantiver, o mercado imobiliário desaparece em Lisboa. As pessoas não têm capacidade de pagar as rendas nem os valores de venda. E é garantido que, a prazo, as taxas de juro dos empréstimos vão subir. Estamos a tentar encontrar o ponto de equilíbrio que permita, sem pôr em crise o sector, criar uma oferta de habitação acessível a um leque mais vasto de pessoas. Lisboa vive uma situação absolutamente dramática em termos de falta de população. E também distorcida: temos um pouco menos de meio milhão de habitantes e 26 mil fogos municipais. Mais de metade destas 500 mil pessoas não pertencem à população activa. Só para se ter uma noção da gravidade da situação, Barcelona tem 1,7 milhões de habitantes e nove mil fogos municipais de habitação social.

É uma cidade de velhos...
...de velhos e de pobres, à qual afluem diariamente mais pessoas do que aquelas que cá vivem. As receitas municipais têm vindo a diminuir nos últimos dez anos por via da saída de empresas e de gente. É indispensável um consenso entre todas as forças políticas para pormos em prática medidas que invertam esta tendência.

E que percentagem dos fogos será a custos controlados?
Falou-se em 25 por cento e pode ser um ónus temporário, no caso dos arrendamentos. A partir de determinada altura o imóvel poderia ser posto no mercado livre.

Quando entrará a medida em vigor?
Espero que o novo PDM seja aprovado no início do ano que vem.

E seria só para urbanizações novas?
Não, funcionaria também para a reabilitação urbana.

Como está a revitalização da Baixa?
Apostámos forte na Baixa. Prevê-se que no final deste mês vá à reunião de câmara o respectivo plano de salvaguarda. Uma vez aprovado, os licenciamentos de obras já não têm de passar pelo Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico (Igespar).

Isso é bom?
É, porque o Igespar fez parte da equipa que elaborou o plano e definiu as regras de transformação do edificado, o que nos vai permitir licenciar obras mais depressa. Depois de o plano aprovado, só os edifícios que são monumentos nacionais é que têm de ter parecer do Igespar, que é o caso do Terreiro do Paço e do Teatro D. Maria. Também foi definido qual o comércio de tradição que tem de ser mantido.

Muita da arquitectura de interiores das lojas da Baixa foi destruída. O plano ainda vem a tempo de salvar o que quer que seja?
Vem. Mais do que planos que funcionem como instrumentos de polícia, necessitamos de outra cultura de abordar a cidade. Por exemplo, a loja Casa Portuguesa afirma-se pela valorização dos móveis antigos, das estantes antigas, de um determinado carácter que distingue a loja, para além dos produtos que vende. A Confeitaria Nacional está impecável. Isto parte muito da cultura dos próprios comerciantes. Mas se essa cultura não existe... Também é difícil impô-la.

No passado, falou na possibilidade de o plano de salvaguarda da Baixa permitir demolições. Referia-me aos pisos a mais. Ou a edifícios inteiros sem valor?
Sim. Já não me lembro se o plano contempla situações dessas, mas, teoricamente, deve contemplar. Até porque há edifícios que nunca foram construídos de acordo com o plano pombalino. Ficaram mais baixos. Que me recorde, neste momento, não há nenhuma demolição prevista.

Houve uma redução de trânsito na Baixa por causa do novo plano de tráfego? Exactamente. E agora vai ter de ser aperfeiçoado para reduzir mais o ruído. Vamos alargar os passeios das ruas do Ouro e da Prata. Ainda temos de reduzir 25 por cento do actual volume de tráfego.

Quando é que vamos poder chegar ao castelo de elevador?
Uma vez que a obra está em curso, em meados do ano que vem.

E tomar um copo nos Terraços do Carmo, com a Baixa aos pés?
Espero que, o mais tardar, em 2012. Outro projecto que espero que avance em breve é a criação de um pólo do Museu de Serralves na Praça do Município. O BPI é sponsor de Serralves e tem uma antiga dependência neste local.

