03/04/2007

Lisboa e o Rio


O desordenamento urbanístico que suburbanizou as cidades portuguesas foi, em grande parte, causado pelas autarquias, apesar de lhes serem atribuídas as grande virtualidades da democracia nos últimos trinta anos.

A dependência e as relações pouco claras com construtores civis; a desresponsabilização dos titulares dos cargos políticos pelos atentados urbanísticos e ambientais e a visão limitada dos ciclos eleitorais, transformaram muitas cidades em urbes terceiro-mundistas, afastando-se dos padrões de qualidade europeus.

As anunciadas transformações urbanísticas de Lisboa, têm-se transformado em autênticos becos sem saída, mercê da falta de planeamento e traçado da(s) vocação(ões) e apetência(s) da capital do país. Mencione-se o túnel do marquês que ameaça acabar com o eixo central da cidade, transformando-o numa auto-estrada; Alcântara em vias de ser um “paliteiro” densamente povoado; Telheiras, que de bairro de qualidade, transformou-se num qualquer subúrbio; o Parque das Nações que, de exemplo da execpção, passa a cofirmação do poder dos “patos bravos”, e o Casino nascendo da destruição de uma das heranças da Expo98, o belíssimo Pavilhão do Futuro.

Agora, em 15km de frente ribeirinha de Lisboa, escolhem-se precisamente as frentes dos bairros históricos, onde o estacionamento é inexistente e onde as inundações são frequentes para se praticar maiores agressões que se pode imaginar, alterando a paisagem que é imagem de marca da cidade.

Nunca esta zona poderá ser considerada património mundial se dos miradouros da zona histórica, a visão do rio se transfigurar com engenhos metálicos e luzes intermitentes e blocos de apartamentos de qualidade duvidosa e as ruas estreitas se inundarem de carros que evitarão os eventuais parques de estacionamento.

Contra a renovação, recuperação e protecção da identidade de um imaginário colectivo, a Câmara de Lisboa e a Administração do Porto de Lisboa espetam, no coração de Lisboa, uma seta envenenada, esquecendo o que são intervenções sóbrias, consistentes e coerentes em áreas sensíveis.

Que imagem terá a cidade europeia com mais cruzeiros turísticos se, mesmo ao lado, no novo terminal de cruzeiros, os turistas se esforçarem por descortinar a verdadeira Lisboa por entre betão? Será que trazer mais população e atractividade para o centro da área metropolitana signifia matar esse mesmo centro e transormá-lo num subúrbio?

Veja-se o que está a acontecer na faixa ribeirinha da Baixa ao Parque das Nações, no Cais do Sodré, em Alcântara, no Jardim do Tabaco em que a única explicação se funda na satisfação dos interesses imobiliários do Porto de Lisboa e da Edilidade. Acresce que a experiência de várias cidades mostra que é possível a convivência entre um porto e uma cidade, em que as actividades pesadas são transferidas (para a margem sul por exemplo) e as outras (cruzeiros) mantêm-se no centro da cidade, mas livrando-a do tráfego pesado de mercadorias.

Porque não jardins, espaços verdes ou um passeio marítimo ao invés de mais betonização e ainda mais grades que nos fazem ver o rio aos quadradinhos? Com tantos espaços desta cidade por explorar e dinamizar é difícil acreditar que tenha sido esta a escolha.

Com uma das cidades mais antigas e, apesar de tudo, preservadas da Europa, é difícil acreditar que o seu responsável queira forrar a inox a alma de Lisboa.

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