05/07/2011

Património imaterial, a nova exigência do turismo português



Património imaterial, a nova exigência do turismo português
Por Luís Marques (in Publico)

Portugal tem de se mobilizar para promover a sua auto-estima, também no que respeita ao património cultural incorpóreo


Entre os vários sectores que constituem a economia portuguesa, sem dúvida que o turismo é um dos que, de imediato, revelam maior capacidade para enfrentar com êxito a grave crise actual. Reavaliar, enriquecer a sua actuação, mostrar abertura à promoção de novos conteúdos, como os oferecidos pelo património imaterial, contribuirá muito seriamente para a afirmação de um turismo mais aprazível, distintivo e moderno.

Claro que o impacto cultural da sua realização poderá ser menos positivo e até nefasto, consoante sejam ou não desenvolvidas estratégias condizentes com as características feições culturais tradicionais. O turismo cultural ajudará, assim, a promover determinadas manifestações locais e regionais, mas similarmente a lograr desvirtuar tais práticas tradicionais, descaracterizando a sua valia no meio de que são originárias. A sua descontextualização, isto é, a sua idiossincrasia transplantada parcialmente para outros meios apreciadores somente de algumas das suas facetas, consegue propagar uma certa imagem exótica e única do seu lugar de origem, mas pode igualmente levar ao abastardamento, à perda de vínculos tradicionais e de funcionalidade simbólica. Nalguns casos, corre mesmo o risco de transformar-se em mero entretenimento e consumo espectacular que se prolonga como um resíduo cristalizado e artificial de anteriores práticas com sentido vital. Porém, um turismo consentâneo com os recentes padrões de qualidade, exige agora o maior respeito pela irrepetibilidade da emblematização local, proporcionando-lhe o seu contacto e fruição, mas sem a abalar na sua cíclica ou tradicional dinâmica.

Por sua vez, a promoção turística contribui para impulsionar a dignificação do património intangível, sobretudo se este assentar em singulares expressões incorpóreas que nos nossos dias se manifestam um pouco por todo o país, mas tudo isso, para ser bem conduzido, deve passar por uma estreita e continuada interacção com a recém-criada Secretaria de Estado da Cultura. Aliás, estes dois sectores da actividade governativa concretizarão tanto melhor as suas políticas quanto mais estas forem eficientes na sua articulação entre si. O que representará um bem inestimável para o conjunto da população portuguesa, quer porque se protege e reforça a identidade cultural, quer porque se promove a própria riqueza nacional.

Para além da divulgação turística de representativos valores do património material, como castelos, igrejas, palácios, conventos..., bastante mais tem de ser feito no que respeita ao património cultural intangível, pois este mostra uma diferente fisionomia, identicamente preciosa e invulgar, que turistas possuidores de uma certa sabedoria e sensibilidade buscam. A esses novos viajantes, pesquisadores ou frequentadores da "autenticidade" já não lhes basta o turismo dos "três esses" (sun, sand, sea - sol, areia, mar), eles indagam, fundamentalmente, as marcantes obras humanas, aquelas que se notabilizam de lugar para lugar e que resultam da inesgotável intervenção do Homem. Não lhes basta visitar o monumento, o edifício histórico, querem embrenhar-se na cultura local, conhecer as suas tradições, frequentar as suas festas, provar a sua gastronomia, etc.

No nosso país, presentemente, são imensos os elementos que carecem de ser conhecidos, compreendidos, fruídos, classificados e salvaguardados: "Tradições e expressões orais; artes do espectáculo; práticas sociais, rituais e eventos festivos; conhecimentos e práticas relacionados com a natureza e o universo; aptidões ligadas ao artesanato tradicional". Alguns deles dispõem mesmo de características que assumem o estatuto de Património da Humanidade. É o caso do fado, que, em Novembro, passará (como espero) a figurar na Lista do Património Cultural Imaterial da Humanidade. Este acontecimento, para além de assegurar visibilidade mundial, favorecerá ainda, em Portugal, uma alargada tomada de consciência sobre a importância e a diversidade do património imaterial. Estou seguro de que, prontamente, outros elementos nacionais alcançarão igual posição, entre os quais o cante alentejano, os Bonecos de Santo Aleixo ou as Festas do Espírito Santo, nos Açores.

Portugal tem de se mobilizar para promover a sua auto-estima, também no que respeita ao património cultural incorpóreo: identificar, inventariar, registar, classificar, enfim, organizar a sua defesa e enobrecimento, tal qual já acontece hoje, felizmente, com os "bens de pedra e cal" ou com o património físico, seja ele edificado ou arqueológico.