Há mais novidades na Baixa? A Loja do Cidadão dos Restauradores vai ser transferida para um prédio no cruzamento da Rua dos Fanqueiros com a Rua do Comércio. Por outro lado, queremos criar um espaço para expor o que de melhor se faz nas novas tecnologias em Portugal. Estamos à procura de um edifício na Baixa para instalar uma "megastore da inovação", que será uma parceria da câmara com outras instituições.

O novo pavimento do Terreiro do Paço está quase pronto. O que fica a faltar na praça? A limpeza das fachadas, o restauro do Arco da Rua Augusta e a utilização dos pisos térreos.

E os estabelecimentos comerciais previstos para as arcadas do Terreiro do Paço? Houve um primeiro estudo que deixava muito a desejar. Neste momento está a ser feita outra abordagem. Mas o que a câmara entende é que é urgente que seja definido o perfil dos estabelecimentos que ali vão ser instalados. Estando o espaço público concluído, é urgente que aqueles grandes passeios sejam usados com esplanadas, com sítios para as pessoas estarem. A praça vai ficar lindíssima. E é possível instalar algumas esplanadas sem que isso implique obras. Podem ali ser colocados uns belos quiosques, como o que está no Camões.

Que mais? A Sociedade Frente Tejo terá de apresentar à câmara um projecto de urbanismo comercial, para aprovarmos. Sei que estão a tentar apostar mais na restauração e em determinado tipo de lojas-âncora. Mas o maior problema era o modelo de gestão a adoptar. É sobre isso que estão a ser exploradas hipóteses. Haverá áreas destinadas a usos culturais, restauração, livrarias, lojas de produtos nacionais... (in Público, 8-4-2010, entrevista de Ana Henriques)

Foto: Rua da Conceição

10 comentários:

HOMOSAPIENS disse...

"No passado, falou na possibilidade de o plano de salvaguarda da Baixa permitir demolições. Referia-me aos pisos a mais. Ou a edifícios inteiros sem valor?
Sim. Já não me lembro se o plano contempla situações dessas, mas, teoricamente, deve contemplar. Até porque há edifícios que nunca foram construídos de acordo com o plano pombalino. Ficaram mais baixos. Que me recorde, neste momento, não há nenhuma demolição prevista."

---Bem da teoria a prática em Portugal é preciso esperar séculos, espero mesmo que vá avante.

"O novo pavimento do Terreiro do Paço está quase pronto. O que fica a faltar na praça?
A limpeza das fachadas, o restauro do Arco da Rua Augusta e a utilização dos pisos térreos."

---Também não esquecer de restaurar a estátua a D.José I.

"Houve uma redução de trânsito na Baixa por causa do novo plano de tráfego?
Exactamente. E agora vai ter de ser aperfeiçoado para reduzir mais o ruído. Vamos alargar os passeios das ruas do Ouro e da Prata. Ainda temos de reduzir 25 por cento do actual volume de tráfego."

---Excelente notícia.


Cumpts.

Vasco N disse...

Em vez de se valorizar percuros pedonais vai poder ir-se para o castelo no novo Schindler 7000? É isso? Preferia que ficasse como está.

FJorge disse...

Concordo. Os percursos pedonais para o Castelo - se é que podemos chamar "passeio" tiras de calçada com 60cm de largura - são uma vergonha. Para além das dimensões ilegais, estão sistematicamente ocupados com estacionamento selvagem. Outro problema: a sinalização vertical que constantemente interrompe os estreitos passeios inviabilizando por completo a circulação de peões. O resultado no dia a dia é que carros e pessoas circulam nas faixas de rodagem.

Lisboa devia primeiro garantir canais pedonais com o mínimo legal de 1.20 m e só depois investir em elevadores, parques de estacionamento e outras estruturas muito onerosas para o erário público.

