PÚBLICO 03.05.2008, Ana Fonseca Pereira, em Estocolmo
Nova política já reduziu 20 por cento do trânsito
Os pórticos passam despercebidos, mas quem chega a Estocolmo apostado em conhecer uma das mais recentes inovações ambientais suecas identifica facilmente os postes metálicos com câmaras, antenas e detectores. Desde o Verão passado que, para entrar ou sair da capital sueca durante o dia, os automobilistas têm de pagar portagem - que se chama imposto de congestão -, uma medida destinada a reduzir o tráfego e a melhorar a qualidade do ar na maior metrópole da Escandinávia, com quase dois milhões de habitantes. Foram instalados 18 pontos de controlo nos principais acessos ao centro de Estocolmo, sendo os veículos identificados através do reconhecimento óptico da matrícula. O valor da portagem varia ao longo do dia (as horas de ponta são mais penalizadas) e cada entrada e saída é taxada, até a um montante máximo diário de 60 coroas (6,4 euros). Durante a noite, ao fim-de-semana, feriados e em Julho não é paga qualquer portagem e os "veículos ecológicos" e transportes públicos estão isentos.As portagens devem ser pagas num período de 14 dias, e 75 por cento dos utilizadores frequentes optam pelo débito directo. O sistema, semelhante ao de Londres e de cidades norueguesas, foi referendado em 2006, em simultâneo com as eleições legislativas, após um período de teste de sete meses. Para surpresa de muitos, o "sim" venceu no município de Estocolmo e o novo Governo liberal - que antes se batera contra as portagens - avançou com a medida, ainda que tenha canalizado as receitas para a construção de novas estradas. Nove meses depois, há menos 10 a 20 por cento de trânsito (conforme a hora), e a tendência é para aumentar.
Num país onde lucro rima com ambiente, há uma pequena cidade em construção que quer reduzir para metade a pegada ecológica habitual na Suécia, o rei usa agora um carro alimentado a energia alternativa e a reciclagem é um hábito tão natural como beber água. Na Suécia tudo isto é tão natural que os suecos têm dificuldade em compreender a insensibilidade ambiental de outros países.Os suecos têm uma forte ligação à terra - em Estocolmo, as pessoas competem pelo aluguer de um pequena horta no centro da cidade - e a educação ambiental começa nos primeiros anos da infância. Pergunta-se a 10 suecos porque é que se preocupam com as questões ambientais e todos dizem que menos poluição significa mais qualidade de vida. Óbvio. Exemplo disso é Hammarby Sjöstad, uma nova área residencial de Estocolmo nascida num antigo ponto negro da capital, onde até ao início dos anos 90 se erguiam oficinas e estaleiros, num processo em semelhante ao sofrido pelo Parque Expo, em Lisboa. De início, a reconversão da área foi pensada para albergar os Jogos Olímpicos de 2004, mas a candidatura sueca foi ultrapassada por Atenas e os edifícios de habitação substituíram os estádios projectados para o local.Erguida nas margens do lago Hammarby Sjö, a nova cidade foi pensada de raiz para dar conforto aos habitantes e, em simultâneo, estabelecer novos padrões ambientais urbanos. A arquitectura moderna sueca é visível em todos os edifícios, de grandes janelas e varandas, construídos de forma a poupar o máximo de energia. No exterior, multiplicam-se enormes espaços verdes, os canais de água e as zonas pedonais. As ciclovias e transportes públicos frequentes convidam a deixar os carros na garagem. A ideia parece ter funcionado, já que num normal dia de semana a única congestão visível nas ruas é a de coloridos carrinhos de bebé.Quando toda a construção tiver terminado, Hammarby terá mais de 25 mil habitantes, e os promotores desta "cidade do futuro" dizem que este modelo ambiental tem como resultado metade da pegada ecológica em comparação com zonas residenciais construídas em Estocolmo no anos 1990. Quando se mudam, os novos habitantes assumem o compromisso de reduzir em quase metade o consumo de água, mas a diminuição do stress ambiental não depende só da vontade individual. A água dos esgotos é tratada e a matéria orgânica resultante serve para produzir biogás (usado depois nas cozinhas de alguns apartamentos ou na produção de energia), enquanto a água restante acaba por ser usada no sistema de aquecimento das casas. Vários edifícios estão equipados com painéis solares que produzem metade da energia necessária para a água quente usada pelos residentes. A recolha do lixo é feita graças a um sistema automatizado subterrâneo que, com recurso a vácuo, transporta os detritos de pequenos pontos de recolha à superfície para centrais de tratamento. E há um pormenor muito sueco neste sistema: os pontos de recolha do lixo, seja papel, lixo orgânico ou combustível, estão sempre em locais bem visíveis nos jardins, em frente aos apartamentos, para que todos vejam se a separação é bem feita e nenhum lixo é deixado fora do sítio. A reciclagem é, aliás, um ponto de honra na Suécia, país que ocupa o terceiro lugar do Índice de Desempenho Ambiental, ultrapassado apenas pela Suíça e a Noruega (Portugal é 18º). Só a título de exemplo, em 2007, os nove milhões de suecos reciclaram 630 toneladas de papel, mais do dobro do que os portugueses, e 183 mil toneladas de metal (cinco vezes mais).
