23/09/2009

O JARDIM DE SANTOS NÃO ESTÁ À VENDA


A Associação Lisboa Verde vê com grande preocupação o que a ExperimentaDesign 2009 projecta para o Jardim de Santos e a forma superficial como a Câmara Municipal de Lisboa aceita tal projecto como se de uma mais valia para a cidade de Lisboa se tratasse.

De facto, está em causa a descaracterização de um Jardim romântico, consolidado, de finais do século XIX (1873).

Queremos chamar a atenção para o facto de existirem no jardim, oito exempares de Tipuana (Tipuana tipu (Benth.) Kuntz classificados pelo processo nº. KNJ3/030, publicado no D.R. n.º 15, II série de 19/01/2000), estando interdito por lei o exercício de actividades que as possam prejudicar, gozando ainda de um perímetro de protecção de 50 m. Não conhecemos o parecer da Autoridade Florestal Nacional sobre esta matéria.

Queremos chamar também a atenção para o facto de não termos conhecimento do projecto das obras que se pretendem efectuar, mas pela leitura dos textos e desenhos constantes dos placards afixados no local, concluímos que:

9 árvores serão sujeitas a intervenção;

Para além disso prevê-se um Novo alinhamento dos Jacarandás (13 exemplares).

Ora, o abate ou qualquer outro tipo de malfeitoria sobre pelo menos 22 árvores adultas, em bom estado fitossanitário, numa zona classificada, sem nenhuma necessidade de força maior, prefigura a forma de crime contra a Natureza, cuja responsabilidade, caso venha a ser concretizado, será atribuída, por inteiro, ao Sr. Presidente da Câmara Municipal de Lisboa.

Desconhecemos, igualmente, o parecer dos técnicos do Serviço de Ambiente e Espaços Verdes da Câmara Municipal de Lisboa sobre esta matéria.

Consideramos que o Jardim de Santos necessita de trabalhos de beneficiação urgentes a nível do arranjo dos passeios e canteiros, limpeza da estatuária e trabalhos de cantaria, mas não deve perder a sua identidade como monumento histórico que deve ser preservado e transmitido às gerações vindouras.

Também nada temos contra o modernismo e o design, mas achamos que, se se pretende construir um jardim do século XXI, outros locais serão encontrados para tal efeito, sem ser necessário anular o que a Natureza e o cuidado dos Homens tanto tempo levou a construir.

Face ao perigo iminente que ameaça o Jardim de Santos, gostaríamos de propor a constituição de um “Grupo de Amigos” que não deixe que um projecto insensato ponha em causa um valor determinante para a Nossa Cidade.


Saudações

João Pinto Soares

pinto.soares@netcabo.pt

14 comentários:

Anónimo disse...

Acho que o perigo é iminente, e não eminente.

Paulo Ferrero disse...

E tem toda a razão, obrig. Gralha corrigida.

Anónimo disse...

Aquelas pinturas no pedestal da estátua estão lá há anos.

E por detrás da estátua há um chafariz, coitado, num estado lastimoso...

Mas o que eles querem é pôr lá tecnologia, e luzes, e barulhos, e uma casa empoleirada numa árvore.

Que Deus lhes perdoe. Eu não.

Bic Laranja disse...

Subscrevo este texto. Cumpts.

Anónimo disse...

Coincidência ou não, desde que indesejáveis foram «corridos» do Jardim Constantino, que finalmente entrou em obras, o espaço à volta do chafariz acima referido está há alguns dias ocupado por criaturas semelhantes. As autoridades primam pela inacção, como é de lei.

Anónimo disse...

Aliás, se se investisse o orçamento disponibilizado à Experimenta na reabilitação do jardim, é certo que haveria menos verba para beberetes mas a população de Santos não ía ficar a perder.

Anónimo disse...

Todo o apoio ao texto. Contem comigo para essa associação. E é preciso agir depressa. Que a Experimenta Design vá para a zona da Expo, ou da Alta de Lisboa, demonstrar a sua arte e inovação.

The Caped Crusader disse...

Acho engraçado que durante anos e anos ninguém tenha dado um tostão furado pelo jardim, nem se tenha preocupado com a forma como foi deixado ao abandono, e agora, só porque os moderninhos da EXD se lembraram de pegar nele, aparecem de repente umas quantas pessoas (praí uma dezena ou menos) preocupadas com as intervenções.

Santa hipocrisia.

Miguel Drummond de Castro disse...