Rodrigo disse...

qual o problema dos meios mecanicos? é que tb servem a população e se queremos pessoas a rehabitar estas zonas é preciso dar condições.

Anónimo disse...

espero que restaurem a estátua a de D.José I .

FJorge disse...

Não há problema nenhum com os meios mecânicos - antes pelo contrário, são muito importantes.
Mas numa cidade que sofre de problemas financeiros graves, não deviamos começar primeiro por garantir aos cidadãos o mínimo, ou seja, terem passeios correctamente dimensionados e livres de obstáculos, para andarem a pé?
Lisboa tem feito investimentos enormes em projectos que reflectem uma clara secundarização do papel do peão na cidade.

Anónimo disse...

Também concordo que se deve começar pelo básico (boa mobilidade) antes de se embarcar nesse tipo de projectos.
Luís Alexandre

FJorge disse...

Receio que a importância que a Câmara está a dar ao projecto dos elevadores para o Castelo vá acabar por se reflectir num desleixo ainda maior com os canais pedonais da Colina do Castelo. Os meios mecânicos são importantes e essenciais para pessoas com mobilidade reduzida. Mas circular a pé pelos arruamentos sempre foi, e continuará a ser, uma das melhores maneiras de descobrir a cidade histórica. Também pergunto se o projecto dos meios mecânicos está a ser pensado mais para os turistas do que para os residentes.

Paulo disse...

De facto elevadores para o castelo é tipico de quem não se deu ao trabalho de habitar a zona historica tempo suficiente para perceber a que geografia não é problema ... aliás é a principal riqueza de Lisboa. Os reais problemas já foram referidos acima: passeios estreitos e degradados, transito pesado, obstáculos por todo o lado, obras paradas há anos ... é absolutamente surreal investir-se em elevadores para o castelo quando existem predios entaipados há mais de 20 anos a ocupar a via. São ideias tão boas como retirar pastilhas do chão no Rossio. Registe-se que Alfama sistematicamente não é referida... deve se porque não precisa :-/

John Le Doe disse...

«Lisboa vive uma situação absolutamente dramática em termos de falta de população».
Estranho seria o contrário. Desde Kruz Abecassis (talvez seja apenas uma data) que a estratégia para Lisboa (e todas as outras cidades) se esmera no combate aos habitantes:
1º princípio da cidade +densidade=melhor cidade (quem não gosta pode sempre viver no campo), aqui a sofisticação foi tão eficaz que se criou o monstro "betão", de tal forma encorpado que faz com que os "que comiam criancinhas ao pequeno-almoço", criados pelo Fascismo, pareçam brincadeira de crianças.
2º princípio da cidade
primeiro os habitantes, depois os outros [para turistas: «Apostámos forte na Baixa(...)loja Casa Portuguesa(...)Confeitaria Nacional(..)alargar os passeios das ruas do Ouro e da Prata(...)chegar ao castelo de elevador(...)tomar um copo nos Terraços do Carmo, com a Baixa aos pés(...)pólo do Museu de Serralves na Praça do Município(...)um espaço para expor o que de melhor se faz nas novas tecnologias em Portugal(...)o Terreiro do Paço(apostar mais na restauração e em determinado tipo de lojas-âncora; novo pavimento, limpeza das fachadas, o restauro do Arco da Rua Augusta e a utilização dos pisos térreos)]» [para suburbanos (incluindo os últimos presidentes):o desenho da rede de metro, de comboio e até de autocarro, a construção de túneis e vias rápidas, o deslocamento para a periferia de: universidades, tribunais, hospitais, esquadras, centros comerciais, instalações desportivas, grandes empresas, feira popular,...]
Afinal estavam à espera de quê? Tiram-nos o que era vantajoso, deixam-nos a merda (bairros-cadáver, carros de quem cá não mora e faz de Lisboa uma puta, polícias de trânsito e não dos outros (ainda há?), espaço público pago) e querem que fiquemos aqui e a sorrir?