"A degradação ameaça o património industrial da zona oriental de Lisboa, cujo futuro incerto só será acautelado através de um levantamento exaustivo que salvaguarde as construções valiosas e deixe para a posteridade um registo sobre as restantes.
Esta é a sugestão de José Lopes Cordeiro, especialista em património industrial, que lembra que em Lisboa, apenas a zona oriental tem resistido às investidas imobiliárias que reduziram a zero os vestígios da industrialização noutras partes da cidade, como Alcântara.
'Não podemos ter a pretensão de preservar tudo. O que é necessário é haver critérios e medidas específicas para salvaguardar este património quando se justificar. É preciso fazer um levantamento e uma avaliação de tudo o que tem valor histórico ou patrimonial', disse o responsável da Associação Portuguesa de Património Industrial (APPI) à Agência Lusa.
Se, nalguns casos, a recuperação será a opção mais acertada, passando eventualmente pela adequação das estruturas a novos usos, noutros, a demolição é inevitável.
Importa, no entanto, 'fazer a sua conservação através do registo, com dados sobre a sua função, importância histórica, fotografias, entrevistas com os protagonistas e outras pessoas que viveram naquele ambiente'.
José Lopes Cordeiro reconhece, contudo, que 'não há muita sensibilidade nem tradição nesta matéria' e deixa um alerta: 'O que está em causa não é só o desaparecimento físico deste património industrial, é o desaparecimento dessa memória sem sequer se fazer uma intervenção pelo registo. É preciso definir uma estratégia e uma política patrimonial que contemple estas situações para que fiquem para a posteridade'.
Na zona oriental, convivem edifícios industriais de vários estilos e épocas, alguns mais conhecidos e valorizados, outros negligenciados e praticamente esquecidos.
Construções emblemáticas como os gasómetros da Matinha ou a Abel Pereira da Fonseca, cuja decoração com cachos de uvas relembra o seu papel como armazém de vinhos, há muito perderam a sua função original, mantendo-se apenas como elementos da paisagem citadina.
Outras, como a estação elevatória a vapor dos Barbadinhos transfiguraram-se num museu de sucesso, já premiado internacionalmente.
Outras ainda, como a fábrica da Nacional ou a estação de Santa Apolónia continuam a cumprir, orgulhosamente, os fins com que foram criadas.
Entre as que mantém a sua utilização e as que foram recuperadas e aproveitadas para novos fins, sobram as construções que se degradam lentamente, abandonadas à incúria e ao desleixo.
É o caso, por exemplo, dos grandes conjuntos de edifícios industriais e das habitações operárias que correspondem à primeira fase de industrialização do país, mas que dificilmente retratam hoje a vitalidade desses tempos.
O investigador lembra que as cidades mais marcadas pela industrialização tem vindo a perder o património desta época a um ritmo acelerado.
No Porto, por exemplo, desapareceu quase tudo, afirmou.
E, no entanto, José Lopes Cordeiro acredita que este tipo de estruturas poderiam ser facilmente reutilizadas.
'São edifícios muito versáteis que oferecem inúmeras possibilidades de utilização. Os lofts, por exemplo, estão muito na moda e podiam ser mais incentivados'.
Oferecem também uma oportunidade de criar novos espaços culturais como aconteceu com a estação dos Barbadinhos, actualmente um núcleo do Museu da Água.
'A estação dos Barbadinhos - um edifício magnífico - esteve para ser demolida. Hoje em dia, toda a gente reconhece o seu interesse patrimonial', salientou.
Entre as construções que se destacam, o responsável da APPI aponta ainda os gasómetros da Matinha, quatro estruturas circulares, únicas no país, e 'que valia a pena conservar pois revelam a importância que o gás teve na cidade de Lisboa'.
Noutros países europeus, sublinhou o especialista, os gasómetros foram recuperados e ganharam novas funções, transformando-se em pólos de atracção turística de arquitectura arrojada.
O historiador lamenta que se tenha perdido a oportunidade criada pela Expo'98, altura em que chegaram a ser editados roteiros que contavam a história da cidade através da indústria e em que os focos da atenção estiveram direccionados para este património.
'Perdeu-se a oportunidade de fazer uma intervenção aprofundada. Os armazéns Abel Pereira da Fonseca tiveram uma utilização efémera que poderia ser retomada. Não faz sentido estarem sem utilização', considerou.
O especialista acredita que uma nova cultura patrimonial pode inclusivamente ter um impacto positivo a nível de custos.
'Provavelmente não precisamos de prosseguir este ritmo de construção. Demolir, destruir e construir de novo fica mais caro. É mais vantajoso recuperar e reutilizar espaços já existentes. Mantêm-se edifícios com história, mantém-se o espírito do local e respeita-se o enquadramento urbanístico'.
As cidades, avisou, correm o risco de descaracterização: 'Se se destruir tudo, ficam sem vestígios materiais que ilustrem como decorreu o processo de industrialização em Portugal. Ficam amputadas de memórias marcantes do século XIX e XX'.
Para José Lopes Cordeiro, a zona oriental ainda vai a tempo de contar esta história".
Lusa, 01/05
01/05/2008
Zona Oriental: Património industrial ameaçado pela degradação e futuro incerto
Etiquetas:
Zona Oriental; Património Industrial
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4 comentários:
Lopes Cordeiro não pode ter mais razão,a História é essencial para entender o presente e o futuro.
Mas esquece,com nostalgia,que o actual capitalismo selvagem(á Sócrates ou neo-liberal ou global,como se quiser)vive da especulação,não produzindo nada.
Diz,"demolir e construir de novo fica mais caro",mas é isso mesmo que estes selvagens pretendem,só assim lucram.Baseiam-se exactamente nisso,no betão-alcatrão e nunca na conservação-recuperação,que para eles significa "despesa".A História para eles é uma "despesa" inútil.
Bem haja pela sua entrevista!
O comentário anterior é de :
1-5-08 Lobo Villa
O mesmo se passa na zona ocidental (alcântara)
Ser fundamentalista da preservação não é a solução, mas potenciar a construção nova em zonas já construídas também não.
Numa Lisboa Já saturada, há que aproveitar estas antigas zonas industriais para habitação, comércio e serviços de baixa densidade, com grandes capacidades para apoios de estacionamento e espaços verdes.
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