Hypocrite lecteur, mon semblable, mon frère, The Caped Crusader

Os moderninhos da EXD, que não são assim tão moderninhos
basicamente vão pegar no jardim para fazer

a)"son et lumière", coisa que já se faz desde a invenção da electricidade e das máquinas de reporduzir som.
b) pretendem fazer uma Casa na àrvore, prática do paleolítico.
c) em baixo da Casa uma tabernícula que serve snacks.
d) inscrições (engraving) nas árvores, malfadada prática de bárbaros.

Suas Designências pretendem ainda "editar" e) arbustos e f) colocar bancos feios,(em betão) nada ergonómicos e incomodíssimos. (Que já estão vandalizados de resto)


A EXD, com três caganitas e meia acha que vai deixar um "legado para a cidade." È preciso ter desplante. Então o legado não estava lá? E não são as árvores, a escultura de Ramalho Ortigão que se bateu pelos valores do património, o autêntico legado?

No fundo, a EXD vai parasitar um jardim histórico, que faz parte do conjunto de jardins de escritores e de poetas, dar cabo do seu carácter, abrir a porta para mais "engravings" de árvores noutros pontos.

Ora a cidade já está hiper-saturada de inscrições por tudo quanto é sítio.

Joao disse...

Estou até bastante entusiasmado com as propostas que se estão a fazer para a reabilitação do Jardim de Santos.

A proposta é muito interessante, já que incorpora uma ideia de densidade e interactividade da experiência sensorial, onde o público deixa de ser um mero observador para passar a ser um participante interactivo do jardim.

Em momento algum, das propostas que li, consegui depreender que não se tinha tido em consideração o existente.

Tenho a certeza que haverá muito capital floral para preservar e espero que se façam todos os esforços, também, para o fazer. Mas se querem criar bancos de natureza pela cidade, porque não o fazem noutro sítio, de outra forma, que não num jardim que sempre teve a vocação para ser urbano?

É que não consigo, de todo, compreender esta coisa da 'preservação' como a nova palavra de ordem para um certo sentido de 'bom'. O 'bom' não pode ser essa coisa de pôr as coisas a marinar em formol. O 'bom', ou está associado à ideia de 'vida', ou não é nada mais que um moralismo do Restelo.
A vida é, só assim pode ser entendido, um processo evolutivo: nasce, amadurece, envelhece e morre. E talvez seja altura de deixar o romantismo morrer e começar a viver o século XXI.
E não há mal nenhum em deixar as coisas morrer: com dignidade com que todos os velhos deviam saber deixar a geração seguinte acontecer.

Não há nada mais triste do que não sermos indivíduos do nosso tempo.

Anónimo disse...

Eh pá, se aquilo vai "incorporar uma ideia de densidade e interactividade da experiência sensorial", deve ser uma coisa porreira.

Porreira para os vândalos darem o devido destino, claro.

Susana Neves disse...

Analisemos o seu pensamento passo a passo:



"A proposta é muito interessante, já que incorpora uma ideia de densidade e interactividade da experiência sensorial, onde o público deixa de ser um mero observador para passar a ser um participante interactivo do jardim."

3 .Pressupostos falsos:
a) de que visitar um jardim seja um acto passivo;
b) o jardim em si não constitua um espaço de oferta multi-sensorial.
c) que a proposta da EXPERIMENTADESIGN seja interessante para todos.

"Em momento algum, das propostas que li, consegui depreender que não se tinha tido em consideração o existente."
1. E no entanto, tudo vai ser alterado mesmo que contra a lei.
2. De facto, os textos e planos apresentados não primam pela clareza, nem mostram grande coisa; a opção de usar legendas legíveis com lupa também nã ajuda, mas lá está muito pequenino que a estátua do Ramalho Ortigão será reposicionada; e muitas árvores serão intervencionadas.
Os textos estão muito mal escritos e os desenhos não entusiasmam.
Esperemos que não se desenhem corpos de mulheres nas árvores como é apresentado a título de exemplo.

"Tenho a certeza que haverá muito capital floral para preservar e espero que se façam todos os esforços, também, para o fazer."

Mas o que lhe dá tanta certeza?

"Mas se querem criar bancos de natureza pela cidade, porque não o fazem noutro sítio, de outra forma, que não num jardim que sempre teve a vocação para ser urbano?"

Exacto, que o jardim mantenha a sua vocação já definida há muito tempo. E na cidade, cada vez mais poluída, esse tipo de jardim despojado possa persistir.

"É que não consigo, de todo, compreender esta coisa da 'preservação' como a nova palavra de ordem para um certo sentido de 'bom'."

Isso já é uma limitação sua, mas também não se pretende preservar tudo nem a preservação exclui o design. O que parece defender é que o design exclui a preservação, e isso é um fundamentalismo.

