28/10/2011

Hospital vendido por 11 milhões foi comprado por 21 milhões minutos depois

In Sol (28/10/2011)
Por Luís Rosa


«Negócio do Estado sob suspeita

Antigo hospital de Arroios foi vendido pela Estamo por 11,2 milhões de euros a uma empresa que o revendeu de imediato por mais 10 milhões. O Ministério Público investiga

A ESTAMO, sociedade responsável pela compra e venda de imóveis do Estado, alienou em Novembro de 2004 os terrenos do antigo Hospital de Arroios - um imóvel já muito degradado, em Lisboa -por 11,2 milhões de euros, a duas empresas do grupo Fibeira. No mesmo notário e imediatamente a seguir, o terreno localizado na avenida Almirante Reis foi revendido por 21 milhões de euros a uma sociedade imobiliária espanhola (a Reyal Urbis).

Quatro dias antes destas operações, a Câmara de Lisboa aprovara a construção de habitação e comércio no terreno do antigo hospital quando este ainda era propriedade da Estamo. Este facto poderia explicar a diferença de valores, mas, mesmo assim, o preço pago pelos espanhóis levantou dúvidas à Inspecção-Geral de Finanças (IGF).

Segundo este organismo, que investigou o caso em Junho de 2010, o valor de 21 milhões de euros «ultrapassou largamente, em cerca de 48%, o valor máximo de mercado disponível para a zona» naquele momento- lê-se no relatório da IGF a que o SOL teve acesso.

Corrupção e fraude fiscal, entre outros

O actual presidente da Estamo, Francisco Cal, nega peremptoriamente a possibilidade de ter havido pagamento de 'luvas', mas o valor sobre-avaliado pago pela Reyal Urbis levantou suspeitas, tendo a Direcçãc-Geral de Contribuições e Impostos (DGCI) enviado toda a documentação para o Departamento de Investigação e Acção (DIAP) de Lisboa.

No departamento liderado por Maria José Morgado estão agora a ser investigadas suspeitas de corrupção, fraude fiscal, branqueamento de capitais e peculato.

Ao que o SOL apurou, Ondas Fernandes, administrador da Estamo responsável pelas vendas de imóveis, foi constituído arguido. Ondas Fernandes confirma que foi a Polícia Judiciária quem o constituiu arguido aquando da realização de buscas, mas acrescenta: «Não tendo sido validada a minha constituição de arguido pelo Ministério Público (MP) nos dez dias subsequentes, considero que, neste momento, já não estou nessa condição», afirmou. Contudo, o facto de o MP ainda não ter ouvido Ondas Fernandes não significa que ele não seja arguido.

O administrador da Estamo considera ainda o inquérito do DIAP como «normal», mas enfatiza que a IGF não detectou nenhuma ilegalidade e que até elogiou a Estamo.

IGF censura devolução do sinal.

A Estamo comprou o Hospital de Arroios ao Estado no dia 18 de Dezembro de 2001, por cerca de 9,9 milhões de euros, tendo assinado, em Março de 2003, um contrato-promessa com a Imofrança (grupo Fibeira), por 10,6 milhões de euros - um valor próximo dos 11 milhões que a Estamo pedia. Não tinha havido concurso público prévio, mas apenas contactos informais com outras empresas interessadas. Nenhuma, porém, se aproximou dos valores da Imofrança.

Entre Setembro de 2003 e Abril de 2004, foram feitos três aditamentos ao contrato que levaram ao adiamento desse reforço de sinal para o dia da escritura e da data da própria escritura (que estava prevista precisamente para Abril). Tudo porque a Imofrança estava então com dificuldades de liquidez.

Até que a 22 de Novembro de 2004, oito dias antes da assinatura da escritura, a Imofrança alegou dificuldades financeiras e solicitou a rescisão do contrato-promessa. A Estamo, numa decisão censurada pela IGF aceitou devolver o milhão de euros que tinha recebido de sinal. E assinou, no mesmo dia, um novo contrato-promessa, nas mesmas condições, com duas outras empresas do grupo Fibeira - a Afer e a Mavifa -, tendo recebido o mesmo sinal.

A IGF diz que a Estamo «podia ter retido o montante do sinal, ficando livre para renegociar as condições de alienação com (outras) empresas interessadas».

