20/05/2012

Com os olhos cheios de água do Tejo, a vista de Lisboa ainda surpreende e acalma



Os passeios diários da Transtejo contam em média com 120 pessoas

Por Carlos Filipe in Público

Há mais de 100 anos que Lisboa se passeia no Tejo, mas só há menos de 30 de forma regular e com apetência turística


Ele há mil e um lugares de onde bem se observa Lisboa, difícil é eleger o melhor observatório, que sempre dependerá do ângulo pretendido. Seja do castelo, de Monsanto, do Cristo-Rei, dos muitos miradouros alcandorados, do bar no topo do hotel Sheraton, do comboio da ponte, de avião - inquestionavelmente, com a visão mais abrangente. Mas também a partir do Tejo, onde o canto de Camané costuma seguir "embarcado".
Cruzeiros no Tejo, com a Transtejo a tentar acrescentar o ambiente náutico como aperitivo turístico, é uma forma de observar a capital com outros olhos. Já desde 1983 que o faz, pioneira naquela oferta, muito embora a navegação de lazer ali aconteça desde 1907.
É a própria transportadora que o conta, no seu endereço na Internet, que o turismo fluvial se iniciou no Tejo com passeios do Cais do Sodré até São Julião da Barra, em Oeiras. Já então havia música a bordo, e bufete, com o custo de 250 réis por passageiro. Mas aquela actividade não ganhou a sedimentação que um século faria supor. Há outros (poucos) operadores turísticos fluviais no Tejo, mas o número de viajantes não descola: 25 mil registou a Transtejo nos seus passeios em 2011.
"Está estabilizado", diz Cristina Ramos, responsável pela comunicação da empresa. Mas é (muito) pouco: contas por alto, nem chegaria a representar 0,1 por cento dos passageiros do serviço regular transportados entre margens no ano passado (27,5 milhões), e em quebra relativamente a 2010. "É uma operação acessória, mas uma forma de diversificar a oferta e muito interessante para conhecer a cidade, para olhá-la de forma diferente", acrescenta Cristina Ramos.
Em uma hora, ou em duas e meia, a partir da estação fluvial do Cais do Sodré e até Belém, ou para a volta maior (com início no Terreiro do Paço, avistamento próximo e volta no Parque das Nações), o São Paulus - antigo navio das carreiras normais da empresa, de 257 toneladas, construído em 1959, mas com dignidade recuperada e adaptado a tais exigências - recebe diariamente, entre o início de Maio e até final de Outubro, uma média de 120 turistas, a 15 ou 20 euros, consoante a duração dos percursos - circuitos dos Descobrimentos e Lisboa Vista do Rio.
Mais longe se poderia navegar no rio, para montante e para jusante, como já aconteceu. No final dos anos 80, a Transtejo organizava subidas até Valada do Ribatejo, em fins-de-semana combinados previamente, ou surtidas a Cascais, com a embarcação Almada, especialmente adquirida para o efeito. Agora é impossível pensar num barco mais moderno, talvez mais pequeno, leve e menos gastador que o São Paulus.
"As autoridades portuárias colocam-nos muitos obstáculos a essas navegações, especialmente para lá da barra, mas é possível, ainda que difícil, subir o rio, uma vez que está muito assoreado. É preciso levar em conta as marés, a sua amplitude, tem que ser tudo bem combinado", explica ainda Cristina Ramos.
Casamentos, baptizados, festas de empresa e apresentações profissionais são eventos passíveis de realizar a bordo do São Paulus, mediante contratação dos serviços da Transtejo, com ou sem catering assistido. Todavia, só para bolsas mais recheadas, pois o serviço é cobrado a 650 euros por hora.
Despreocupados seguem os turistas do dia, que enchem os lugares com mesas do tombadilho superior, completamente aberto, mas sombreado na totalidade. Só se levantam para procurar uma bebida. Para tirar uma foto ao Padrão dos Descobrimentos, à Torre de Belém, onde se faz meia-volta.
"A paisagem não tem dono" lê-se na parede virada para o rio de um dos edifícios da Central Tejo - um dos que foram propostos para demolição, segundo o estudo prévio do projecto, para que ali emergisse o edifício da pala da Fundação EDP. E é com esta anónima certeza que viramos os olhos para a paisagem urbana. Já então o Sol mergulha no Tejo, dando nova luz a Lisboa, aquela que agora se avista até à ponte 25 de Abril, muito pontuada de um verde tranquilizante, que acalma, muito notório na zona da Junqueira, e mais para cima, para a Ajuda.
Para lá do tabuleiro, os acidentes geográficos das Necessidades e dos Prazeres parecem ilhas verdes, que depois dão lugar ao contínuo de telhados da velha Lisboa. Até ao castelo. É outra ilha. O Tejo, plácido, quase não marulhou em toda a viagem, mas agitam-se os turistas, até então muito tranquilos e contemplativos - ingleses em maioria, espanhóis, franceses, alguns brasileiros, poucos portugueses - à aproximação da Gare de Alcântara.
O Ventura, cruzeiro da P&O, que uma hora depois dali zarparia, é um colosso que mal caberá numa foto de tamanho 15x10. E acena-se e fotografa-se os acenos das varandas dos camarotes exteriores. Há muitas gruas a anunciar construção, e os trabalhos descem à beira de água na zona da Ribeira das Naus. É ali que parte da memória do Tejo está a ser redescoberta. No enfiamento do Cais das Colunas com a estátua de D. José e quando esta se centra com o Arco Triunfal da Rua Augusta - uma simetria perfeita - dir-se-ia que aquela foto é a derradeira.
Há outros sinais de construção naquele mesmo local que, felizmente, não se avistam do Tejo, talvez essa seja a verdadeira razão do sinal de satisfação do jovem Klaus, alemão, de Frankfurt, que vê as notas do PÚBLICO, e que, hesitante, pergunta, "o que ouvimos?". O áudio-guia, um pouco roufenho e algaraviado, há muito concluíra a função. Voltara a escutar-se Camané - dir-se-ia que também tinha embarcado no Cais do Sodré -, com "Sonhar durante o fado", uma das faixas do álbum Sempre de Mim (EMI, 2008), escrita e composta por Sérgio Godinho. "Soa bem", reage, à resposta. É fado, é Camané.
O tombadilho inferior é fechado, um pouco abafado e ruidoso, com o motor do São Paulus mais perto. E está quase vazio. Mas Klaus insiste: "[nota, olhando para o plano de segurança do navio] Tem um ar antigo..." As notas do PÚBLICO dizem que é de 1959, construído em Hamburgo. Klaus denunciou um ar de conforto quando soube tratar-se de aço alemão. Nem precisou de dizer nada.

1 comentário:

Anónimo disse...

E mesmo assim...

Lisboa não é obviamente Paris, Londres.

Mesmo assim, acho estranho que os passeios deste tipo no Tejo sejam apenas dois diários, isto de Abril a Outubro, (e além da Transtejo haja apenas mais uma outra empresa no ramo, a LVT, segundo julgo saber).

Lá por essas capitais os passeios são às centenas, todos os dias, mesmo com mau tempo...

Porque será? Apenas falta de freguesia?