10/01/2007

Planos e projectos urbanos para a Baixa Pombalina? Não, obrigado!

Na conferência promovida pela Fundação Calouste Gulbenkian em Lisboa, “A Ciência e a Cidade: O Plano”, um arquitecto que deveria dar exemplo aos mais novos declara que “os planos de pormenor tornaram-se obras de autor de partidos e governos, que por estarem constantemente a mudar querem sempre começar tudo de novo” e ainda defende que o arquitecto não deve cobrar direitos de autor, nas declarações, “isso sempre me repugnou porque o autor do plano é sempre colectivo e acaba por ser, regra geral, uma decisão política”.

Estas declarações são de uma gravidade extrema, e surgem de um arquitecto autor de diversos planos que resultaram em graves fracassos, estas declarações não só reforçam a situação que hoje se vive de um urbanismo controlado apenas por juristas e engenheiros, um emaranhado de regulamentos e leis, que eles próprios não se entendem, mas que justificam as suas prestações. Encontrando-se o arquitecto ausento tal como a prática de desenho urbano, e quando existe reflete-se num formalismo agradável a vista no “ecran” (prancheta), mas ignorante e redutor na prática.

Estas declarações ilibam os autores dos desastres urbanísticos realizados no nosso país, nas nossas cidades: Chelas, Alta de Lisboa, Parque das Nações, e o Projecto da Baixa Chiado, só para mencionar em Lisboa, (e tantos outros). Não há responsáveis, isto é uma geração inteira a desresponsabilizar-se, de nos embarcarem nas fantasias modernistas e suas ideologias, nas suas experiências egocêntricas. Ninguém é responsável? E o vosso dever?

Em Chelas dos custos sociais uma miséria formal, em extensões gigantescas, implantadas de forma aleatória, numa evidente alienação social, na destruição das relações sociais e de cidadania. Na Alta de Lisboa uma nova experiência habitacional, numa prática profundamente rendida ao “capitalismo” e numa visão economicista da construção, comprometendo a expansão do aeroporto e que hoje serve como justificação para o projecto da Ota. No Parque das Nações da inexistência de solidadariedade de vizinhança, na apropriação individualista do espaço comum, um verdadeiro atomismo social, um desenho urbano aleatório, uma arquitectura e arranjos exteriores fantasiosos com custos elevadissimos de manutenção, (Vale a pena relembrar a resposta de Calatrava às criticas da estação do Oriente com custos elevadíssimos para a Refer“...todas as estações são inóspitas...despedir é triste...”!?

E na Baixa Chiado assistismos impávidos e incrédulos à destruíção de uma área superior ao Arsenal da Marinha, e à construção de dois edifícios tipo bolo de noiva que o comum dos lisboetas nunca frequentará, a Agência Europeia de Navegação e o Observatório Europeu para a Toxicódependência, 35.000m2 de construção (o edificio Ocidental do Terreiro do Paço/Arsenal tem de implantação cerca de 20.000m2) para os eurocratas terem vista para o Tejo, e assim se destrói um conjunto urbano único no mundo que merece a candidatura a Património da Humanidade, e ainda à praia de betão em frente a Alfama, para os visitantes dos cruzeiros verem Lisboa do deck do navio, mas esquecem-se que de Santa Apolónia ao Terreiro do Paço acabou o passeio ribeirinho.

As cidades portugueses estão mais feias, e os novos espaços não valem a pena serem cuidados nem usufruidos.

Na realidade, e ao longo do século passado assistimos à destruição das nossas cidades e às várias tentativas de reconstrução de uma “paisagem pseudo-rural”, onde na realidade todas as relações naturais do campo/rural, as relações sociais directas ou indirectas são inexistentes, resumindo-se a tentativas demagógicas envergando uma camisola ecológica que pretendem recriar de uma forma fictícia a “paisagem rural”, provocando o colapso da própria cidade e portanto atentando contra a identidade das suas gentes, ridicularizando inclusivé a própria paisagem rural. Estes novos aglomerados ou cidades pseudo rurais falsamente tecnologicos inscrevem-se claramente em ruptura com o Homem, com a historia e com o seu legado.

Não há responsáveis para estas loucuras, mas todos nós pagamos a factura! Um silêncio comprometedor das ditas “starchitecture” e dos bajuladores profissionais que rodopiam à volta não se pronunciam, ninguém comenta.

