05/03/2009

Igespar pode anular venda da moradia com painéis de Almada

In Público (5/3/2009)
Ana Henriques

«Informação falsa na escritura fez com que Instituto do Património não tenha sido chamado a pronunciar-se

O Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico (Igespar) tem um ano para pedir ao Ministério Público a anulação da venda da moradia do Restelo de cuja fachada foram removidos há duas semanas azulejos de Almada Negreiros.
Acontece que da escritura de compra e venda consta uma informação falsa, a de que a Rua da Alcolena, onde se situa o imóvel, "não se encontra em área abrangida por servidão administrativa do património cultural". Ora, segundo o Igespar, embora a casa não esteja, efectivamente, classificada, está abrangida pela zona especial de protecção de quatro outros edifícios, entre os quais as capelas de S. Jerónimo e de Santo Cristo. Segundo a Lei do Património Cultural, "as zonas de protecção são servidões administrativas nas quais não podem ser concedidas pelo município, nem por outra entidade, licenças para obras de construção e para quaisquer trabalhos que alterem (...) o revestimento exterior dos edifícios sem prévio parecer favorável da administração do património cultural competente".
Em causa podem estar não uma mas duas ilegalidades: por um lado, a retirada dos azulejos, que só podia ter sido feita com autorização escrita do Igespar; por outro, este organismo tem direito de preferência na compra de imóveis situados em zonas protegidas, pelo que devia ter sido informado pelo seu vendedor, a empresa Principado do Restelo, da venda e respectivas condições.
Ontem ficou a saber-se que o contrato-promessa de compra e venda da moradia mantém na posse da Principado do Restelo os azulejos da fachada - apesar de a escritura através da qual foi concretizado o negócio, no dia 5 de Janeiro, não fazer qualquer alusão a esta reserva. "Os painéis de azulejos são excluídos do prédio objecto do presente contrato-promessa, ficando a promitente vendedora [a Principado do Restelo] obrigada a retirá-los no prazo de 90 dias, sob pena de se considerarem incluídos no prédio prometido vender", refere o documento, de 19 de Dezembro.
Perante esta nova informação, e todo o imbróglio jurídico que adivinham avizinhar-se, os vereadores da Câmara de Lisboa adiaram ontem uma vez mais a votação de uma proposta destinada a classificar a moradia com os respectivos azulejos como imóvel de valor concelhio. Apenas o vereador dos Espaços Verdes Sá Fernandes se adiantou solicitando ao Igespar a classificação apenas dos painéis. O autarca considera que mais importante do que classificar o edifício é salvar a obra de Almada Negreiros.
Painéis indissociáveis
Só que outros vereadores, como o arquitecto Manuel Salgado, do Urbanismo, entendem que não é possível dissociar os azulejos da moradia. Esse é, também, o entendimento do Igespar. "O imóvel no seu todo - incluindo os painéis - é representativo da produção arquitectónica moderna portuguesa dos anos 50 na cidade de Lisboa, que interessa salvaguardar", refere um parecer do instituto. Estes especialistas falam do "elevado valor patrimonial/cultural dos painéis", que fazem parte "de um projecto global de integração de várias artes num mesmo projecto, convocando uma relação estreita entre as artes decorativas (os azulejos e alguns baixos relevos em barro) e a arquitectura". E sugerem que a Câmara classifique tudo como imóvel de interesse municipal. Almada Negreiros era amigo do proprietário inicial da casa. O seu trabalho foi por isso feito especialmente para aquela moradia. E não foram apenas estes painéis. Segundo ontem contou a vereadora Helena Roseta, dos Cidadãos por Lisboa, havia ainda um vitral, que foi há anos a leilão por 12.500 euros, tendo sido arrematado pela Assembleia da República.
Quanto aos azulejos, os responsáveis da Principado do Restelo disseram à câmara que não os destruíram, apenas tendo removido parte deles. "Acho extraordinário que as pessoas tenham uma jóia e precisem de a partir aos bocadinhos para a vender", argumentou Roseta. Os novos donos da moradia são filhos do construtor civil Vítor Santos e pediram à autarquia para demolir a casa. »

5 comentários:

J A disse...

O Sr. Sá Fernandes deve-se dedicar a coisas que percebe....

Anónimo disse...

Uns são filhos e outros entiados...as trabalhadas sucedem-se é triste e desolador.
Vão pagar estas e outras irresponsabilidades nas urnas.

Anónimo disse...

LOBO VILLA 5-3-09

Como alguém deste blog dizia,a Arquitectura do Arq. António Varela é o fundamental(claro que os azulejos e o resto, a integram),
sendo como foi o primeiro arquitecto moderno,um percursor do Modernismo em Portugal,como dizia Keil do Amaral !
O Ipar-ou-Igespar e a CML andam como sempre a anos-luz da realidade, agora discutem os azulejos e sobretudo imbecilidaes outras,quando na verdade é uma arquitectura PIONEIRA e de PRIMEIRA que está em caua.
Imagine-se em Londres, ou Paris, ou mesmo no Rio...onde uma peça PIONEIRA destas estivesse para ser demolida...!!!

Anónimo disse...

A que a CMLIsboa tem a sua parte de culpa, este senhores da PRINCIPADO do RESTELO mas que inicialmente eram ESPÁCIMO, SA uma firma repleta de irregularidades e dividas ao fisco, sabia muito bem que a moradia estava classificada pelo IPPAR e que estavainserida numa zona protegida, mas como os corruptos é que se safam sempre talvez estejamos perante mais um atentado terrivel contra o património, esta moradia não era só feita dos belissimos paineis do Almada Negreiros, toda a sua história, a sua arquitectura, a relação de amizade de Almada com o proprietário de origem, todo o mistério dentro dela, a sua área envolvente, enfim só quem realmente a conhecia por dentro e por fora como eu felizmente conheci é que pode entender e sentir que é um crime o que fizeram.

Anónimo disse...

Sobre o vitral que Almada Negreiros executou para esta casa, a pedido do proprietário José Manuel Ferrão, e sobre a concepção hermética da arquitectura, traçada por António Varela também a pedido deste proprietário e de sua mãe, Maria da Piedade Mota Gomes, há um estudo importante, feito pela Dr.ª Cátia Mourão e publicado em 2007, que até agora ninguém referiu mas que não deve ser esquecido:

MOURÃO, Cátia - «Contributo para análise iconográfica de um vitral de Almada Negreiros», in Revista de História da Arte, N.º 3, Instituto de História da Arte, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, dir. M. Justino Maciel e Raquel Henriques da Silva, Lisboa, Março de 2007.

Neste trabalho percebe-se cabalmente a relevância de preservar a totalidade da moradia e não apenas os azulejos!