In Público (9/3/2009)
«O crime cometido em Belém e denunciado pelo leitor Agostinho Leal Alves (2-3-2009) [construção do Altis Belém Hotel & Spa, com projecto do arquitecto Manuel Salgado] é mais grave ainda do que tapar a visão da Torre de Belém. Pior do que isso foi a destruição de um lugar histórico, pois daquele ponto partiram para a I Travessia Aérea do Atlântico Sul os aviadores Sacadura Cabral e Gago Coutinho. Considero essa travessia um acto de enorme projecção mundial, ao mesmo tempo heróico e científico, o feito maior dos portugueses no século XX.
Naquele lugar devia estar algo que mostrasse ao mundo esse feito, preservando o que ali existia. No edifício destruído [para dar lugar ao hotel] funcionou a antiga Aviação Naval, de que foi fundador e primeiro director o comandante Sacadura Cabral. Fiquei desolado quando, alertado por uma velha amiga, D. Isabel Bandeira de Melo (outra pessoa notável na aviação portuguesa), comecei a ver a construção do hotel.
Ainda tive esperança de que mantivessem o guindaste, na rampa entre a água e o antigo hangar, uma peça de museu. Até isso já desapareceu!
Enquanto todo o mundo conhece o feito de Lindbergh, não sabe que existiu o de Sacadura Cabral e Gago Coutinho, muito mais importante. Este foi em 1922 e o de Lindbergh cinco anos mais tarde, em 1927.
Naquela altura a evolução dos aviões era comparável à que hoje se verifica com os computadores. E o mais importante é que os nossos, dois eminentes geógrafos, inventaram a forma de se navegar pelo ar com a mesma precisão com que se navegava no mar e muito bem o demonstraram na espantosa etapa de Cabo Verde aos Penedos de São Pedro, atingidos impecavelmente ao fim de mais de onze horas de voo sobre o mar.
Lindbergh, um excelente aviador, não fez propriamente navegação, que exige saber, a cada momento, onde se está. Apenas utilizou a bússola e, saindo dos Estados Unidos e apontando a leste, se o motor não parar, chega-se ao lado de cá. O facto de todo o mundo conhecer Lindbergh e ignorar Sacadura Cabral e Gago Coutinho é apenas consequência da apatia e incapacidade dos portugueses, principalmente os mais responsáveis.
Miguel Mota
Membro da Comissão que erigiu o monumento à travessia e aos aviadores, que se encontra do outro lado da doca, perto da Torre de Belém »
09/03/2009
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9 comentários:
Uns são filhos e outros enteados.
Líricos.
è preferível um memorial a um hotal de projecte a cidade e ainda por cima de qualidade arqui´tectónica inegável.
tst tst
Antes era possível ver a Torre de Belém, desde o CCB. Um visão deveras agradável, e um corredor de vista que merecia ser preservado. Para além da Torre de Belém, via-se também a foz e mar. Hoje vê-se uma muralha, neste caso transfigurada de hotel.
A arquitectura não será certamente o motivo pelo qual este edifício será lembrado.
Além do crime de se cortarem as vistas, o hotel é de qualidade inegavelmente MÁ, um mamarracho de extrema horizontalidade, perfeitamente desligado da envolvente, copiado das revistas internacionais. Em Portugal não existe crítica de arquitectura e tudo o que se escreve são textos laudatórios muitas vezes em suplementos pagos directamente pelos promotores e especuladores. Até se pagam viagens de jornalistas ao estrangeiro para ver a "genialidade" do Siza (vidé Museu de Portalegre, Brasil)
Pois. ainda bem que a arte e as opiniões são subjectivas.
Na minha opinião, o hotel tem qualidade arquitectónica, está implantado num sítio fantástico e consegue respirar e deixar respirar a envolvente.
Acho que foi uma boa aposta e não tardará muito em ser referenciado internacionalmente.
Sou um utilizador frequente da Doca do Bom Sucesso, e acho que aquele hotel é uma mais-valia de todos os pontos de vista: é mais bonito do que o horroroso prédio que lá estava; e traz vida e animação àquela Doca, que bem precisa - a Vela Latina consegue o milagre de estar naquele sítio e da esplanada só se verem automóveis e a linha de caminho de ferro.
PS - além de que, aqui entre nós que ninguém nos ouve, a travessia aérea do Atlântico Sul por Sacadura Cabral e Gago Coutinho tem muito que se lhe diga...
Gago Coutinho fica melhor na fotografia da História como inventor do sextante com horizonte artificial.
exacto!
O facto é que tratando-se dum projecto do arq. Manuel Salgado o caso adequire contornos de policia.
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