Pois bem, deixem-me vos recordar uma passagem de Cyrano de Bergerac, quando diz :

Cyrano : “et que faudrait-il faire ? ...chercher un protecteur puissant, prendre un patron, et comme un lierre obscur qui circonvient un tronc et s’en fait un tuteur en lui léchant l'écorce, grimper par ruse au lieu de s' élever par force ?

Non, merci. Dédier, comme tous ils le font, des vers aux financiers ? Se changer en bouffon dans l'espoir vil de voir, aux lèvres d'un ministre, naître un sourire, enfin, qui ne soit pas sinistre ?
Non, merci. Déjeuner, chaque jour, d'un crapaud ? Avoir un ventre usé par la marche ? Une peau qui plus vite, à l'endroit des genoux, devient sale ? Exécuter des tours de souplesse dorsale ? ...
Non, merci. D'une main flatter la chèvre au cou cependant que, de l'autre, on arrose le chou, et donneur de séné par désir de rhubarbe, avoir son encensoir, toujours, dans quelque barbe ? Non, merci ! Se pousser de giron en giron, devenir un petit grand homme dans un rond, et naviguer, avec des madrigaux pour rames, et dans ses voiles des soupirs de vieilles dames ?
Non, merci ! Chez le bon éditeur de Sercy faire éditer ses vers en payant ?
Non, merci ! S'aller faire nommer pape par les conciles que dans des cabarets tiennent des imbéciles ?
Non, merci ! Travailler à se construire un nom sur un sonnet, au lieu d'en faire d'autres ?
Non, merci ! Ne découvrir du talent qu'aux mazettes ? Être terrorisé par de vagues gazettes, et se dire sans cesse : oh, pourvu que je sois dans les petits papiers du Mercure François ?
Non, merci ! Calculer, avoir peur, être blême, préférer faire une visite qu'un poème, rédiger des placets, se faire présenter ?
Non, merci ! Non, merci ! Non, merci ! Mais...chanter, rêver, rire, passer, être seul, être libre, avoir l' oeil qui regarde bien, la voix qui vibre,mettre, quand il vous plaît, son feutre de travers,pour un oui, pour un non, se battre, -ou faire un vers ! Travailler sans souci de gloire ou de fortune, à tel voyage, auquel on pense, dans la lune !
N'écrire jamais rien qui de soi ne sortit, et modeste d'ailleurs, se dire : mon petit, sois satisfait des fleurs, des fruits, même des feuilles, si c'est dans ton jardin à toi que tu les cueilles ! Puis, s'il advient d'un peu triompher, par hasard, ne pas être obligé d' en rien rendre à César, vis-à-vis de soi-même en garder le mérite, bref, dédaignant d' être le lierre parasite,lors même qu' on n' est pas le chêne ou le tilleul, ne pas monter bien haut, peut-être, mais tout seul !

Le Bret : tout seul, soit ! Mais non pas contre tous ! Comment
diable as-tu donc contracté la manie effroyable
de te faire toujours, partout, des ennemis ?
Cyrano :à force de vous voir vous faire des amis,
et rire à ces amis dont vous avez des foules,
d' une bouche empruntée au derrière des poules !
J'aime raréfier sur mes pas les saluts,
et m' écrie avec joie : un ennemi de plus !


A todos aqueles que infelizmente não têm a oportunidade de conhecer a língua francesa peço desde já as minhas sinceras desculpas.

Gonçalo Cornelio da Silva, arquitecto M.Arch.D.U.

1 comentário:

Anónimo disse...

Parabéns pelo post! Concordo em absoluto! A gente que decide destruir Lisboa é a mesma que elogia a qualidade de vida nas outras capitais europeias. Se preciso fôr, até passeiam a pé nessas cidades, aqui nem se atrevem: "... ai, há muitos buracos, obstáculos, sujidade, pombos, dejectos caninos, ai que horror, deixem-me é andar de pópó e inaugurar parques de estacionamento no centro". Um autentico hino à incivilidade. Tirando as zonas Castelo, Baixa e Chiado, o resto desta cidade é uma bodega sem interesse urbanistico, arquitectónico ou monumental. Resta-nos a vida nocturna para os "short-breaks". Lisboa é uma cidade, à escala europeia, pequena e provinciana, mas acha que ser cosmopolita é importar todos os problemas de uma grande capital: Poluição, ruido, droga, protituição, enfim, tudo que é tão bom que os lisboetas, sempre que podem,fogem daqui.