06/03/2012

Benefícios gerados pelos arraiais são maiores que os incómodos do ruído


A ameaça camarária de limitar o horário de funcionamento dos arraiais populares de Lisboa, em Junho, ou no extremo a suspensão dos licenciamentos dos mesmos, correspondendo assim a queixas de alguns moradores que se dizem afectados pelo ruído e sujidade nos locais onde se realizam, são medidas entendidas como injustas e irrazoáveis pelas juntas de freguesia, que daqueles festejos recolhem receitas descritas como fundamentais para continuarem a prestar apoio social às suas populações mais carenciadas.




Por Carlos Filipe in Público

Câmara municipal admite alterações aos actuais modelo e horário de licenciamento, mas juntas de freguesia alertam que, sem aquela fonte de receita, são as populações carenciadas que ficam a perder


No início de Janeiro, José Sá Fernandes, vereador camarário do espaço público, ouviu queixas de moradores da freguesia da Madalena, apresentadas em abaixo-assinado, que se insurgiam contra os excessos de ruído e sujidade provocados pelo arraial que habitualmente se realiza, durante um mês, no Campo das Cebolas. O manifesto foi apresentado numa reunião pública camarária descentralizada, na freguesia da Sé, e foi em tom grave que Sá Fernandes disse ao plenário ter a nota contestatária toda a razão de ser, "pelo desmazelo que constituem os arraiais". E foi na mesma linha que ameaçou: "Das duas, uma: ou este ano não se realizam arraiais, ou se realizam com respeito pelas regras, tornando aqueles festejos diferentes daquilo que são hoje."
Cabe apenas a colectividades de cultura e recreio e a associações de moradores e outras, e não às juntas de freguesia, a realização e montagem daqueles arraiais, que são subsidiados e fiscalizados pela própria câmara. O mesmo se aplica aos retiros populares, estes mais informais, às portas das casas e ao longo das ruas, organizados pelos moradores e não-subsidiados. Aquelas juntas limitam-se a emitir parecer sobre o local candidatado a acolher o arraial e verificam o cumprimento das regras de funcionamento, assumindo a CML a fiscalização.

Gente de fora 

Mas as juntas de freguesia também colhem dali alguns fundos. "É uma fonte de receita para as juntas. A nossa apoia diariamente mais de 50 pessoas necessitadas, com alimentos e outros bens. Talvez pudéssemos prescindir dos dez mil euros que nos rende anualmente o arraial se a câmara nos desse mais dinheiro", sublinha Jorge Ferreira, presidente da Junta de Freguesia da Madalena.
A este autarca, que se diz zeloso pelo cumprimento do regulamento, não cabe a acusação de desmazelo: "Há queixas de barulho do arraial às 2h? Como assim, se eu mando parar a música às 24h?... Eu ando com relógio e acabo com a festa à hora certa. Isso posso garantir. Podem cá vir verificar."
Jorge Ferreira garante que ninguém tem a intenção de massacrar as pessoas ou perturbar o seu descanso, mas alerta que as queixas vêm de um sector muito específico da população da Madalena: "Como passou a ser fino morar em bairros históricos, alguns novos residentes, que dificilmente se integram na cultura do bairro, pretendem criar as suas próprias regras e ignorar as tradições de quem aqui mora há décadas. Esquecem-se de que os arraiais fazem parte da vida desta gente, desde sempre."
"Já disse várias vezes ao presidente da junta que aquilo [o arraial do Campo das Cebolas] era inconcebível, pelo barulho, desordem, sujidade. Os moradores que apresentaram o abaixo-assinado têm toda a razão, e aquilo pode ser feito de outra forma", disse ao PÚBLICO o vereador Sá Fernandes, que apontou outros casos - "outros arraiais muito incomodativos" -, na Alameda D. Afonso Henriques e na Pena. "Os moradores queixam-se e a câmara tem de fazer uma gestão de conflitos".
Sem apontar medidas concretas, ou quando irá promovê-las no regulamento, o vereador apenas sugere, genericamente, que "tem de haver regras em relação ao barulho e aos horários, pois os arraiais podem ser melhorados."

