"Em Dezembro, quando o PÚBLICO deu conta do relatório e da consequente ameaça para a classificação da UNESCO, o secretário de Estado da Cultura disse que o Governo admitia rever o processo. "Tem de ser uma decisão muito ponderada e assumida em bloco, e o Governo pondera analisar e avaliar toda a situação", disse então Francisco José Viegas." in Público 15-5-2012
"Aqui, entra pela primeira vez a EDP, que opta novamente pela receita de um arquitecto-vedeta, qual mago que num só gesto e momento tem que substituir todo um processo de gestão cuidada, adequada e a longo prazo, de toda uma região."
António Sérgio Rosa de Carvalho in "Será necessária uma troika para a cultura e património?" 26-2-2012.
Por Luís Miguel Queirós e Sérgio C. Andrade in Público
Ministérios da Cultura do Ambiente acreditam que é possível compatibilizar classificação com a barragem do Tua e estão disponíveis para prestar os esclarecimentos exigidos pelo Comité do Património Mundial
As obras de construção da barragem de Foz Tua continuam, e o Governo espera poder compatibilizá-las com a salvaguarda da classificação da UNESCO, mas o secretário de Estado da Cultura é peremptório em não admitir "perder a classificação de Património Mundial" para a região do Douro.
É a súmula das reacções ontem motivadas pela notícia do PÚBLICO de que a UNESCO se prepara para exigir ao Governo que "pare imediatamente as obras de construção da barragem e de todas as estruturas associadas", tal como se lê no relatório que o Comité do Património Mundial da organização se prepara para levar à sua reunião de Junho.
A EDP, responsável pela obra iniciada em Fevereiro do ano passado neste afluente do rio Douro, não quis comentar a posição da UNESCO, e os trabalhos decorrem normalmente, envolvendo meio milhar de operários. Para a empresa, qualquer interrupção do processo passará por uma decisão do Governo.
Do lado do executivo, o Ministério da Economia recusou ontem comentar, remetendo explicações para o Ministério do Ambiente. Tanto este como a Secretaria de Estado da Cultura (SEC) manifestaram total abertura para prestar os esclarecimentos que possam vir a ser pedidos pela UNESCO, mas ambos referiram que em nenhum momento o relatório do Comité do Património Mundial admite a passagem do Alto Douro Vinhateiro para a lista dos "bens em perigo".
Numa nota enviada ao PÚBLICO, Francisco José Viegas diz que a SEC "nunca pôs em causa a avaliação feita pelo ICOMOS". Este organismo da UNESCO enviou em Agosto último ao Governo um relatório que alertava que a construção da barragem teria um "impacto irreversível" e ameaçava os valores que presidiram à classificação do Alto Douro Vinhateiro. O secretário de Estado remete, no entanto, a responsabilidade para "o governo anterior", que acusa de decisões "questionáveis em vários pontos".
Manuel Pinho, ministro da Economia e Inovação do Governo de José Sócrates quando foi lançado, em 2008, o concurso público para a concessão da barragem, diz que o Executivo não tinha obrigação de prestar informações à UNESCO sobre o projecto. "Legalmente, é a Comissão Europeia que tem de dar autorização", argumenta, garantindo que esta "foi rigorosamente informada, através da Direcção-Geral do Ambiente, de todos os aspectos do projecto". Acrescenta que "as negociações demoraram muito tempo" e que a decisão de construção só avançou "depois de ter sido tudo analisado ao pormenor, com estudos de impacto económico, ambiental e social".
Viegas reafirma o interesse da SEC em manter "uma relação clara e transparente com o ICOMOS e com a UNESCO", e manifesta "o desejo de acomodar as recomendações sugeridas por estas instituições", lembrando, a propósito, a recente decisão da Direcção Regional de Cultura do Norte de atribuir um parecer negativo à linha de alta tensão entre o Tua e Armamar, "justamente no sentido de proteger o bem patrimonial" do Douro.
Foi também com este objectivo que a EDP decidiu, no ano passado, atribuir ao arquitecto Eduardo Souto de Moura o projecto do edifício da nova central eléctrica, cujo anteprojecto foi apresentado em Março último, e que fica quase integralmente enterrado - a central e a subestação da barragem são as únicas componentes do empreendimento que ficam na área classificada pela UNESCO.
O arqueólogo António Martinho Baptista, um dos grandes responsáveis, do lado da comunidade científica, pela suspensão da barragem do Côa, em 1995, acha que "fazer barragens em Portugal neste momento é um disparate" e que, por maioria de razão, faz ainda menos sentido construí-las "numa área protegida com a sensibilidade da do Douro e do Tua". Embora tenham já sido descobertas algumas gravuras paleolíticas no Tua, nenhuma delas, adianta, está em zonas que viriam a ficar submersas pela barragem. Mas esta, diz, afectaria gravemente a paisagem e iria "destruir ecossistemas", sacrifícios que não considera justificados, tanto mais que está convencido de que a rentabilidade da barragem será "quase nula". A quem quiser ver estragos provocados por uma barragem, sugere uma visita ao Côa, onde ainda hoje se podem ver "rasgões na paisagem" - a obra ia já adiantada quando o governo de António Guterres decidiu interrompê-la.
Os Verdes e a associação ambientalista Quercus voltaram, ontem, a apelar também à paragem definitiva das obras. com Lurdes Ferreira e Lusa
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