"O 'bom' não pode ser essa coisa de pôr as coisas a marinar em formol."

Formol????
Bom também não é pôr os jardins a marinar em luzes, esplanadas, marcações, etc


"O 'bom', ou está associado à ideia de 'vida', ou não é nada mais que um moralismo do Restelo."

Lá vem o Restelo, como senão tivessem lido nunca Os Lusíadas e se ficassem pelo cliché.
O seu comentário é bastante moralista, e o mais grave é que a sua moral se propõe ser a correcta, a boa, o bom.

"E talvez seja altura de deixar o romantismo morrer e começar a viver o século XXI."

Cada novo século inclui todos os outros, essa é grande vantagem de se estar mais à frente.
Fascinante é estar numa cidade do século XXI, virar uma esquina e encontrar uma Igreja medieval, um jardim Romântico, isso é que é o cosmopolitismo.

"E não há mal nenhum em deixar as coisas morrer: com dignidade com que todos os velhos deviam saber deixar a geração seguinte acontecer."

E não há mal nenhum em deixar as coisas viverem: com a dignidade, com que todos os jovens deviam saber deixar a geração anterior acontecer».

Partir do princípio que quem defende a preservação deste jardim romântico é um velho é de facto cómico e dramático.

Uma das características da velhice (decadente) é a rigidez, a aceitação de um só ponto de vista e a exclusão de todos os outros. E neste aspecto, aproxima-se muito dos jovens imaturos que à força querem se afirmar perante todos.

O design pode conviver com o jardim romântico, saber adaptar-se ao contexto é aliás uma das suas vocações.
Quando há imaginação e trabalho as ideias acontecem.
Existe também o eco-design, empenhado em adaptar-se de forma original ao espaço verde.

Há pessoas que gostam de ver as árvores e ouvir os pássaros e dispensam estar num jardim que as obriga a olhar para o design e para quem o executou.
Os protagonistas num jardim não são nem os velhos nem os novos criadores mas o próprio jardim.
Tão simples.

Ai-a-Tola disse...

O leitor Joao tem todo o direito à sua opinião e não vou rebater, ponto por ponto os seus argumentos, porque tal já foi feito. Apenas lhe quero perguntar se costuma sair do seu espaço e percorrer outras ruas, noutras cidades, noutros distritos. Não reparou que qualquer renovação urbana que setenha feito nos últimos muitos anos, salvo raras excepções, deixou-se os arquitectos à solta com o seu ego e vaidade e o resultado foi a descaracterização de zonas históricas, a parasitação dessas ruas com materiais estranhos à cultura dessa zona, a plantação de mobiliário urbano incongruente, falsamente útil e confortável, iluminação incompatível com o estilo dominante que em meses estão degradadas e apagadas. Já reparou que o resultado disto tudo é um desconfortável e pouco atractivo "pot-pourri" que não convida, escorrega, entope, atrapalha, espelha, gela, assa. Já não tiveram os senhores arquitectos e designers todas as oportunidades para mostrarem o que valem? Querem mais cartas brancas? Querem que vos seja dada mais confiança cega? Não existem outras telas para os vossos testamentos de ego?

Joao disse...

Caro Ai-a-Tola,

Sim, concordo com o que diz no que diz respeito a que haja intervenções de bradar aos céus. Mas também vejo intervenções que vêm francamente melhorar o que lá está. E se os primeiros são feitos por arquitectos e designers, os segundos também o são, pelo que penso que não seja um problema de classe profissional. Aliás, muito me assustaria se se chegasse a um estado de coisas em que a arquitectura deixe de ser feita por arquitectos ou o design por designers, tal como ser-me-ia estranho conceber que a economia deixe de ser feita pelos economistas, a gestão pelos gestores, a sociologia pelos sociólogos, etc.
Aliás, penso frequentemente que muitas das vezes o que falha é mesmo as coisas não serem feitas pelos técnicos certos.
Se é que as diferentes classes profissionais têm alguma culpa, colectivamente, será na sua incapacidade de conseguirem transmitir o vocabulário do seu metier e de desmistificar o seu discurso. Esse isolamento profissional cria problemas de diálogo e incompreensão entre estes e um público. É este, quanto a mim, o principal problema que se verifica entre as propostas dos técnicos e a opinião pública.

De resto, sou um optimista. Acredito que a maioria dos técnicos fez o melhor que podia nas condições e contexto em que trabalharam. E mesmo que "de boas intenções esteja o inferno cheio", acho que vale a pena tentar, porque também há os outros projectos que melhoram o que lá está.