In Público (28/4/2008)
António Sérgio Rosa de Carvalho
«1 - Lisboa abandonada
Antes das eleições, ilustrei através de um texto no PÚBLICO, "A Baixa e os ciclos políticos", a dicotomia crescente entre a cidade de Lisboa com todo o seu valor e potencial e um mecanismo de ciclos políticos, saturante e impotente.
O projecto para a Baixa, nascido do comissariado, devia ter atingido uma autonomia operacional e desenvolvido um prestígio e uma autoridade cultural que transcendesse os ciclos políticos e assegurasse a sua execução em continuidade, sendo associado à ideia de uma candidatura a Património Mundial e cumprido assim a sua vocação de projecto de interesse nacional.
O que fez António Costa até agora?
Além de umas pinturas em faixas de peões, de uma promessa não cumprida de tolerância zero para as infracções de estacionamento, de uma tímida, desenquadrada e pindérica tentativa de "animação" numa das grandes "Places Royales" da Europa, afirmou-se apenas como guarda-livros queixoso.
Quando visitamos cidades europeias com centros históricos perfeitamente restaurados com grande atenção para detalhes de tipologias e materiais, cheias de vida e cosmopolitismo, pulsantes de vida cultural e empresarial, cidades como Amsterdão, perguntamo-nos o que torna isso possível.
A cidade de Amsterdão, depois da recuperação impecável do seu centro histórico, completamente habitado e utilizado, lançou-se agora num novo objectivo: a limpeza do seu Red Light District, símbolo de Amsterdão como cidade de sexo e drogas, imagem que o seu burgemeester (presidente da câmara) quer destruir, além de recuperar para o quotidiano a zona mais antiga e de alto valor patrimonial da cidade.
Até agora, a um bom ritmo, conseguiu-se a recuperação de 30 por cento da área.
Mas como funciona a democrática Amsterdão?
Cidade protestante, liberal, democrática e mercantilista Amsterdão é ciosa da sua imagem exterior e da importância da eficácia da sua gestão. Assim, as eleições autárquicas elegem o seu corpo representativo de vereadores, representantes através dos partidos políticos da vontade dos cidadãos, mas não elegem o presidente da câmara.
O burgemeester é nomeado pela Coroa por um período que pode abranger vários ciclos políticos, e ele é o guardião dos grandes temas, para a cidade que não podem estar dependentes desses ciclos. Ele representa precisamente a garantia de continuidade da cidade e é altamente respeitado pelos intervenientes na sua posição de au-dessus de la mêlée.
Quanto à Baixa, embora se compreenda a intenção de Manuel Salgado de centralizar as capacidades de decisão e experiência acumulada nas unidades de projecto, acabando com as arbitrariedades e clientelismos das sociedades de reabilitação urbana (SRU) e similares, não é apenas com projectos-âncora pontuados e dispersos que a coisa vai lá.
Usando a metáfora da couture e do design tão na moda, a reabilitação urbana vive mais do "corte e costura" e da "cerzideira" do que da grande tesoura do couturier. E absolutamente necessário eleger uma área estratégica de intervenção, uma "fatia" da Baixa, a fim de desenvolver um projecto-piloto total, onde todas os aspectos de vida na cidade possam ser desenvolvidos: habitar o centro histórico restaurado; viver o espaço público; fazer compras num local que seja simultaneamente "City" e bairro.
Já tinha sugerido o local ideal para desenvolver tal projecto-piloto: o Largo de São Paulo.
Com a sua autenticidade, arquétipo do pombalino. O seu carácter de conjunto, com praça, igreja, monumento central. A sua proximidade do Mercado da Ribeira. Aqui temos a fórmula praça-mercado comparável a Convent Garden em Londres.
2 - Lisboa caluniada
A plataforma-jardim-miradouro de S. Pedro de Alcântara foi inaugurada com circunstância. No entanto, como ela se encontra na fronteira do Bairro Alto, zona de guerra dos graffiti, tem que ser guardada em permanência. Isto, enquanto outro ex-líbris da cidade, o Miradouro de Santa Luzia, se encontra num estado deplorável.
E que tal demonstrar coragem política e enfrentar o manto entorpecedor do "politicamente correcto", avançando com uma ofensiva contra os graffiti no Bairro Alto? Já nem é preciso falar do caso Giuliani de Nova Iorque. Pode ser que com uns filmes no You Tube a coisa vá lá.
Por falar de filmes. O intrépido e confuso paladino agora vereador, mais conhecido por Zé, resolveu também participar num documentário para a famosa e largamente divulgada Al-Jazira.
Críticos somos todos. Há muita coisa a criticar, mas "entre nous". Cá dentro, criticamos abertamente, mas e o sentimento assim impõe, lá fora é "sempre a puxar para cima"!
E não é só uma questão do sentir, é também uma questão de estratégia de imagem e de investimentos. O destemido, agora eleito vereador e portanto ligado às responsabilidades da imagem exterior da cidade, conseguiu uma nova façanha. Com uma só acção, num ápice, conseguiu anular todo o investimento de campanhas como a do West Coast of Europe e outros esforços similares. Aliás nunca tamanha proeza foi alcançada.
Conseguir a custo zero uma campanha de promoção política e pessoal e alcançar um prejuízo de milhares e milhares de euros, se contabilizarmos os custos de todas as campanhas de promoção de imagem do país e da cidade. É obra!
Senhor presidente da Câmara Municipal de Lisboa, será que o Zé ainda faz falta?
Historiador de Arquitectura»
28/04/2008
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