22/03/2014

"Não podemos manter tudo em formol", diz vereador da Reabilitação Urbana de Lisboa

Em entrevista ao PÚBLICO, Manuel Salgado afirma que nos casos em que não é possível preservar as fachadas originais dos edifícios "se calhar é melhor fazer uma coisa diferente, e não macaquear o que lá estava".

Por Inês Boaventura, Público de 22 Março 2014


O vereador do Urbanismo da Câmara de Lisboa, entidade que vários especialistas e cidadãos têm acusado de promover uma reabilitação em que só as fachadas dos edifícios são preservadas, garante que essa não é “de maneira alguma” a política que defende para a cidade. Ainda assim, Manuel Salgado sublinha que nem tudo pode ser conservado “em formol”.
“Tem que haver aqui bom senso. Não podemos manter tudo em formol”, afirmou o autarca, numa entrevista ao PÚBLICO à margem de uma conferência em que participou no âmbito da Semana da Reabilitação Urbana.
Manuel Salgado considera que o município tem feito aquilo que está ao seu alcance para evitar a proliferação de situações em que a frontaria dos prédios permanece mas o seu miolo não. E acrescenta que mesmo quando isso acontece há bons exemplos a assinalar, como o do número 240 da Avenida da Liberdade, onde no último verão se instalou a loja da Cartier. “Eu acho que ficou um excelente edifício. A fachada foi mantida e o interior foi refeito porque estava completamente podre”, descreve o autarca.
Diferentes são os casos, como aquele com que se confrontou na passada quarta-feira, em que os promotores de operações de reabilitação para as quais foi determinada a manutenção dos edifícios originais se dirigem ao município pedindo-lhe que autorize a demolição mas assumindo o compromisso de mais tarde reproduzir a fachada original. “Para quê? Para ganhar 20 centímetros a toda a volta porque as paredes são mais estreitas”, explica Manuel Salgado, acrescentando que “o Plano Director Municipal não o permite”.
Quanto às situações em que a frontaria não pode efectivamente ser preservada, por estar “completamente podre” ou por não haver “hipóteses técnicas de a manter”, Manuel Salgado diz que “se calhar até é melhor fazer uma coisa diferente, e não estar a macaquear o que lá estava”. “Nalguns casos tem-se admitido pura e simplesmente arquitectura contemporânea”, refere, reconhecendo que “infelizmente nem todos os exemplos são excelentes”.
O vereador, que acumula os pelouros do Planeamento, Urbanismo, Reabilitação Urbana e Espaço Público, defende que seria importante para a cidade que se apostasse em contratos de arrendamento de curta duração, à semelhança do que acontece noutros países da Europa e nos Estados Unidos da Europa. O objectivo é que os edifícios possam ter ocupações provisórias, enquanto os proprietários não têm condições para os reabilitar, evitando-se assim que estejam devolutos e que a sua degradação se vá acentuando.   
Segundo Manuel Salgado, nos últimos anos a Câmara de Lisboa investiu 130 milhões de euros na reabilitação, e os privados 600 milhões de euros. Números muitíssimo abaixo dos oito mil milhões de euros que o município divulgou anteriormente, por ocasião da discussão da Estratégia de Reabilitação Urbana para o período entre 2011 e 2024, ser o valor necessário para pôr toda a cidade como nova.
O autarca, eleito pelo PS, defende que a câmara deve contribuir para alcançar esse patamar essencialmente como “facilitadora, dinamizadora, reguladora”. “Não nos podemos colocar numa posição passiva de estar à espera que os investidores privados nos batam à porta a perguntar se podem fazer assim ou assado”, afirma Manuel Salgado.
O vereador destaca o trabalho já feito ou em curso em zonas de Lisboa como Avenida da Liberdade, Mouraria, Bica, Ajuda, bairros Padre Cruz e da Boavista, Marvila, Alfama e Castelo. “Mas tudo isto sabe a pouco porque a necessidade de reabilitação estende-se a toda a cidade”, reconhece Manuel Salgado.
Mesmo no centro, admite, há “bolsas de pobreza extrema”, casas com “condições de habitabilidade inaceitáveis”, “situações de graves ao nível da saúde pública” e um número significativo de edifícios total ou parcialmente devolutos. A solução que Manuel Salgado preconiza passa pelo lançamento de operações de reabilitação sistemáticas, juntamente com o desenvolvimento no terreno de programas de intervenção comunitária.
O vereador também sublinha a importância de se apostar na área da mobilidade, através da criação de “uma rede de percursos pedonais inclusivos” e de “meios mecânicos nos grandes saltos de quota”, como “elevadores públicos, eléctricos e funiculares”.
Na intervenção que realizou no âmbito da Semana de Reabilitação Urbana, que decorre em Lisboa até ao dia 26 de Março, o autarca defendeu a necessidade de se encontrar “um novo modelo de financiamento à habitação”. Se tal não acontecer, diz, “tudo continuará a ser como dantes”.
“Não devíamos voltar a ter um financiamento à compra de casa própria, devíamos ter um mercado de arrendamento forte e saudável”, explicitou Manuel Salgado ao PÚBLICO. O autarca admite que esse financiamento “foi importante porque permitiu resolver rapidamente um problema de habitação e permitiu que as empresas começassem a laborar e a criar empregos”, mas lembra que também teve “efeitos perversos”.

