Exmos. Senhores,
1. Felicito-vos pelo vosso blog, do qual tomei conhecimento através do site da TVI quando andava à procura da reportagem intitulada «Catástrofe Anunciada», sobre os perigos em situações sísmicas a que a Lisboa Pombalina está particularmente sujeita (os quais vieram para a ordem do dia fruto da lamentável ocorrência no Haiti), a qual me suscitou algumas reflexões que tomo a liberdade de partilhar convosco dado o vosso interesse pelo “estado de saúde” de Lisboa:
Na verdade, o título bem poderia ter sido «Catástrofe anúnciada ou Os Srs. dos hotéis tomam conta da Câmara», pois um dos casos ilustrado na reportagem prendia-se exactamente com um edifício situado no Rossio e Praça da Figueira, com projecto já aprovado para ser alterado para um hotel de 5 estrelas.
Mas não é o único. Ele há mais situações e, curiosamente, até dentro do mesmo ramo de comércio, como é mais esta situação de que vos dou conta.
2. É um facto que a baixa de Lisboa está repleta de arrendamentos, muitos seculares, em que as rendas existentes não traduzem o valor dos locados a preços actualizados, devido ao Estado nunca ter tido vontade séria de corrigir o desequilíbrio existente entre os direitos e obrigações dos senhorios e inquilinos nesses arrendamentos antigos.
Assim, pese embora diversas recomendações do Provedor de Justiça, as consequências da ausência de vontade política de chamar para o Estado a obrigação cívica de solidariedade social que este imputa aos senhorios, teve como consequência a degradação de grande parte dos imóveis em que existem tais contratos e os inquilinos assumirem-se donos e senhores dos locados, actuando bastas vezes sem sequer informarem os senhorios do que planeiam fazer nos imóveis e porque motivos, agindo impunemente.
A situação é tão mais gravosa e paradoxal, quando o Estado exige forçando os senhorios a serem solidários para com as sociedades comerciais suas inquilinas, quando o fim destas é precisamente saberem gerir a sua própria actividade de forma lucrativa. (Num à parte, talvez aqui esteja, também, um dos problemas chave na dita crise de negócio naquele que é considerado o “Maior Centro Comercial a Céu Aberto na Baixa Lisboeta”: a desnecessidade dos comerciantes locais se adaptarem às novas exigências dos consumidores, inovando e modernizando, por forma a criarem algo mais do que o valor suficiente para o seu sustento diário é perniciosa para o crescimento sustentado da própria economia).
Ora, como o Dr. António Costa quer resolver o problema gerado por anos e anos de desequilíbrio social gerado pelo Estado e não aproveitou a oportunidade enquanto foi Ministro da Justiça, ao invés de aproveitar agora para abordar o cerne do problema com o seu camarada Engº. Sócrates, procurando gerar uma nova Lei do arrendamento que se verifique socialmente eficaz e equilibrada (por exemplo, deixando a lei da procura e da oferta auto-regular o mercado do arrendamento) ou, tal como fez o Dr. Santana Lopes para a Baixa-Chiado, cativar fundos para dar condições reais e efectivas aos proprietários que lhes permitam meios para cooperar com a câmara na reabilitação e revitalização de Lisboa, prefere deixar entrar pela fresta dos fundos o que não é permitido entrar pela porta da frente. Assim, substituiu-se aos proprietários dando autorizações a projectos de alteração de obra em edifícios classificados da Baixa Pombalina Lisboeta, em evidente violação das Leis administrativas em violação do REGEU, PDM, RJEU e Cód. Procedimento Administrativo sobre o urbanismo e edificação e, no caso concreto que vos relato, em evidente violação do contrato de arrendamento e, até, quando os proprietários senhorios expressamente se opuseram à realização de obra por envolver alteração da configuração estrutural e de divisões.
3. No caso concreto, o problema é que o inquilino fez obras de alteração das divisões e de estrutura sem autorização dos senhorios e sem licenciamento prévio ou sequer aprovação prévia de projectos de arquitectura e de especialidades, durante cerca de 5 anos, num hotel na baixa pombalina.
Tais obras foram, precisamente, objecto de sucessivos embargos, ordens de encerramento imediato do estabelecimento e de reposição da situação antes da sua realização.
A violação reiterada pelo dono da obra gerou vários processos camarários por crime de desobediência.
Nesta sequência, lá o inquilino apresentou a meio das obras um projecto de alteração de obras que apenas submeteu à apreciação camarária.
Então, mesmo depois da câmara considerar superados os problemas técnicos, sempre subsistiu o entendimento da necessidade de autorização dos senhorios para que ela se pudesse pronunciar sobre o projecto a meio apresentado para legalização das ditas obras. Isto, até porque atentas as obras em curso e projectadas, é formalmente evidente que o próprio contrato de arrendamento exige tal consentimento para a realização de obras que alterem as divisões internas ou a configuração do prédio, devendo ser apresentados aos senhorios uma projecto de obra para ser devidamente apreciado e quando autorizado poderiam as obras ser fiscalizadas pelos mesmos.
