08/04/2012

Meio mundo político fez das suas sentado às mesas da pastelaria Biarritz




Por Ana Henriques in Público

Santana, Durão Barroso e Fernando Seara foram algumas das figuras que aqui conspiraram durante anos a fio


Durão Barroso? Café, pastel de nata e garrafa de água. António Costa? Galão e dois croissants com fiambre. António Vitorino? Pão de leite torrado com fiambre, galão e bica a rematar. Os vícios matinais das figuras públicas são conhecidos de cor e salteado na pastelaria Biarritz, ou não fosse a estas mesas que se forjaram muitos dos planos da política nacional nas últimas décadas. Já sem o glamour que a transformou numa instituição não só do bairro de Alvalade como de Lisboa, a casa fez esta semana meio século de existência.
"Conspirava-se muito", recorda o presidente da Câmara de Sintra, o social-democrata Fernando Seara, que por ali parou muito durante mais de uma década, entre os anos 80 e o início do novo século. "Houve primeiras páginas de jornal saídas dessas conspirações." Quais, não conta: guarda essas memórias para os seus diários. Tal como Durão Barroso, e outras personalidades, Fernando Seara morava ali perto e fazia da Biarritz ponto de encontro obrigatório. "Acho que discutimos ali a primeira vinda do Fundo Monetário Internacional a Portugal", relata. E nem só de gente da direita se fazia a clientela: Francisco Louçã e Jorge Sampaio também foram habituais, juntamente com Luís Villas-Boas, do jazz, e António Coimbra, presidente da Vodafone. A este último, o dono da Biarritz, Rui Roque Silva, não augurava bom destino: "Era um maluco a andar de mota aqui à volta. Eu costumava dizer que ainda se matava."
Rui Roque Silva é dos primeiros tempos da casa, que tinha aquilo a que se chamava um ambiente seleccionado. Servia "todas as qualidades de champanhe francês". Os empregados apresentavam-se irrepreensivelmente fardados e não era qualquer um que entrava no estabelecimento, conta um dos empregados mais antigos, Mário Almeida. Vindo da província, começou a trabalhar na Biarritz no pós-25 de Abril com apenas 13 anos. Rui Roque Silva tornou-se uma espécie de segundo pai para ele, a quem a fome apertava. "Eu escondia muitas vezes o bolo inglês no armazém, entre as garrafas de champanhe, e ia comendo umas fatias", descreve Mário.
O fruto proibido é o mais apetecido. Fosse por isso ou por genuína necessidade, o certo é que o mistério das bolas de berlim desaparecidas da pastelaria da Avenida da Igreja ainda hoje não se resolveu, mal-grado os esforços do dono da Biarritz. Seria Santana Lopes ou outro qualquer aluno do liceu Padre António Vieira, ali ao pé, a quem a casa servia de sala de estudo? Depois de os ver já homens feitos, Rui Roque Silva tentou tirar o caso a limpo: "Olhe, isto agora já é passado, mas quando andava aqui a estudar quantas bolas comeu cá de borla?" Ninguém se descoseu. "Entre a fábrica, que era na porta ao lado, e a pastelaria havia uns bolos que desapareciam do tabuleiro", confirma outro frequentador da casa, João Pessoa e Costa, antigo vice-presidente do Sporting.
António Prôa, deputado do PSD, recorda o dia em que ele e os colegas transportaram uma experiência da aula de Química para o lago em frente da pastelaria. "Resolvemos atirar para lá uma pedra de potássio", relata. "Metade da água saiu do lago e metade dos clientes da esplanada fugiram, assustados." Mais tarde, decidiu que os comícios dos finais campanha eleitoral do PSD saíam dali. Foi assim com Cavaco Silva, Durão, Santana... "A Biarritz confunde-se com a minha própria existência", descreve António Prôa.
O cinquentenário celebra-se na terça-feira com um almoço para notáveis. Pode ser que Rui Roque Silva fique finalmente a saber quem era o guloso das bolas de berlim.

2 comentários:

Anónimo disse...

Lisboa ainda nos reserva algumas alegrias de cidade acolhedora. A Biarritz é um bom exemplo do que um bairro urbanisticamente bem pensado pode proporcionar. Passados 50 anos, os vizinhos da Freguesia de S. João de Brito continuam a ter uma vivência comunitária que bairros mais modernos não têm, para não falarmos nos que foram autênticos desastres. Penso que a maioria dos moradores deste bairro se revêem no comércio da chamada zona de Alvalade. Está de parabéns a Família Roque Silva, o Rui, a Leonor e os seus filhos Miguel e Pedro.
José Honorato Ferreira

Anónimo disse...

Parabens à Familia Roque Silva por terem tido a coragem de não nos abandonarem e de manterem vivas as recordações de algumas gerações que fizeram da Biarritz a sua "segunda" casa (quem sabe se para alguns não seria a primeira.
Tenho pena de não ter estado presente nesta "festa de bairro". Viver um "bairro" é isto mesmo, encontrar naturalmente os seus vizinhos num local que faz parte da vida colectiva.
Pedro Pessoa e Costa