03/06/2011

Flexibilização de despejos abre portas à reabilitação dos centros históricos

In Jornal Negócios (3/6/2011)
Por Filomena Lança


«O memorando da troika, assinado pelo Governo e apoiado pelo PSD e CDS, prevê "a possibilidade de pôr termo ao contrato de arrendamento devido a obras de renovação significativas".

Basta que um inquilino se recuse a sair, mesmo com garantia de realojamento, para que uma obra de fundo numa casa fique inviabilizada. Pode até estar concluído todo o projecto de reabilitação e a generalidade dos moradores ter dado o seu consentimento, mas se um não aceitar, tudo fica inviabilizado. Restará então avançar com uma acção de despejo, invocando a necessidade de realização de obras de fundo, que poderá arrastar-se nos tribunais, de tal forma que mais vale procurar outro local para investir.

Este tipo de casos, explica a advogada Ana Ferreira da Costa, "são bastante comuns", sobretudo nos grandes centros urbanos, como Lisboa e Porto, onde "os incentivos para os senhorios realizarem obras são reduzidos e os bairros históricos assistem a uma degradação crescente".

A flexibilização dos despejos poderá ser uma das soluções para o problema, admite Pedro Sáragga Leal, advogado especialista em imobiliário. O memorando assinado com a troika e apoiado pelos três maiores partidos prevê que passe a ser concedida aos senhorios "a possibilidade de pôr termo ao contrato de arrendamento devido a obras de renovação significativas (afectando a estrutura e a estabilidade do edifício), com um pré-aviso máximo de seis meses".

"Isto são apenas linhas programáticas, mas depreende-se daqui que será dado ao senhorio o direito de fazer cessar o contrato de arrendamento através de uma comunicação ao inquilino, não estando claro se será ou não necessária uma intervenção judicial", explica Sáragga Leal. Em causa estarão "situações de profundo restauro", em que se "mantêm os pilares e se remodela profundamente tudo o resto", algo que não pode ser feito com pessoas na casa Isso significa negociar com todos uma saída, o que implicará, pelo menos, uma indemnização, já que acabar com isso "seria uma evolução demasiado brusca da Lei" sustenta o especialista Por outro lado, pode dar-se o caso de o inquilino preferir o realojamento e o memorando prevê também uma simplificação das regras a este nível. Só refere, porém, o "realojamento temporário", ficando sem se saber se isso implicará acabar com as regras que obrigam ao realojamento permanente e que agora estão em vigor.

O acordo com a troika prevê ainda várias outras medidas com vista a incentivar a reabilitação das cidades, a começar por uma simplificação de procedimentos para a realização de obras, licenças de utilização ou requisitos de segurança, entre outras formalidades. "Serão normas claramente úteis, que, a avançar, facilitarão em muito a reabilitação urbana, conclui Sáragga Leal.

Partilhas de heranças fora dos tribunais

Meios extrajudiciais reforçados para resolver problemas de prédios com muitos herdeiros Dos cerca de 4.800 prédios devolutos contabilizados pela Câmara de Lisboa em 2007 - o novo levantamento deverá ficar concluído ainda este ano - um número significativo corresponde a casos de heranças em que nunca foram feitas partilhas porque os herdeiros não se entendem entre si ou, simplesmente, não querem saber.

Para resolver o problema - que se estende a todo o País -, uma das medidas constantes no acordo assinado com a troika prevê o reforço dos meios extrajudiciais para acções de partilha de imóveis herdados, à semelhança do que já agora acontece no Portal das Heranças, mas apenas quando os herdeiros estão de acordo.

Por vezes, explica a advogada Ana Ferreira da Costa, "são muitos herdeiros, que de repente passaram a ser senhorios, mas que desconhecem por completo o imóvel e aos quais só interessa o valor da renda". A essas pessoas, pouco faz se o prédio precisa ou não de obras. "Há até quem, por estranho que pareça, não tenha o menor interesse na herança".

