01/04/2008

Arquitectos dizem sim ao projecto de Jean Nouvel para Alcântara

In Público (1/4/2008)
Ana Henriques


«Há uma urbanização desenhada para Lisboa pelo novo Prémio Pritzker da Arquitectura,
o francês Jean Nouvel. O projecto está suspenso das decisões da Câmara de Lisboa.
Deve ser construído? Sim, defendem cinco arquitectos e o vereador do urbanismo


Quem olha à primeira espanta-se. Há prédios com fachadas revestidas a azulejo de padrões simétricos, ruas estreitas e pátios interiores, um remake da Lisboa alfacinha encostada às vias rápidas que são hoje as avenidas da Índia e 24 de Julho. Jean Nouvel, que anteontem se tornou o mais recente vencedor do Prémio Pritzker, o equivalente ao Nobel da Arquitectura, tem um projecto feito em 2003 para Alcântara, um dos sítios que espera maiores transformações em Lisboa. Vai ser construído?
Ainda ninguém sabe, embora pareça haver alguma vontade na câmara municipal. Todos os arquitectos ouvidos pelo P2 realçam os méritos do projecto de Nouvel e salientam a dificuldade do local, um pedaço de cidade entalado entre ruas de grande circulação. O mesmo diz o vereador do Urbanismo da autarquia, o arquitecto Manuel Salgado, quando interrogado sobre o seu valor: "Ter um projecto de Jean Nouvel é uma mais-valia para a cidade que não podemos desperdiçar."
A câmara já pagou, aliás, mais de seis milhões de euros à estrela mundial da arquitectura pelo trabalho desenvolvido até hoje para o terreno triangular defronte da estação de comboios de Alcântara-Mar, onde dantes tinha instalado serviços ligados à recolha de lixo. Se descartar o projecto é dinheiro deitado à rua, como aconteceu já com os projectos para o Parque Mayer de outro peso-pesado da arquitectura, Frank Gehry. Nouvel está a trabalhar com um parceiro português, João Paciência. Daquilo que imaginaram para Alcântara, Salgado destaca a escala dos edifícios, "próxima dos bairros tradicionais", e a utilização dos azulejos, marca tradicional de Lisboa. São oito edifícios com quatro pisos cada um, entre os quais surgem pátios interiores, a que se acede através de passagens estreitas, à semelhança das ruas das zonas mais antigas da cidade. Os usos previstos são habitação (60 por cento), comércio e serviços (20 por cento para cada). Depois surgem os efeitos especiais, aquilo que o arquitecto calvo sempre trajado de preto chama "desmaterizalização": as paredes de vidro por onde entra a luz, contribuindo para um efeito de leveza das estruturas. No caso português, Nouvel idealizou uma dupla fachada transparente no interior da qual cresceria vegetação. Os arquitectos chamam-lhe jardim vertical.
"É um projecto que dá bastante atenção ao espaço público - um espaço muito cenografado", observa o bastonário dos arquitectos, João Rodeia, para quem "é sempre bom para uma cidade ter um projecto de um arquitecto como Jean Nouvel". Porquê? "As cidades competem muito umas com as outras através dos convites que fazem a arquitectos conhecidos."
O arquitecto Tiago Lacerda Pimentel, autor do futuro Museu do Côa, concorda, mas chama a atenção para a necessidade de inserir estes projectos numa estratégia global de cidade, o que não lhe parece ter acontecido.
Perante obstáculos que à altura do desenvolvimento do projecto pareciam intransponíveis, como a proximidade da linha férrea - hoje pensa-se que pelo menos parte dela pode ser enterrada -, o arquitecto francês tentou "proteger o empreendimento do ambiente circundante", lê-se no site. Daí a cortina vegetal e a colocação de fontes no recinto, para tentar disfarçar o ruído do tráfego. Esplanadas, restaurantes, um mercado de frutas e legumes ao ar livre e até um pomar de laranjeiras contribuirão para criar esta ilha plantada à beira-estrada.
"Interessantíssimo"