Defendendo tal necessidade chegou a haver uma decisão do Vereador responsável, em Agosto de 2009, que, usando dos poderes de delegação que lhe foram atribuídos, e apoiado por um parecer jurídico da própria câmara sobre a necessidade ou não de consentimento dos senhorios, recusou – e bem – a apreciação do projecto apresentado pelo inquilino, exactamente pelo facto do pedido não estar instruído com a aquiescência do proprietário. (Aliás, independentemente dos relatórios dos técnicos da câmara e do seu mérito, a decisão até estava apoiada pelo critério da evidência decorrente dos elementos juntos ao processo, até pelo próprio infractor, que confessa estar convicto de que necessita de autorização dos proprietários para legalizar as obras que sub-repticiamente levou a cabo e junta contrato de arrendamento que, interpretado com a análise dos projectos com amarelos e vermelhos, torna formalmente clara a necessidade dessa autorização).
Mas eis que, curiosamente, sem haver qualquer nova factualidade desde a decisão de 2009 do Vereador e até finais de Janeiro de 2010 (a não ser o facto de haver uma decisão final do tribunal administrativo que confirma a legitimidade da Câmara para ordenar o encerramento imediato do estabelecimento), o mês passado, o Sr. Vereador dá o que disse por não dito e o Sr. Presidente, avocando a si a decisão, decide aprovar o projecto.
Curiosamente a decisão foi tomada em meia dúzia de dias e, pasme-se, fê-lo sem nunca dar aos proprietários o direito de serem ouvidos como interessados. E fê-lo mesmo quando há escavações no solo para criar novas divisões e acessos, quando há demolição de fachadas e alterações das mesmas e quando foram abertos vãos em paredes corta-fogo e nas fachadas que não constam sequer do projecto apresentado à câmara, sendo evidentes as alterações estruturais, as quais aumentam o perigo de derrocada em caso sísmico e de propagação de incêndio.
Portanto, recentemente e ao fim de 5 anos de desrespeito da lei e da autoridade da câmara e dos seus titulares, incluindo após levantamento de sucessivos autos de desobediência incluindo processos por crime de desobediência contra o dono da obra, a Câmara que antes defendera que o processo de alterações não estava instruído com todos os elementos necessários à sua apreciação, de repente, sabe-se lá porquê, resolveu dar o dito por não dito e aprová-lo.
4. Sabe-se lá porquê?
Ou talvez se saiba...
É que o Presidente da Câmara de Lisboa assumiu em reunião pública de câmara de 24 de Janeiro de 2010 que ele não vai ter um hotel encerrado na área classificada da Baixa Pombalina….
Mesmo que, tal como resulta de processo de legalização de obras clandestinas conhecidas e levadas a cabo durante 5 anos, a CML não tenha legitimidade sequer para chegar à fase da apreciação do projecto.
Assim se premeia a desobediência e desconsideração da autoridade da CML, reiteradas ao longo dos anos em que decorreram as obras, percepcionando o Dr. António Costa o infractor como uma vítima, e tratando-o a final como tal, ao invés de considerar que, nos termos do bom senso e até da segurança nas relações sociais, o infractor apenas tem de colher os frutos decorrentes da situação em que intencional e voluntariamente se colocou.
Compreendemos o interesse do Sr. Presidente da CML na recuperação do património urbanístico e na valorização na baixa pombalina, o que já nos custa mais aceitar é que o faça à custa e em violação das leis sociais e normativas estabelecidas e à revelia dos legítimos proprietários. Esta actuação põe me evidência haver uma desvalorização dos necessários relacionamento e cooperação entre a câmara e os legítimos proprietários como interlocutores privilegiados para a preservação e valorização do património histórico pombalino.
Assim, parece que no seu afã reformista - quiçá revolucionário uma vez que pretende reformar não dentro da legalidade mas contra a ordem estabelecida -, faz jus àquilo que de pior a opinião pública vê nos políticos, a saber: que para eles os fins justificam os meios, esquecendo a função primordial da presidência da câmara de assegurar a promoção e melhoria dos munícipes e do município e assegurando que tudo isso corre dentro do respeito material e formal pela lei.
Afinal o crime compensa e quem manda na câmara são os Srs dos Hotéis e não o Presidente da Câmara a quem compete zelar pelo cumprimento da lei.
Acreditamos e estamos convictos que o que move o Sr. Presidente da Câmara são apenas os interesses eleitoralistas de apresentar obra feita.
Com os meus melhores cumprimentos, encontro-me à vossa disposição para quaisquer esclarecimentos que entendam úteis.
Susana Paiva
3 comentários:
Realmente, quem vê caras não vê corações...alterando-se a bel prazer todo o património legado histórico de Lisboa à pato-bravo, sem respeito pelos proprietários, pelas leis deste país.
Mantém-se a política de antes do 25de Abril do facto consumado, com o completo desrespeito dos direitos liberdades e garantias dos municipes.
omg.. que ridiculo..
Mas aquilo até está com uma cor bonitinha, para quê causar maçadas...
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