Como exemplo da “irracionalidade urbanística” a que a facilidade concedida nos empréstimos para a aquisição de habitações levou, o autarca aponta a Área Metropolitana de Lisboa, que “cresceu em mancha de óleo, cada vez mais longe”. “Primeiro houve crescimento nos concelhos à volta de Lisboa, como Amadora, Loures e Odivelas. Depois começou a haver mais longe, em Sintra, Vila Franca, Cascais. E agora já é em Mafra, Torres Vedras”, constata Manuel Salgado, lembrando que isso se traduz em mais tempo e mais energia gastos nas deslocações.   

5 comentários:

Julio Amorim disse...

O vereador acha que Roma cheira a formol ?

Anónimo disse...

O que o salgado diz vale o que vale.
Se fosse um edifício gaioleiro ali em Entre Campos, ainda compreendia. Mas no Chiado? Por amor de Deus!
Este sr é o mesmo que tem dado luz verde à betonização de vários edifícios pombalinos naquela zona(e não só) para o grupo do priminho e companhia tirarem proveito!
Nem as fachadas escapam a autenticas barbaridades.
Lembro-me particularmente de um edifício azul, pombalino, situado na Rua Ivens. Um edifício chave e com algum destaque na malha pombalina do Chiado.
Neste caso nem a fachada tardoz foi respeitada!
Eu que trabalho ali ao pé, sempre que passo pela Rua de São Niculau e levanto a cabeça, o meu coração até pára!
Parece que estou a olhar para um novo edifício saído de um complexo de condomínios do PDN..
Imitação barata, toda plastificada e sem nenhuma característica que define os edifícios pombalinos!

O Chiado vai nú!

Miguel de Sepúlveda Velloso disse...

Comletamente podre por décadas de incúria e abandono, janelas abertas, destelhado, portas arrombadas. Aquele que é o "Cartirer" da Avenida não é mais do um péssimo exemplo de uma péssima recuperação.

E não é caso único.

Anónimo disse...

Tudo em nome da modernidade, não tivesse sido indicado o autor de tão eloquente comentário e julgaria que se tratava de um promotor imobiliário provinciano, e não de um reconhecido arquitecto.
Será que em Portugal quando se assumem cargos políticos se faz "reset" a tudo o que se aprendeu na vida, e se inicia uma nova vida em modo "do que é oportuno"?

Anónimo disse...

Pelo que sei, e pelo que tenho visto, os centros históricas de Paris, Roma, Edimburgo,Bruges, Prague, Amsterdam, etc, etc... é que estão cheios de provincianos que preservam tudo em formol!

Cá é diferente.
Somos tão evoluídos e especiais que quando os nosso vão lá para fora viver ou estudar, fazem figas para não voltar.

Eu (de 6 irmãos) que fiquei, que o diga!