A densidade da urbanização é a máxima permitida pelo Plano Director Municipal. Frederico Valsassina, que juntamente com Manuel Aires Mateus tem um projecto para um terreno vago do outro lado da rua, diz que o trabalho de Nouvel é "interessantíssimo", precisamente por causa dessa "compressão" urbana, "a que não estamos habituados senão nos bairros históricos de Lisboa", e da qual resulta uma "escala humana" em todo o recinto. Aires Mateus acha o projecto "extraordinário" pela compreensão que mostra de toda a cidade: "Seria difícil a um arquitecto português resumir", em projecto, "o que é mais determinante em Lisboa", quais os valores predominantes. "Têm menos pruridos em pegar naquilo que os portugueses pensarão que são estereótipos, como as varandas, os estores e os azulejos", diz também o crítico de arquitectura do PÚBLICO, Ricardo Carvalho, que pensa que Nouvel teria encontrado soluções muito interessantes para as infra-estruturas da zona envolvente, caso lhas tivessem pedido.
O trabalho do arquitecto pode, aliás, vir a ter de sofrer algumas alterações, precisamente por causa da reformulação do nó rodo-ferroviário de Alcântara, cujo enterramento parcial não estava previsto na altura em que Nouvel concebeu o empreendimento, explica o vereador Manuel Salgado. Depois ainda há que compatibilizar estas obras com o caneiro de Alcântara (o grande cano por onde corre a ribeira), que ali passa no subsolo.
Os prédios em redor de pátios com palmeiras e fontes irão alguma vez ver a luz do dia? O autarca acha que é possível - apesar de o processo ter voltado recentemente quase à estaca zero, com a decisão camarária de encomendar um plano de urbanização para uma vasta zona de Alcântara a condicionar tudo o que ali vier a ser construído. "Se a Câmara de Lisboa [as diferentes forças políticas nela representadas] assim entenderem, é possível aprovar qualquer projecto para o local antes de o plano de urbanização ficar pronto - desde que isso não ponha em causa a reestruturação da área."
E a prevista construção de caves de estacionamento no subsolo numa zona sujeita a inundações? Manuel Salgado diz que já há forma de resolver o problema sem que aconteça o que sucedeu nas últimas chuvadas, quando os carros ficaram submersos nas garagens. Como? "Subindo as cotas de soleira, como foi feito no Parque das Nações". As entradas dos edifícios são sobreelevadas para evitar a entrada da água.
O empreendimento é também do agrado de Manuel Graça Dias, que fala da calma que Nouvel tenta criar no seu interior, resguardando os quarteirões de habitação e criando zonas só para peões e "ruas estreitinhas com as do Bairro Alto". O arquitecto teme, no entanto, que este seja um projecto que continue a marcar passo, como tem acontecido com todos os trabalhos dos arquitectos de renome - as torres de Siza Vieira também para Alcântara foram abandonadas e o trabalho de Norman Foster para a zona do aterro da Boavista, em Santos, também ainda não saiu do papel. "É confrangedor, porque não há ideias para a cidade. E quando elas aparecem, ainda que desgarradas, surgem obstáculos de todos os lados", opina. "Quando deviam ser os projectos dos arquitectos de prestígio a merecer maior tolerância". Em contrapartida, "todos os dias surgem novos mamarrachos anónimos com a maior das impunidades, autistas em relação ao tecido urbano em que se inserem".
"Não percebo a relutância dos sucessivos executivos camarários em dar luz verde a estes projectos formalmente fortes", acrescenta. Co-autor do Centro Cultural de Belém, cuja construção levantou celeuma, Manuel Salgado concorda. "Foi também por isso que aprovámos na passada semana na câmara a criação de uma comissão consultiva do Plano Director Municipal: para se pronunciar sobre a aceitação dos projectos mais polémicos."»

Alcântara, de uma ponta à outra, é uma tremenda de uma comnplicação, com planos e mais planos, sobrepondo-se uns aos outros, envoltos na mais profunda das teias de interesses, e uma lástima de planeamento urbano. Acresce que muita da valiosíssima arquitectura industrial da zona tem sido demolida por iniciativa da própria ... CML.