Estes casos são os mais dramáticos, pois os prédios lá vão ficando, "a cair aos poucos". Porque, afinal, "não havendo acordo nas partilhas, há litígios em tribunal que se vão arrastando. E, se não há acordo para as partilhas, muito menos o há para a realização de obras", remata a advogada Além da dinamização do Balcão das Heranças, que funciona nas conservatórias do registo civil as novas medidas poderão passar pela atribuição de novas competências, por exemplo, aos notários.

Há 4.700 processos de despejo pendentes na Justiça

O número de processos de despejo pendentes nos tribunais tem-se mantido constante nos últimos anos, confirmando a incapacidade da Justiça para diminuir a diferença entre os processos novos e os findos. Este ano, não deverá haver grande desvio à regra. Até Abril, segundo as contas da Câmara dos Solicitadores, contavam-se já 1.355 pendências, com Lisboa a destacar-se, como de resto é a norma Agilizar os processos de despejo é outra das medidas do acordo assinado com a troika, prevendo-se que estes processos, que demoram, em regra, 18 meses - masque, nalguns casos, podem durar anos - passem a ser resolvidos em três meses. A solução, diz a troika e dizem PS e PSD nos seus programas de governo, passará pelo recurso a meios extrajudiciais, tirando os despejos dos tribunais e reduzindo ao máximo a necessidade de intervenção de um magistrado.

As demais alterações legais previstas na área do arrendamento também deverão inverter algumas tendências actuais, sobretudo no caso das rendas antigas. E que, se nos contratos novos o despejo já é lento, nos antigos a dificuldade é maior, somando-se à lentidão da justiça apertados requisitos legais.

Uma das possibilidades de despejar alguém que paga religiosamente a renda é o proprietário alegar falta da casa para habitação própria Foi o que fez João Reis, dono de um apartamento numa zona central de Lisboa arrendado desde 1978 e com uma renda de 23 euros.

Depois de uma longa disputa judicial e der ficado provado que o inquilino tinha rendimentos da sua reforma e que o proprietário era obrigado a viver numa casa emprestada, o tribunal acabou pornegar o despejo, porque não basta alegar a falta de casa, é preciso provar uma "situação de necessidade de habitação efectiva, real, iminente e digna de protecção".

Os agentes de execução, que realizam os despejos, defendem uma alteração à lei que simplifique o processo e lhe dê alguma urgência. Por exemplo, hoje em dia é frequente ter de se esperar mais de um ano para que um juiz autorize a intervenção de força publica para entrar no imóvel. »

8 comentários:

Jose S. Clara disse...

O problema dos prédios degradados é como o problema da competitividade: só se consegue resolver com mudanças de legislação que são demasiado "liberais" (no seu pior sentido) e portanto impopulares.

Anónimo disse...

Sou morador na Baixa, em Lisboa.
O prédio ao lado do meu está vazio, sem um único inquilino há mais de 15 anos.
Como este há muitos prédios aqui na baixa, abandonados e devolutos.
Que lei será necessária para os proprietários fazerem as obras de recuperação ??

A.lourenço disse...

Estou de acordo que se devem fazer alterações nas leis do Arrendamento mas o problema é que, como sempre, se vai cortar a eito sem ter em conta realidades como a dos idosos com reformas de 150 e 200 euros que mal têm dinheiro para comer.Outra situação bem real, até com prédios da CML é a que refere o morador da baixa.

Portugal apenas tem uma solução: pedir aos deficientes, velhos com baixas reformas, os das milionárias não , incapazes, fracos, mal vestidos,com mais de quarenta anos, calões, mais ou menos calões, trabalhadores mas que queiram ter familia,desmpregados, sobretudo com mais de 40 anos, uns inúteis, mães , gravidas e outros ainda mais fracos, que se juntem e se afoguem no tejo.A bem da nação. Ficam os neo-liberais e seus apêndices , que não gastam dinheiro , apenas produzem e são o maior bem da nação.Os outros não fazem cá falta nenhuma.(o facto do SR. Barroso e a sua pandilha ter, como vem hoje no público gasto milhões em hoteis de luxo, jactos,férias em resorts à nossa custa nada tem a ver com isto).

