08/03/2012

Retrato de um País ... e de "dependências" Autárquicas


O modelo de desenvolvimento assente no betão entrou num beco sem saída 


Autarquias
 Câmaras do Algarve perderam 300 milhões de impostos em quatro anos
Por Idálio Revez in Público

O mar de betão algarvio está cada vez mais vazio. As câmaras ricas, que dependiam das transacções imobiliárias, descobrem agora que a sustentabilidade das suas finanças já não passa pelo tijolo


As câmaras algarvias já assumem que ficaram reféns da política do tijolo. A principal região turística do país está-se a "afundar" no meio de um mar de apartamentos e hotéis quase vazios. Nos últimos quatro anos, os municípios acumularam perdas de receitas, nomeadamente do imposto municipal sobre transacções (IMT), no montante de 300 milhões de euros - Loulé e Albufeira foram as autarquias mais penalizadas.
O parque habitacional e turístico da região cresceu a pensar em turistas e clientes de segunda residência, ao ritmo de uma procura que parecia nunca mais ter fim. Em momento de balanço, o presidente da Câmara de Albufeira, Desidério Silva, resume o estado das coisas: "Com o actual modelo de financiamento das autarquias, Albufeira não tem condições de sustentabilidade." O autarca, membro da comissão política nacional do PSD, exige "uma tomada de posição" da administração central para inverter o plano inclinado municipal sobre o qual deslizam as finanças locais das autarquias viradas para o turismo.
O concelho que se assume como a "capital" do turismo criou infra-estruturas para receber oito milhões de dormidas por ano e agora não tem dinheiro para as manter. Só a despesa feita com a limpeza equivale à totalidade da verba (quatro milhões de euros) transferida da administração central. Foi nesta cidade que a mancha urbanística atingiu maior expressão nos últimos dez anos - uma percentagem três vezes superior à média nacional (40,6% contra 12,1%, segundo os Censos de 2011).
Do lado dos contribuintes chegam outras queixas - aumentou o imposto municipal sobre imóveis (IMI), a libra desvalorizou-se e a onda de assaltos a vivendas de estrangeiros, em zonas isoladas, não pára de crescer. "Não se pode esconder o sol com a peneira", observa Elidérico Viegas, presidente da Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve (AHETA), garantindo que tem vindo a alertar, há muito tempo, as entidades para os problemas da região.
As câmaras mais ricas foram as mais atingidas com o declínio do sector imobiliário. O município de Loulé, em cujo território se situam grandes empreendimentos turísticos, de Vilamoura à Quinta do Lago, sofreu um corte de 85 milhões de euros. Albufeira perdeu 55 milhões.
No lado oposto, o autarca de Alcoutim, no Nordeste algarvio, passou ao lado das flutuações dos mercados. "Sempre apertámos o cinto - somos pobres, por isso não entrámos em loucuras de pedidos de empréstimos", diz Francisco Amaral (PSD), acrescentando que está a pagar a fornecedores "num prazo que não ultrapassa, em média, oito dias". O concelho sofre as agruras da interioridade e só sobrevive graças ao dinheiro que recebe do Fundo de Equilíbrio Financeiro (transferência da administração central). O orçamento anual ronda os 15 milhões de euros. As receitas do IMI e IMT, sublinha o autarca, não têm expressão nas contas municipais, porque o desenvolvimento do turismo continua a ser uma miragem nesta terra à beira do Guadiana.
O presidente da Câmara de Loulé, o social-democrata Seruca Emídio, admite "algumas dificuldades de tesouraria", mas desdramatiza: "A situação está controlada." Os dois autarcas do PSD estão de acordo sobre a fórmula de financiamento das autarquias. "A sustentabilidade dos municípios não pode continuar tão dependente da construção e do imobiliário", resume Seruca Emídio, defendendo que é necessário "uma outra visão" para o futuro.
O Algarve é a única região do país onde a segunda habitação é superior ao número de casas dos residentes. De acordo com os Censos de 2011, os habitantes permanentes ocupam 47,4% do parque habitacional, enquanto os fogos destinados a uso sazonal chegam aos 39,4%. Os restantes 13,2% para fins turísticos encontram-se vagos. Em sete dos 16 municípios, mais de 20% dos edifícios existentes foram construídos na última década. No Inverno, a região fica deserta em algumas zonas, e a criminalidade aumenta.
Por seu lado, o presidente da Amal-Comunidade Intermunicipal do Algarve, Macário Correia (PSD), lembra que a receita de IMT na região - a principal fonte de financiamento das autarquias - sofreu uma diminuição três vezes superior à média nacional (20%). Os autarcas aguardam, entretanto, pela tranche do IMI, a cobrar em Abril, para aliviar os encargos com os empréstimos bancários.

A riqueza desviada

Albufeira encontra-se nos antípodas de Alcoutim - a verba do Fundo de Equilíbrio Financeiro, cerca de quatro milhões de euros, "dá apenas para a limpeza da cidade, feita por uma empresa privada". Este é o preço a pagar, diz Desidério Silva, "para [Alcoutim oferecer] condições de excelência ao turismo". Mas, no próximo ano, adverte o autarca, quando for lançado o novo concurso público para a limpeza na cidade, terá de se "cortar pelo menos 1,5 milhões de euros", logo "o nível de exigência na qualidade vai baixar".
Os concelhos do litoral, explica o autarca social-democrata, devem ter um conjunto de infra-estruturas a pensar não apenas nos residentes, mas nos milhões de visitantes durante o Verão. "Estou cansado de falar neste assunto", desabafa. Na qualidade dirigente do PSD, já falou "informalmente" com o primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, para o sensibilizar para uma realidade que "passa despercebida" ao poder central.
"A riqueza que o Algarve gera não fica na região", sublinha Desidério Silva. A tese da necessidade de atribuir ao Algarve mais verbas "consta de um estudo feito pela Universidade do Algarve, coordenado por Adriano Pimpão [secretário de Estado do Desenvolvimento Regional nos governos de António Guterres]. O presidente da AHETA, Elidérico Viegas, junta às dificuldades das autarquias as restrições ao financiamento das empresas: "Assiste-se a uma tentativa de arrecadar receitas custe o que custar, e não se pensa na dinamização da economia."

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