20/11/2010

Os novos "donos" do velho bingo do Sporting

In Jornal de Notícias (20/11/2010)
Telma Roque


«Decrépito, vandalizado, repleto de lixo e de chagas causadas por um fogo, o edifício que durante anos acolheu o bingo do Sporting, serve hoje de habitação fixa a três sem-abrigo. Transformaram uma das salas em quarto, apertado mas decorado a preceito.

Das muitas janelas com vidros partidos do velho bingo, que o Sporting vendeu a uma empresa do ramo imobiliário, há lixo a perder de vista e carcaças de máquinas de jogos. O entulho, muito dele carbonizado, e a ausência de electricidade torna o edifício labiríntico, mas Manuel Barbosa, um dos moradores, avança com destreza por entre os corredores escuros, conduzindo a equipa de reportagem do JN ao pequeno quarto que partilha com outros dois sem-abrigo.

Os amigos escondem-se. Um deles tem bom porte e já teve uma vida abastada, que desmoronou com o consumo de heroína e cocaína. É Manuel Barbosa que "governa" e apresenta a modesta casa improvisada: três camas, mesas-de-cabeceira, espelhos, santinhas, posters, uma mesa de cozinha, panos a fazer as vezes de cortinados. Está tudo arrumado. Ainda assim, Manuel Barbosa desculpa-se. "Hoje, vamos fazer uma faxina. Vai ficar tudo mais arrumado".

Manuel Barbosa tem 47 anos. É natural de Gondomar, de onde partiu aos 17 anos. Contou que começou "a dar na fruta" muito cedo. Viciado em drogas duras, o mais novo dos sete irmãos, chegou a um ponto em que só lhe restavam três alternativas: roubar a família, roubar os vizinhos ou partir para longe. "Não queria envergonhar a minha família. Peguei numa mochila e fui para Espanha. Logo no primeiro dia, acabei por seu roubado. Fiquei sem nada.

Em Espanha, onde andou 10 anos, roubava para alimentar o vício. Um dia foi apanhado pela polícia. Entre a cadeia e a expulsão, escolheu a liberdade. Veio escoltado até Valença do Minho. Depois rumou a Lisboa. Está na rua há 30 anos. Nunca voltou a Gondomar ou contactou a família.

Manuel trocou a heroína pela metadona. Já tem conta bancária, uma dentadura postiça para lhe elevar a auto-estima e espera arrastar um dos colegas de quarto - o tal que tem bom porte - para a cura. "Ele é um crânio dos computadores", assegura, voltando-se para o colega. "Ainda fazes trabalhos por conta própria?", perguntou-lhe Manuel. O rapaz baixou o rosto e apenas soltou: "Achas? Se eu não sou capaz sequer de administrar a própria vida..."

A polícia que patrulha a zona sabe que o edifício está ocupado pelos três homens, que abrem e fecham as portas do velho bingo como se de uma vivenda se tratasse. Assumem-se como uma espécie de zeladores do que resta, até ao dia em que a Multi Development , proprietária do espaço, resolva demolir o edifício.

Contactada pelo JN, a empresa do ramo imobiliário não se mostrou disponível para prestar declarações sobre o actual estado em que o edifício se encontra.»

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