O fim do petróleo
Sem os recursos petrolíferos da Noruega, há três anos a Suécia assumiu a prioridade de diminuir a sua dependência dos combustíveis fósseis. A medida é económica mas também ambiental, já que o país se comprometeu a reduzir, até 2050, as emissões de gases com efeito de estufa para metade dos níveis actuais. Este é um objectivo muito mais ambicioso do que os 20 por cento de redução até 2020 propostos pela Comissão Europeia e Estocolmo não hesita em usar a sua principal arma - os impostos - para penalizar os sectores mais poluentes e premiar as boas práticas. E se a Suécia se mostra orgulhosa de muitas conquistas, uma das medidas mais elogiadas é a generalização do district heating, o aquecimento de residências e imóveis públicos através de uma rede pública. Este sistema de canalizações de água quente abrange mais de metade dos imóveis do país e aumenta em 50 por cento a eficiência energética quando comparado com o aquecimento individual das casas. Por outro lado, as centrais que alimentam o sistema de aquecimento quase já não recorrem ao petróleo, substituído nos últimos anos pela biomassa (resultante da queima de lixo orgânico e sobrantes de várias origens) e, em alguns pontos do país, estas mesmas centrais permitem já a produção de electricidade. Os progressos são mais difíceis no sector dos transportes, num país que alberga dois importantes construtores automóveis (Volvo e Saab) e que é conhecido pelo seu apego aos veículos de grande cilindrada. Para contrariar a tendência, em Abril de 2007 o governo passou a abater 10 mil coroas (1070 euros) no preço dos "carros ecológicos" - híbridos, eléctricos, movidos a energias alternativas como o etanol e o biogás e ainda os que, apesar de utilizarem combustíveis tradicionais, emitem reduzidas quantidades de partículas e CO2.Cidades como Estocolmo ou Malmö adoptaram incentivos adicionais, como a isenção de taxas de estacionamento ou de portagens (ver caixa), ao mesmo tempo que impõem aos concessionários de transportes e serviços o uso de "veículos limpos". Táxis com dísticos verdes ou autocarros movidos a biogás circulam agora nas ruas de Estocolmo, lado a lado com os carros e jipes suecos de alta cilindrada. Segundo dados do município de Estocolmo, um em cada cinco carros matriculados em 2007 na cidade integravam esta categoria (número idêntico ao resto do país), sendo que dois terços eram movidos a E85 (mistura de 85 por cento de etanol e 15 por cento de gasolina). Em Portugal, só os veículos híbridos têm expressão no mercado, e representaram, no mesmo ano, apenas 0,7 por cento do total de carros vendidos em Portugal. O próprio rei Carlos XVI Gustavo, conhecido amante de automóveis, tem um "pequeno" Volvo C30 azul metalizado, equipado com motor flexifuel, que usa nas deslocações entre o Palácio Real e a sua residência nos arredores de Estocolmo. Numa entrevista, esta semana, a jornalistas portugueses, defendeu o recurso ao etanol como solução transitória, ainda que este combustível (fabricado essencialmente a partir de cana-de-açúcar, milho ou beterraba) seja apontado como um dos responsáveis pela escalada de preços na alimentação. O monarca atribui o fenómeno à seca que afectou muitos países produtores e à má distribuição de recursos: "Há terra suficiente para cultivar alimentos e biocombustíveis."A pressão ambiental é tanta, contou um jornalista sueco, que até o novo primeiro-ministro sueco, o liberal Fredrik Reinfeldt, durante anos criticado pelo seu desinteresse ecológico, se viu obrigado a inverter o caminho e hoje não faz um discurso em que não use a palavra "ambiente".
