Por Ana henriques in Público
Ideia partiu das Irmãs Oblatas e de um grupo de activistas ligados ao tratamento da sida. Projecto inclui “casa de chuto” no mesmo bairro
A notícia faz lembrar o filme Negros Hábitos, de Almodovar, mas não é ficção. A pedido das Irmãs Oblatas do Santíssimo Redentor e de uma outra organização, a Câmara de Lisboa está a estudar a possibilidade de abrir na Mouraria uma casa para ajudar as prostitutas, onde elas poderão estudar e exercer ao mesmo tempo o seu mester. A ideia inscreve-se no programa de requalificação do bairro e inclui a criação de uma outra casa onde os toxicodependentes possam usar drogas duras sob supervisão.
Tanto o presidente da autarquia, António Costa, como as restantes instituições envolvidas recusam-se a falar em bordel ou prostíbulo, preferindo a designação anglo-saxónica de “safe house”.
“O que foi proposto é uma safe house onde possa ser garantida a segurança física e psíquica das profissionais do sexo”, explicou ontem o autarca, acrescentando que a legalidade do assunto está a ser estudada. Questionado sobre se a sua ideia de requalificação da Mouraria inclui este tipo de estabelecimento, António Costa disse: “Não vou responder a isso”.
O coordenador do programa de requalificação da Mouraria, João Meneses, sublinha que tudo dependerá, em primeiro lugar, da vontade das próprias prostitutas, que terão de se organizar em cooperativa para gerir a casa, onde frequentariam cursos técnico-profissionais. “Terá de haver massa crítica para criarem a cooperativa e explorarem o espaço”, refere. “Já falei com várias mulheres que foram à falência quando tentaram sair da prostitutição, porque não conseguem subsistir com os 600 euros mensais que ganham como caixas de supermercado”, conta o mesmo responsável, adiantando que o exercício da actividade sexual seria transitório, até se concretizar a mudança de profissão.
João Meneses revela que António Costa se mostrou “muito empenhado em dar condições a estas mulheres para mudarem de vida”. Diz que o autarca “está ciente desta degradação humana e disponível para considerar esta proposta”. Conhecidas pelo trabalho que desenvolvem há muitos anos junto das prostitutas, as Irmãs Oblatas sublinham por seu turno que existe o risco de a requalificação urbanística do Intendente, que está em curso, escorraçar estas mulheres dali para fora, sem lhes garantir alternativas.
“Daí que este seja um projecto de índole comunitária”, refere a directora técnica da instituição, Helena Fidalgo. A outra entidade ligada à iniciativa é o grupo de activistas sobre o tratamento de sida, o GAT, cujo responsável, Luís Mendão, aponta a alta prevalência do vírus nas mulheres que trabalham nas ruas do eixo Intendente/baixa, comparativamente com a restante população da cidade. O dirigente fala da possibilidade de o trabalho sexual ser exercido num local diferente da safe house. “O que propusemos à câmara foi ampliar a resposta que as Irmãs Oblatas já dão: aumentar o número de consultas e rastreios e o acesso aos serviços jurídicos para as prostitutas. Esperamos uma resposta da autarquia nos próximos dias”.
Quanto ao serviço de apoio aos toxicodependentes, “se for aprovado será a primeira ‘casa de chuto’ do país, uma possibilidade que a lei já contempla”, diz João Meneses. O objectivo é, também neste caso, promover mudanças de vida.
Nas ruas o entusiasmo perante a ideia não parece ser por aí além. Há 20 anos a bater as esquinas da Praça da Figueira, Maria de Fátima gosta da perspectiva de deixar de andar ao frio e à chuva. “E se me arranjassem um trabalhinho jeitoso para largar esta vida era bom, era”, diz a mulher, a quem cada “serviço normal” não rende mais de 20 euros, 25 quando muito. Chega a fazer descontos até 15 euros. Ao final do dia volta para casa, no Barreiro, onde a esperam o marido e um dos filhos. ( ... )
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