07/03/2008

"Em Lisboa, o túnel é comprido, não sei se consigo ver luz"

In Público (7/3/2008)
Catarina Prelhaz


«Sem dinheiro para obras, o presidente António Costa não sabe o que fazer aos prédios degradados. Os seus munícipes e inquilinos têm muitas queixas

"Quando me preparei para esta reunião, fiquei em choque." Fez-se silêncio. "Este é um dos maiores escândalos que existe na cidade de Lisboa." O vereador do Urbanismo, Manuel Salgado, olha para os papéis, agora para os 300 cidadãos que pararam de se agitar nas cadeiras das instalações da Voz do Operário. O presidente da autarquia, António Costa, também permanece imóvel. "Em Lisboa, o túnel é comprido, não sei se consigo ver luz", dirá, minutos depois.

Quarta-feira, noite quase feita. É a quarta reunião descentralizada da Câmara de Lisboa, desta vez dedicada aos munícipes das freguesias históricas do Castelo, Graça, Penha de França, Santa Engrácia, Santiago, Santo Estêvão, São Miguel, São Vicente e Sé. Em cima da mesa, um "absurdo total", um exemplo da "ineficácia e inoperância da câmara". Palavras do vereador. Todos os anos saem dos cofres do município um milhão e 200 mil euros para pagar rendas a cidadãos que foram realojados devido ao estado de degradação dos edifícios em que moravam. Proprietário: a autarquia. Planos e obras de reabilitação: inexistentes. António Costa explica: "A câmara desalojou e lançou empreitadas sem ter projectos. Quando os empreiteiros começaram a trabalhar, viram que os valores acordados era inferiores aos custos efectivos e exerceram o direito de rescisão, obrigando a câmara a pagar dez por cento. Ora, em muitos casos, ela nem sequer teve dinheiro para isso e as dívidas continuam".
O microfone está quase sempre demasiado alto para as três dezenas de cidadãos que intervêm, à vez, ecoando lamentos e apelos, os "prédios entaipados", "inacabados", as "ruínas". "O chão da minha casa-de-banho, que é o tecto da vizinha de baixo, caiu. O da cozinha vai pelo mesmo caminho. Apelei à unidade de projecto e nada." Maria Manuela Fião, inquilina da câmara, exalta-se, sorri ao senhorio, ironiza, pede "luz ao fundo do túnel", aquela que António Costa admitirá que não vê.
Mas os problemas das zonas históricas prendem-se
também com as restrições de estacionamento e tráfego automóveis. "Vir morar para Alfama tornou-se um luxo, mas permanecer é uma tarefa quase impossível", lamenta o cidadão Eduardo Street, gesticulando para o palco ocupado pelo executivo. As questões do estacionamento e do trânsito são, de resto, invocadas por quase todos os intervenientes na reunião descentralizada, que temem ver as freguesias totalmente despovoadas. Às queixas, o vereador Marcos Perestrello responde que a Empresa Municipal de Estacionamento (EMEL) e a Carris estão a reavaliar os serviços prestados e que está a ser equacionada a reposição de parques e de carreiras de autocarros entretanto suprimidas, mas sublinha que o combate ao estacionamento ilegal tem de continuar a ser uma prioridade camarária.
"Quero ficar em Alfama, senhor presidente, e espero morrer em Alfama. Obrigado e bom trabalho", remata Eduardo Street.»

Câmara planeia novo empréstimo de 20 milhões
07.03.2008

A Câmara Municipal de Lisboa pondera contrair um novo empréstimo bancário, revelou, anteontem à noite, o vereador do Urbanismo, Manuel Salgado, desta feita para aplicar ao nível da reabilitação urbana. Em causa está um montante na ordem dos 20 milhões de euros e o processo deverá concretizar-se ainda durante o corrente ano, adiantou ao PÚBLICO o presidente da autarquia, António Costa, à margem da quarta reunião descentralizada do executivo camarário.
Segundo o vereador Manuel Salgado, trata-se de um empréstimo que dispensa o aval do Tribunal de Contas, instituição que já este ano chumbou um outro, de 360 milhões de euros, solicitado pela autarquia para pagar dívidas aos fornecedores da câmara.
Ainda assim, de acordo com o presidente António Costa, o novo empréstimo não resolverá na totalidade a situação dos edifícios camarários degradados. "Estamos a negociar um grande empréstimo, por isso este será necessariamente mais pequeno, de modo a que o possamos pagar, caso contrário estaremos apenas a fazer mais dívida", justificou o autarca, rejeitando estabelecer qualquer calendário relativamente às intervenções.
A autarquia está a fazer um esforço "muito grande" para transferir mais competências para as unidades de projecto e, em conjunto com a Empresa Pública de Urbanização de Lisboa (EPUL), vai procurar identificar "edifício a edifício" os obstáculos à concretização das obras, garantiu Manuel Salgado. Catarina Prelhaz

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