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10 comentários:
Acho que o blog pode mudar o nome de "CIDADania Lx" para "CAMPOnaria Lx".
Seria mais fidedigno da imagem para Lisboa aqui preconizada.
Sugere o anterior que Lisboa passa de CIDADE para CAMPO se adpotar medidas ambientais.Que bom!
Era da maneira que os "urbano-depressivos" emigravam todos para Barcelona!
Veja-se o artigo do Prof. Campos e Cunha "A gargalhada" no Público de há dias,sobre as portangens a favor dos lisboetas.
4-5-08 Lobo Villa
Excelente relato e inspirador exemplo!
Pena terem destruído os viáveis carros eléctricos produzidos e comercializados nos EUA nos anos 90.
As casmurrice leva tempo a expurgar.
Frequentador habitual deste blogue que presta verdadeiro serviço público aos Lisboetas, permito-me fazer uma chamada de atenção.
Por favor, publiquem posts mais pequenos. Os grandes são muito maçadores de ler.
(e no caso de ser um artigo, basta publicar a ligaçao).
A leitura na internet, em especila nos blogues, quer-se rápida.
Obrigado
Acabei de voltar de Estocolmo, onde fui passar os últimos 4 dias. Desloquei-me de bicicleta pública na cidade e adorei a capital da Suécia. Quando cheguei ao aeroporto apanhei o autocarro e fui junto a uma janela a observar... É chocante a diferença de Estocolmo para cá. Mudei do dia para a noite em 4 horas de voo...Prédios degradados, poucas pessoas a circular na rua sem ser de carro, lixo, o próprio aspecto das pessoas a reflectir a miséria (acima de tudo espiritual) que se vive aqui... Penso que precisamos de uma séria mudança de mentalidades e de um investimento muito grande na educação das pessoas, criando-lhes valores de cidadania, solidariedade e respeito mútuo que há muito deixaram de estar presentes na mente da esmagadora maioria dos portugueses. Enquanto a maioria de nós tiver a mentalidade do primeiro comentador deste post estamos entregues á bicharada....
De grande elevação moral este último comentário. Mais uma tirada de anti-lusitanismo saloio, estrangeiro é que é bom (compara-se sempre com a suecia, não com a america latina), banalidades politicamente correctas e vazias, inversão de causa e efeito, receitas acéfalas, enfim, falácias quanto baste.
"receitas acéfalas"
És mesmo um gajo iluminado. Vamos lá vêr se consigo perceber - o que dizes é que os Suecos estão a adoptar um modelo de desenvolvimento errado, e a destruír as suas cidades. Dois comentários para ti:
1 porque não te deslocas a Estocolmo e experimentas passear um pouco por lá para te aperceberes da qualidade de vida numa cidade que restringe os carros particulares
2 e mais importante: PORQUE NÃO TE CALAS!!!!
A falácia da autoridade fica-lhe mal. Eu percebo que o meu silêncio seria muito oportuno ao sr anonimo. Mas não lhe faço a vontade :)
Agora que os combustíveis portugueses já aumentaram 18 vezes NESTE ANO de 2008,e 2 vezes NESTA SEMANA de Maio,graças ao especulativo,vampiresco,fraudulentoe criminoso FISCO Socratino(que "arrecada" + de60% do seu custo real) talvez agora se entenda melhor porque é que o Lobby automóvel ganha sempre,sempre com mais estradas,túneis,pontes(etc) desnecessárias e porque nunca haverá uma política ambiental,e porque nunca haverá portagens na entrada de Lisboa...O FISCO é contra os cidadãos e contra o ambiente! Despudoradamente!!!
16-5-08 Lobo Villa
Ao menos nisto deviamos estar unidos, na defesa de lisboa...enfim...
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