À medida que o mundo ocidental acentua a uniformização do seu modo de vida, parece, em contraponto, começar a ganhar maior expressão a procura do "verdadeiro", do "puro", do "genuíno", que se redescobre quer dentro dos territórios nacionais, quer de forma crescentemente massiva, além-fronteiras. É a essa peculiar procura que as linhas orientadoras do turismo português também têm de dar resposta, seja no âmbito dos produtos estratégicos (com a sua presença especifica e no touring cultural e paisagístico), seja no circuito do calendário nacional de eventos, nos chamados pólos de desenvolvimento ou nas ofertas inconfundíveis das várias regiões. Doutorado em Antropologia. Coordenador do Curso Património Cultural Imaterial (Universidade Lusófona).

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"Portugal tem de se mobilizar para promover a sua auto-estima, também no que respeita ao património cultural incorpóreo: identificar, inventariar, registar, classificar, enfim, organizar a sua defesa e enobrecimento, tal qual já acontece hoje, felizmente, com os "bens de pedra e cal" ou com o património físico, seja ele edificado ou arqueológico."

"Portugal tem de se mobilizar para promover a sua auto-estima, também no que respeita ao património cultural incorpóreo"

Sem querer diminuir as bem intencionadas palavras de Luis Marques ... no entanto na palavra "também" ... sente-se uma
ausência de realidade perante a verdadeira situação do Património Edificado ou Fisico …

“ Mil processos de classificação à beira de prescrever.Existe património que espera, há dezenas de anos, por classificação que o proteja. Mas, por decreto, todos esses processos podem ir para o lixo em semanas.(D.N.)
Governo vai retirar da lista património protegido por lei
Um total de 964 monumentos que se encontram em vias de classificação pelo Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico (Igespar) pode perder todas as protecções legais já em Outubro. Isto porque o Ministério da Cultura publicou, no ano passado, o Decreto-Lei 309/2009, segundo o qual "os procedimentos de classificação de bens imóveis em curso caducam se não for tomada a decisão final no prazo de um ano".
O PÚBLICO tentou obter explicações sobre estas matérias junto do Igespar, sem sucesso. Liderada pelo antigo director do Instituto do Património, Elísio Summavielle, a Secretaria de Estado da Cultura também não quis prestar qualquer esclarecimento. "Não é matéria para o senhor secretário de Estado" (publicado a 16 de Outubro de 2010 em Cidadania LX)

Tem –se assistido a uma verdadeira regressão e recuo na defesa do Património Cultural Arquitectónico por parte do Estado e das Instituições que o representam ... Casos sucedem-se a casos, devidamenta ilustrados neste “blog”... e aqui, só e apenas, no que se refere a Lisboa ...
Portanto a referência utilizada na palavra ‘também’ e a expressão “tal qual já acontece hoje, felizmente”, implicam uma comparação positiva e pretensamente reforçadora do argumento, que abdica da verdadeira evolução da infeliz realidade qualitativa e quantitativa ... e portanto destrói, irónicamente, a intenção positiva ...
É precisamente imperativo continuar a denunciar a destruição sistemática em Lisboa do Património Arquitectónico desenvolvida pela C.M.L. e pelos responsáveis pelo Pelouro do Urbanismo, facilitada pela inércia do IGESPAR e uma ausência de Verdadeiros Valores de defesa do Património Edificado.
É neste sentido que deve ser também também dirigido um apelo mobilizador aos novos responsáveis pela área da Cultura ...
Será possivel, utilizando uma metáfora teatral ou cinemetográfica, "representar" um argumento, um guião, um "script" sem um contexto ... sem um "décor"... ?!
A destruição do património Fisico e Edificado continua progressivamente por incúria, incompetência e manipulação de interesses instalados ... e com ele ... a condenação das suas “personagens” e do Discurso da sua Cultura e das suas Tradições ... e com ela o desaparecimento do seu Auto-Respeito e o eclipse da sua Auto-Estima.
António Sérgio Rosa de Carvalho

1 comentário:

Núcleo Promotor do Auto da Floripes disse...

Depois de ler o seu artigo, e como representante do Auto da Floripes das Neves, relíquia do teatro popular português, devo dizer que o mesmo se apresenta como correcto e oportuno para a necessária valorização do património imaterial.
O Auto da Floripes já foi alvo de uma candidatura à UNESCO para Património Imaterial da Humanidade em 2001, contudo, como não foi premiada com a validação, está-se a pensar voltar a efectuar a candidatura mas em parceria com o Auto da Floripes de São Tomé e Príncipe.
Deixo o endereço da página de facebook para conhecer um pouco melhor a dinâmica da representação e ainda o endereço electrónico para qualquer contacto na ânsia de saber mais ou até de se deslocar ao Largo das Neves - Viana do Castelo para assistir à representação no dia 5 de Agosto.



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