In Jornal de Notícias (17/12/2007)
«Chafarizes são a "salvação" para milhares de lisboetas
Helena Neves *
Os chafarizes ainda são a única solução para cerca de 5600 moradores de Lisboa que vivem sem água canalizada. Uma realidade bem conhecida de Maria Lucinete, que já perdeu a conta aos jarros com água que carregou na última década. Com 64 anos e depois de sobreviver a dois acidentes vasculares cerebrais, Maria Lucinete desce com "muito custo" a rua principal do Bairro da Liberdade, em Campolide, para ir buscar água ao chafariz, encostado ao Aqueduto das Águas Livres. Mas a tarefa mais difícil é subir a rua, muito íngreme, com dois garrafões cheios de água.
Chegando ao portão da vila operária onde reside, surge outro obstáculo uma escada ainda mais íngreme, onde mal cabe uma pessoa e sem corrimão onde se possa amparar. Os garrafões ficam à porta, numa varanda exígua, assim como os alguidares cheios de água. Envergonhada, Maria Lucinete mostrou a sua casa: uma assoalhada mínima que faz de quarto e cozinha, apenas com uma cama, um fogão e muitos objectos à mistura.
Lá fora, na varanda, tem uma sanita que não pode utilizar porque a água vem toda para fora. "Tenho de fazer as necessidades num balde e depois deitar ao lixo", contou a moradora, que toma banho em casa, num alguidar "Fico mais à vontade do que se fosse ao balneário público".
Instalar água canalizada em casa está fora das possibilidades financeiras de Lucinete, que mal tem dinheiro para pagar a renda de casa, cerca de 62 euros. "É muito dinheiro", exclamou a moradora, que para sobreviver faz recados aos vizinhos a troco de "um a dois euros".
Noutra rua do mesmo bairro mora José Manuel Paulos, que se desloca apoiado em duas muletas devido a uma deficiência nas pernas. Por essa razão tem de pagar a um vizinho para lhe ir buscar água ao chafariz. "Moro aqui há 53 anos e nunca tive água", contou o morador, que, ironicamente, tem casa de banho, onde "apenas" faltam torneiras. Em vez disso, tem cântaros cheios de água espalhados pelo espaço.
A senhoria de José Paulos construiu a casa de banho com a intenção de instalar as canalizações, mas acabou por nunca o fazer. Entretanto morreu e a casa passou para vários herdeiros, o que complicou a situação do inquilino, sem dinheiro para suportar a instalação da água.
* Lusa (...)»
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