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«Aproveitando uma tarde livre deste verão ventoso, decidi-me a passear pela nossa cidade. Eis quando senão, incrédulo, me deparo com a destruição urbanística, histórica e estética da Avenida da Liberdade. À minha frente, a curta distância, um pai, espanhol, de mão dada com o filho, na casa dos dez anos de idade. O pai teceu, em tom de desacordo, o seguinte comentário :-“Hacen lo tonto!”, ao que o f...ilho respondeu :-“Y gastan dinero!”. Nada mais certo.
Como pode uma câmara municipal como a da capital, deficitária, cheia de dívidas, dar-se a um luxo destes de desperdiçar dinheiros dos seus munícipes numa aventura tonta, fruto da (ir)responsabilidade dos espaços verdes. E que não é, nem de perto nem de longe inconsequente, como o têm sido todas as suas destruidoras intervenções nestes espaços dentro da cidade. A Avenida da Liberdade parece uma feira popular em fim de carreira. Como se pode fazer uma intervenção destas num espaço nobre e histórico da cidade levianamente?!.... onde estamos? Que regime é este que governa a nossa CML agora que a tudo se permite sem atender aos interesses maiores da cidade e dos seus cidadãos?!...
Tive a sorte de ter por docente no meu curso de engenharia urbana, em Paris, a emérita Françoise Choay, que muito me ensinou sobre a defesa do património, nomeadamente em espaços urbanos. Aprendi com ela o respeito e a preservação dos espaços antigos, sobre a conservação da memória colectiva e histórica da cidade. Sobre regulamentos jurídicos necessários à sua preservação e requalificação, normas de intervenção nestes espaços, impactos visuais e arquitectónicos, entre muitas outras coisas. Sendo a Avenida da Liberdade, a par de outras artérias na cidade, um dos eixos nobres, simbólicos, históricos e determinantes da cultura urbana de Lisboa, qualquer intervenção nesta deve ser acautelada e sobejamente estudada e analisada antes de qualquer acção.
O actual responsável pelos espaços verdes tem, sistematicamente, destruído o património histórico e contextual destes espaços da cidade. As suas intervenções, do género tábua rasa, são atentatórias duma cultura que prima pela preservação da memória dos espaços e pela própria história da cidade. O Jardim do Príncipe Real numa tentativa falhada de tulherização do espaço, esquecendo que Lisboa é uma cidade muito mais ventosa que Paris, e não tirando as devidas consequências da sua intervenção. Depois, a mania de animação forçada dos espaços verdes, como se estes estivessem definitivamente votados a perderem a sua vocação de espaços de serenidade, tranquilidade e lazer silencioso. Multiplicam-se os bares e os quiosques à la haussman, como se isso fosse mais Lisboa, inundam-se os parques de música e caixotes de lixo (geralmente cheios e por despejar), abatem-se indiscriminadamente árvores cheias de vida, de idade e de histórias, plantam-se algumas, numericamente inferiores às abatidas, sempre, rearranjam-se calçadas, passeios, desaparecem sebes, muretes, grades em ferro forjado, apaga-se memória histórica da cidade em prol de uma mentalidade pequena e medíocre de proliferação de jardins num só estilo (e mau por sinal), numa cópia rude e aleatória dos jardins da antiga zona da Expo. O caso do Jardim da Praça de Londres é neste domínio paradigmático. Esqueceu o responsável pelos espaços verdes e os seus acólitos arquitectos e técnicos, do contexto da sua criação e da sua função. Faria da Costa quando decide estabelecer no plano de Alvalade uma conexão entre este e a cidade antiga, define um eixo central que divide o plano em dois tornando-se numa das avenidas mais cosmopolitas da cidade: a Avenida de Roma. Nos seus extremos, face à sua importância, havia que trabalhar com elementos dignos que material e simbolicamente atestassem a nova forma de fazer e de ser cidade. Arquitectos de prestígio, como Cassiano Branco, entre muitos outros, são chamados para assinarem os primeiros arranha-céus da cidade por forma a assinalarem física, estética e visualmente a nova cidade. O Jardim da Praça de Londres, foi desenhado e criado no pressuposto do alinhamento dos três eixos que nele confinam: a avenida ascendente Manuel da Maia, a descendente Guerra Junqueiro, e a cosmopolitana avenida de Roma. A sua função não era tanto a de jardim de lazer mas de um marco de separação verde do tráfego que nela confluísse, uma vez que os espaços verdes de lazer seriam colocados nas zonas adjacentes da própria praça e nos dois jardins anexos à paróquia de São João de Deus. A criação de sebes altas e de determinado tipo de árvores pretendiam dar um ar de transbordância verde àquela ilha. Tudo isso foi, irresponsável, ineficaz e ineficientemente destruído com a intervenção feita recentemente pelos espaços verdes da CML. Utilizam a argumentação do desleixo e da falta de conservação a que estavam vetados estes espaços. Pois seria precisamente a sua obrigação recuperá-los devidamente, não atentar à sua identidade e enquadramento urbanístico e histórico. Poder-se-iam referir muitos mais casos atentatórios e sancionáveis, casos do Jardim do Torel, do Jardim Fernando Pessa, da Praça do Campo Pequeno (que ainda não se percebe se é um jardim de espaços verdes ou de efeitos de luz), da Praça Afrânio Peixoto, do Jardim Cesário Verde (praça da Ilha do Faial), do Jardim Constantino, da Praça José Fontana. Este responsável pelos espaços verdes da capital conseguiu o insólito em acabar, de uma vez por todas, com a maioria dos jardins românticos de Lisboa, com o seu desenho original, com as suas espécies originais, com a sua forma e propósitos originais. Aquilo que nas metrópoles civilizadas actuais é altamente preservado e conservado, admirado e apreciado, é nesta capital destruído indiscriminadamente em prol de uma intervenção bárbara e inconsequente, que visa tão somente mostrar serviço e impor o ponto de vista do seu promotor, que é medíocre. Por favor recuperem a Avenida da Liberdade ao seu estado original e deixem de gastar o nosso dinheiro com estas avassaladoras aventuras. Da Lisboa romântica pouco resta, além do desenho urbano de Ressano Garcia e de meia dúzia de imóveis ainda não esventrados e alteados, foram-se com estas intervenções a grande maioria dos seus jardins. O mesmo se passa com os jardins do Estado Novo (que se prepare o Parque Eduardo VII, que nesta ânsia insaciável estará próxima nova intervenção). Chega Zé!!! Pedro Gomez»