02/09/2008

In Público (2/9/2008)

Prejuízos da Carris ultrapassam o valor de uma frota de mais de três mil autocarros

02.09.2008, Ana Henriques


Revisor oficial de contas preocupado com capacidade da empresa para manter a actividade sem que as dotações de capital do Estado, supensas há cinco anos, sejam retomadas


Imagine três mil autocarros a estrear, alinhados lado a lado. O seu valor é um pouco inferior aos prejuízos que a Carris tinha acumulado até ao final do ano passado. Se falarmos em autocarros a gás natural, que são mais caros do que os a diesel, mesmo assim são mais de dois mil autocarros.
O revisor oficial de contas da empresa mostra-se preocupado com a situação a que ela chegou, e levanta dúvidas sobre a possibilidade de ela continuar a assegurar os seus serviços nos moldes em que o tem feito, quando há cinco anos que o Estado, o seu único accionista, lhe suspendeu as dotações de capital.
Para se manter a rodar, a transportadora - que conta com uma frota de 750 autocarros, 55 eléctricos e quatro elevadores - tem recorrido a empréstimos bancários. Resultado: por cada dia que passa paga 25 mil euros de juros, mais de nove milhões por ano. "A continuidade das operações socialmente indispensáveis que a Carris desenvolve está dependente da manutenção do suporte financeiro do Estado, compensando, de forma objectiva, a insuficiência dos preços sociais praticados para a cobertura dos custos suportados e saneando a situação financeira deficitária", refere o revisor sobre as contas de 2007.
Esta afirmação repete aquilo que o técnico já tinha escrito na certificação de contas de 2006, e que segundo o Código das Sociedades Comerciais só tem uma de três soluções: a dissolução da empresa, o reforço de capital pelos sócios ou a redução do capital social para montante não inferior ao capital próprio da sociedade. A Carris já perdeu todo o capital social.
A situação não parece, no entanto, afligir a vogal da administração da empresa Isabel Cabaço Antunes, que recorda que há muito que os relatórios dos revisores oficiais de contas da transportadora são deste teor. "Não é a situação financeira que nos vai impedir de prestarmos um bom serviço", diz a administradora.
Mas, dado que o Código das Sociedades Comerciais prevê que seja tomada uma daquelas três medidas, o que foi feito até hoje? "O Estado sabe em que condições estamos a gerir a empresa", responde Isabel Cabaço Antunes, sem se alongar em explicações. "Quando tiver condições para resolver a situação desta e de outras operadoras de transportes, fá-lo-á. Resolver um problema estrutural como este não está ao nosso alcance".
Não é apenas em Portugal que as operadoras são deficitárias. Tal como outras transportadoras públicas e privadas, também a Carris tem recebido do Estado indemnizações compensatórias, verbas atribuídas aos prestadores de serviços públicos para manterem os preços baixos. Mas nem o aumento dessas indemnizações nem o facto de não ter adquirido novos veículos em 2007 foram suficientes para a Carris minorar o problema de forma significativa. Em Maio, o seu presidente dizia que já tinha gasto um milhão e 250 mil euros a mais que do que em 2007 em combustíveis, devido à subida do petróleo.
A administradora sabe que o equilíbrio financeiro dos transportes públicos passa pelo aumento do número de passageiros. "Não conseguimos conquistar mais clientes", admite. O que não admira: entre 2003 e 2007 a velocidade média dos autocarros não chegou sequer os 15 quilómetros/hora, com propensão para descer. "É do trânsito", observa Isabel Cabaço Antunes. Apesar de tudo, em 2007 verificou-se uma inversão da tendência de perda continuada de passageiros da Carris, tendo sido registado um ligeiro aumento da procura.
O PÚBLICO tentou falar com a secretária de Estado dos Transportes, mas não foi possível. Depois de ter revelado, no ano passado, que o Governo tenciona, na próxima legislatura, concessionar a gestão da Carris e da sua congénere do Porto a privados, Ana Paula Vitorino anunciou há poucos dias que encomendou um estudo à consultora McKinsey para solucionar a questão dos passivos.»

O engraçado destas coisas é que as empresas públicas e as empresas municipais acumuluam sistematicamente prejuízos atrás de prejuízos. Ainda se, no caso dos transportes públicos, ou do estacionamento em Lisboa, isso significasse bem estar para os cidadãos, e 'apenas' má gestão funcional, mas não: é que os objectivos para que existem nunca são atingidos. Mas, nada de mais: ninguém é punido, e não é raro ver-se gestores dessas empresas 'premiados' com novas colocações onde irão fazer exactamente o mesmo. Que avance quem acha que não é fantástico o cargo de gestor público!

1 comentário:

Anónimo disse...

É sempre interessante de notar, como o fracasso e a incompetência (de alguns), são bem premiados em certas sociedades. Seguramente, a maneira mais efectiva de manter tudo na mesma e, por o que se tem visto em Portugal nas últimas décadas, o modus operandi de eleição. Enfim...um sucesso!!!!

JA