Xico205 disse...

Mais um comentario de contradição do A Lorenço!

Jose S. Clara disse...

Reformas de 150 Euros não podem pagar rendas, nem de 5 Euros; mas também não podem viver em prédios de zonas nobres da cidade, na qualidade de inquilinos.
Principalmente se os senhorios forem particulares a quem se exige que cumpram a lei que obriga a manutenção periódica do prédio.
Nesses casos os senhorios apenas aspiram à morte dos inquilinos; triste país em que num negócio tão estruturante como o do arrendamento se deseja a morte dos clientes...

A.lourenço disse...

caro S.Clara,
há pouco quando escrevi o comentário estava irritado por ter lido sobre o despessísmo da comissão Europeia que à nossa custa e com o nosso dinheiro esbanja em luxos e depois vem para aqui com falsos moralismos dizer o que temos de fazer não se importando com os que cá fazem o mesmo mas com quem produz , trabalha e investe..

Em relação às rendas a pergunta do "morador da baixa" é muito pertinente provando que nem tudo passa pela questão dos inquilinos.

Como já disse sou favorável a alterações nas leis das rendas para que as coisas sejam mais justas. Tenho conhecimento de pessoas que têm casas a quem os inquilinos não pagam e até gozam com eles sabendo que demora muito tempo até que as coisas se resolvam.Obviamente que isto é inadmíssivel. Outra questão, bem diferente, é a dos idosos.Dou um exemplo:Tinha uma tia que vivia em Campo de Ourique,tinha quase 90 anos , solteira. Quando alugou a casa há 50 anos atrás ,ou mais, pagava de renda , na altura, 9 contos, uma fortuna para a época, durante muito tempo pagou uma renda alta.Nos seus últimos de tempo de vida pagava cerca de 100 Euros o que já seria uma renda baixa não fosse ela ter uma reforma de cerca de 250,00 Euros, mas durante anos,muitos, pagou uma renda alta e nunca o senhorio se dignou a fazer obras.Só as fez há pouco tempo, de forma interminável , para que a minha tia abandoasse a casa que agora já não lhe dava o lucro que desejava.

o problema dos idosos é real, quando diz que não podem viver ali, onde viveram a vida inteira, sugere que vivam onde? Debaixo da ponte?,vão viver com os filhos, que muitos se calhar nem têm, que solução apresenta? Matam-se?E esta solução das pessoas mais fracas e desamparadas se matarem é irónica mas olhe que se calhar muita gente ficaria contente com isto.A CML é dona de grande parte dos prédios degradados, muitos sem ninguém, também defende que ela use os mesmos métodos? Sabe começo a estar saturado com esta falta de humanismo e individualismo galopante onde se passa por cima de tudo a bem do grande Deus económico. Também sou proprietário e não me vejo a por pessoas na rua porque são velhas e têm baixas reformas ,nem quero que elas morram, nem lhes quero negar o direito de morarem onde sempre moraram pagando a sua renda.O que não devia era haver reformas de 150,00Euros, mas isso seria outra discussão.
Cumprimentos.

Jose S. Clara disse...

O meu comentário sobre este assunto só pretende relembrar que não se consegue tudo. Se a prioridade é manter os inquilinos residentes com poucos recursos nos centros históricos, dificilmente serão os proprietários com rendas de dezenas de euros que irão cumprir as suas obrigações.
E a dura realidade é que a alternativa dos dinheiros públicos não chega (e cada vez menos parece chegar).
Conclusão, a degradação dos centros históricos - por esse factor, que ele há outros - é inevitável; é preciso que as gerações que usufruiram do congelamento de rendas do Estado Novo morram.
O problema vai-se resolvendo naturalmente, são mais dez anos...

Xico205 disse...

Já à 10 anos diziam que eram só 10.