In Público (14/4/2008)
A. M. Galopim de Carvalho
«O Museu Nacional de História Natural corre o risco de ficar seriamente amputado
Foram muitos os que, no sábado passado, ficaram perplexos, estupefactos, ao lerem, no Expresso, o artigo "A agonia do Jardim Botânico [de Lisboa]". Tenho vindo a assistir, nos últimos tempos, a sinais preocupantes que começaram a fazer algum sentido com a apresentação pública, no pretérito dia 3, de cinco projectos de arquitectura visando toda a área urbana que sobe do Parque Mayer até à Politécnica e edifícios anexos, passando pelo Jardim Botânico, essa jóia da biodiversidade vegetal vinda, há muito, de todos os cantos do mundo. Pelas imagens e pelo discurso de alguns dos projectistas, fiquei com a ideia de que, em benefício de uma indústria e especulação imobiliárias, envolvendo centenas de milhões de euros - se não mesmo milhares de milhões -, o Museu Nacional de História Natural (MNHN), muito mais do que beliscado, poderá ficar seriamente amputado, não só no seu mais que limitado espaço, mas também nos seus legítimos e justificados propósitos de desenvolvimento.
É claro que um empreendimento desta dimensão não pode deixar de agradar à autarquia, carente que está de fundos. Do mesmo modo, não pode deixar de ser visto, pela Universidade de Lisboa, como uma promessa de financiamento para fazer face às suas múltiplas carências. A minha preocupação é, neste momento, mais do que muita, não pelas palavras do reitor, na apresentação pública dos ditos projectos, palavras que me pareceram muito correctas em defesa dos valores históricos, científicos, pedagógicos e culturais deste património da universidade, mas sim pelo que foi dado conhecer nessa cerimónia, pela demasiada urgência que está a ser pedida para a concretização deste megaprojecto e, também, pelas revelações preocupantes expostas no artigo do Expresso do passado dia 3.
Vai para cinco anos que, por imposição do limite de idade, deixei a direcção do MNHN e, referindo-me apenas a este museu, sei, pelo que ali se fez e pelo que ali existe de capacidade para fazer, que todo o espaço do grande edifício não seria de mais para albergar um Museu de História Natural digno de um país que abriu o mundo à Europa dos séculos XV e XVI, uma instituição com século e meio de investigação e ensino, que conquistou uma vitalidade museológica de merecido destaque no panorama nacional. Ora dos projectos apresentados, não só ressalta a grande capacidade dos seus mentores para trabalhar formas e volumes, mas também a deficiente cultura científica de alguns, neste domínio, e o pouco conhecimento que têm dos patrimónios material e intelectual aqui preservados e, consequentemente, o pouco respeito que os mesmos lhes merecem. É, pois, urgente que não só os docentes universitários e os investigadores nas áreas das ciências exactas e naturais, mas também o cidadão de Lisboa venham a público e, assim, engrossar as vozes dos que, na universidade, se opõem à eventual alienação de partes importantes deste espaço, se opõem ao projectado envolvimento do Jardim Botânico por altos e volumosos hotéis de cinco estrelas e prédios de apartamentos de luxo, com vistas para o dito, e contestam, ainda, a reconversão deste jardim num parque de recreio e lazer. Que, por exemplo e relativamente a Araucaria cunninghamiana, Ceiba crispiflora, Fagus syilvatica, Sequoia sempervirens ou Taxus baccata - aqui, há muito, em equilíbrio neste pequeno e, dir-se-ia, milagroso ecossistema - os botânicos venham dizer se estas belas árvores saberão ou poderão conviver, saudáveis, afogadas em betão e sob a pressão de um demasiado número de visitantes, número que não é difícil imaginar se se concretizar a sua abertura através do Parque Mayer, nalguns dos moldes dados a conhecer.
Investigador. Ex-director do Museu Nacional de História Natural»
16/04/2008
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1 comentário:
Sobre o abandonado Jardim Botânico(pela CML) e o ultrapassado Parque Mayer, convém dizer que não há qualquer relação entre eles e que são temas absolutamente distintos.Em comum têm apenas a proximidade geográfica e SOBRETUDO a urgência que a falida CML tem de especular imobiliáriamente para pagar dívidas,seja lá aonde fôr.
As maiores frentes de especulaçâo da CML já abertas são a Baixa-Chiado com o Arq.Manuel Salgado(que era coordenador e agora passou a vereador),a frente Ribeirinha com o Dr.Júdice(era consultor,agora é comissário),tudo sentido de fazer mais betão em menos tempo,porque o buraco financeiro da CML é gigantesco.
A terceira frente de especulação imobiliária foi agora descoberta pela CML,numa oportunística junção do Mayer com o Botânico,cortando uns museus e juntando uns hotéis,com a genial colaboração de uns ignorantes-mas geniais-Arquitectos-Vedeta,os quais,se cobram ao m3 de betão/m2.(ou seja ao custo da obra;perguntem á OA como se cobram estas Vedetas).
Sizas,Byrnes,Mateus,Soutos-Moura,(para não falar dos Fosters,Gherys,Nouvelles)heróis de ontem,são hoje os maiores promotores da especulação imobiliária!As torres destes são duplamente ignorantes da história e da escala dos locais.As torres "soviéticas" de Byrne,no Estoril-Sol,são o paradigma desta nova especulação dos Arquitectos-Vedeta.Com a passividade de toda a classe dos Arquitectos e com o apoio da imbecilizada Ordem dos Arquitectos.
Felizmente que existem pessoas cultas como o Prof. Galopim de Carvalho,Manuela Correia,Liliana Póvoas e outros que defendem o Jardim Botânico com amor e saber.
O Parque Mayer é outro assunto!Tratem-no á parte!!
16-4-08 Lobo Villa
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