Auxiliar carenciados

O horário é fixado pelo regulamento dos arraiais, segundo o qual decorrerá entre as 20h e as 00h, e às sextas, sábado e vésperas de feriados até às 2h, podendo, excepcionalmente, e mediante determinação da câmara, prolongar-se até hora a definir pela autarquia.
A Sé também tem o seu próprio arraial, há mais de 20 anos. João Martins, vogal da junta e tesoureiro com o pelouro das Festas, admite que os arraiais têm alguns aspectos negativos. "Contudo, como em tudo na vida, é necessário tomar opções", diz. E, para conhecimento do vereador, acrescenta que aqueles festejos "proporcionam uma receita para a junta, que assim pode manter de pé os serviços médicos e de enfermagem, totalmente gratuitos, que presta não só à população da freguesia como a muitas outras pessoas de baixos recursos que nos procuram. Creio que este serviço que a junta presta releva um ou outro barulhinho que possa incomodar algum habitante nas proximidades do arraial. Por outro lado, é necessário manter a tradição, e a maioria dos lisboetas certamente que agradece a manutenção desta tradição. Isto, para além do benefício que garante à população."
Quanto às queixas, garante que nos seis anos que está ao serviço da junta ainda só teve uma queixa de uma moradora relativa ao arraial. E sublinha: "Temos sempre à mão o aparelho para medir os decibéis para não ultrapassar o limite permitido por lei."
Em Alfama, na área da Junta de Freguesia de Santo Estêvão, não há arraiais, mas apenas retiros populares, ao longo da maior parte das ruas do bairro. E ali o problema é outro. Segundo a presidente da junta, Maria de Lurdes Pinheiro, "o barulho que há é o do próprio dia de Santo António." "No resto do mês, é o funcionamento normal dos restaurantes e bares. Por sinal, quem os frequenta continua a pensar que Alfama é terra-de-ninguém e faz muito barulho e muito lixo, não só no dia de Santo António como durante todo o ano."
A autarca recorda que o próprio regulamento dos arraiais prevê reuniões para balanço antes e após as festas e menciona que nunca o vereador teve alguma conversa com esta autarquia sobre o que está mal e o que é necessário melhorar.
"Os arraiais são uma grande tradição de Lisboa e do país nas comemorações dos seus santos populares, e não vai ser um vereador ou outro que tirará esta tradição ao povo", rematou a presidente da junta. com Inês Boaventura

5 comentários:

Anónimo disse...

Rica lógica.

Não interessa nada quem tem estropiado o seu direito ao descanso e as ruas ficarem uma lástima e incomodarem-se idosos, doentes, crianças, gente que trabalha.

Cumprir as leis do ruído muito menos.

O que interessa é que assim as JFs ganham o seu.

O melhor mesmo é vendermos o que resta disto.

Xico205 disse...

Os arraiais são centenários. A maioria da população local adora-os e não consegue viver sem eles, quem chegou mais tarde aos bairros e não gosta das tradições que se vá embora. Acho muito bem que se mantenha a tradição.

Anónimo disse...

Ridículo.

O que hoje se passa nessas bandalheiras tem muito pouco que ver com os arraiais tradicionais...

E é obvio que as juntas de freguesia o sabem muito bem.

Xico205 disse...

Pois têm pouco a ver com o tradicional, a ASAE proibiu muita coisa e o numero de frequentadores das festas diminuiu com o despovoamento e envelhecimento de Lisboa. Basicamente agora é só uma noite antes era um mês.

Mudam-se os tempos...no entanto a alma bairrista continua na maioria dos habitantes.

Anónimo disse...

No largo em frente casa bicos o barulho vai durar 30 dias com musica ao vivo . Uma tormenta para quem mora em frente