Este projecto de Nouvel, remeto para a informação e fotos constantes do site, a começar por:

«Pour se protéger de l'environnement immédiat, le projet est créé comme une masse dense protégeant quatre cours fermées qui évoquent les places typiques de Lisbonne. Cette masse est protégée par une façade double-peau acoustique incluant de la végétation. Les fontaines d'eau aux entrées des ruelles masqueront le bruit créé par la circulation.
L'accès au site se fait par des passages étroits, à l'échelle des ruelles de la vieille-ville de Lisbonne, qui donnent envie de le découvrir. Le contexte urbain se prolonge dans les ruelles par l'utilisation des matières minérales telles que des galets pour les trottoirs et des azulejos sur les murs des rues intérieures.
Les quatre bâtiments d'habitation contiennent 160 appartements organisés autour des quatre cours centrales.
Au rez-de-chaussée, on trouve les commerces. Les logements sont situés aux étages supérieurs. Les dernières niveaux sous les toits réfléchissant le bruit accueillent les cafés, restaurants, terrasses et duplex.
Les façades intérieures des logements ont des caractères différents, avec végétation, jeux d'eau et matériaux différenciés.
Une promenade à travers le site donne lieu à quelques surprises: chaque cour possède un thème spécifique avec son propre microclimat et son jardin thématique.
Ces contrastes, entre ombre et lumière, nostalgie et modernité, bruit et silence lient le site à la ville, et recréent Lisbonne dans Lisbonne
»

5 comentários:

Anónimo disse...

"Quando deviam ser os projectos dos arquitectos de prestígio a merecer maior tolerância"....?

Tolerância não tem nada ver com o caso. O projecto de Nouvel tem uma escala integrada que não vai fazer guerra a ninguém. As torres de Siza seriam uma aberração para essa zona da cidade. O projecto de Foster parece bem bonito...mas no sítio errado. Não creio que nenhum arquitecto de renome necessite de "tolerâncias" para levar um projecto à frente.

JA

Anónimo disse...

As "tolerâncias", é porque não cumpre o PDM, não que este esteja certo.
O que é pena nestes arquitectos é a incompreensão em assumir realidades históricas (neste caso tradicionais lisboetas) que afinal apenas servem para consolidar as soluções no tempo, não inibindo qualquer criatividade.
No fundo JN faz um desenho urbano denso do tipo cidade tradicional. Por este motivo não cumpre o PDM. Ultimamente temos assistido ao arrepio dos seus chavões preferidos e afinal sempre acabam por irem ao "passado" buscar "novas ideias".
Estão lembrados do centro "comercial de céu aberto", afinal o que deveria ser dito é que o verdadeiro "centro comercial" não é mais do que uma cidade tradicional de utilização mista, como por exemplo a Baixa de Lisboa, a diferença reside apenas nos dogmas.
A inevitabilidade do passado!

Gonçalo Cornelio da Silva disse...

Este ultimo comentario é da minha autoria

daniel costa-lourenço disse...

vetam-se siza, novel e foster e toleram-se mil avenidas da república , cacens, massamás e amadoras...

só mesmo neste país

Anónimo disse...

O que se passa em Lisboa é tão simples que,quanto maior é a "vedeta da arquitectura",menos entende,porque:
1º o problema,não é de arquitectura,mas sim de URBANISMO,qualidade de vida etc
2º-Urbanismo não há,em Lisboa,desde Olivais/Chelas(o Pq das Nações é um aglomerado de betão,oportunidade perdida);
3º-Lisboa está falida e a caír(vejam só a Mouraria aqui neste Blogg!)e as "vedetas da arquitectura",as nacionais pelo menos,deviam ter consciência e ética,para não arruinarem e endividarem ainda mais a cidade!
Mais construção NÂO,reconstrução SIM.
A Ordem dos Arquitectos,como sempre está a leste...e fomenta o vedetismo!

3-4-08 Lobo Villa