...e suspeita de fuga aos impostos

Nesta troca de papéis entre as empresas do grupo Fibeira, existem ainda suspeitas de evasão fiscal. Caso a Imofrança tivesse feito uma cessão contratual, haveria sempre lugar ao pagamento do IMT. Por isso, a IGF diz que a rescisão do contrato e a assinatura de um novo contrato «poderá ter-se traduzido, objectivamente, na frustração do pagamento do EVTT» no acto da escritura. Aliás, isso mesmo afirmaram, após consulta, os fiscalistas da BDO à Estamo. Contudo, esta questão «não foi relevada pela DGCI», conclui a IGF.

De facto, o Fisco não deu relevo à questão do IMT, mas investigou outra suspeita ao nível do IRC. E concluiu que a rescisão do contrato com a Imofrança «resultou num considerável prejuízo para o Estado».

Isto porque a Imofrança apresentou prejuízos de 77 mil euros em 2004 - logo, a mais-valia de 9,8 milhões de euros da venda feita à Reyal Urbis levaria a um lucro de vários milhões de euros, que estaria sujeito a tributação de IRC.

A 24 de Novembro, dois dias depois dos contratos-promessa entre a Estamo e a Afer/Mavifa, estas duas empresas assinaram um contrato-promessa com a Reyal Urbis em que prometeram vender o imóvel por 21 milhões de euros certos.

O valor ficou condicionado à aprovação por parte da Câmara de Lisboa da construção de um projecto com mais de 17.602 m2 de habitação e comércio. Mas a data da escritura ficou desde logo aprazada para quatro dias depois. Isto é, quando o grupo Fibeira fez o contrato-promessa com os espanhóis, já sabia que iria vender o terreno no mesmo dia em que o compraria: 30 de Novembro de 2004.

Aprovação da Câmara suscita 'dúvidas'

Quando prometeu vender o terreno à Imofrança, a Estamo tinha-lhe passado também uma procuração, autorizando-a a apresentar um projecto de arquitectura na Câmara. Foram apresentados dois que foram rejeitados, tendo o terceiro dado entrada em Junho de 2004.

Este foi aprovado por Eduarda Napoleão, a 26 de Novembro, tendo a notificação sido entregue a 30 de Novembro - o dia das escrituras entre a Estamo e a Afer/Mavifa e entre estas e a Reyal Urbis. A Estamo diz, porém, que não sabia da aprovação do projecto de arquitectura pela autarquia.

Por outro lado, a forma como a Câmara de Lisboa aprovou o projecto de arquitectura suscitou as «maiores dúvidas» à IGF, pois implicava a demolição da quase totalidade do Convento de Arroios - prédio que ocupa 40% do terreno. Aliás, o executivo de António Costa acabou por anular a aprovação do projecto, por violação do PDM.

O terreno do antigo hodpital inclui ainda uma Igreja, que permanece aberta ao público. A Estamo obrigou-se perante o Estado a mantê-la e a transformá-la num prédio independente ou numa fracção autónoma dos novos edifícios. O presidente da Estamo assegura que o projecto de arquitectura da Fibeira não inclui a demolição da Igreja.

O SOL contactou Armando Martins, presidente do grupo Fibeira, mas não obteve qualquer resposta.

O caso dos amigos dos CTT'

NAO é a primeira vez que uma empresa pública surge envolvida mima mais-valia instantânea. O caso da venda de um prédio dos CTT em Coimbra também gerou uma mais-valia de 7,2 milhões de euros em poucos minutos, depois dos Correios terem vendido o imóvel, em Março de 2003, por 14,8 milhões de euros.

O caso foi investigado pelo DIAP de Lisboa, tendo sido encontrada documentação diversa que apontava para o pagamento de 'luvas' aos intervenientes do negócio - como, por exemplo notas manuscritasque tinham a referência 'Amigos dos CTT -1 milhão de euros'.

Apesar de o DIAP de Lisboa ter dado como provado que, logo após a realização da escritura, o advogado da empresa que comprou levantou um milhão de euros em 'dinheiro vivo' e de que boa parte dos 7,2 milhões de euros da mais-valia instantânea terá servido para pagar 'luvas', não foram encontradas provas cabais de que os gestores públicos tivessem recebido dinheiro. Assim, Miguel Horta e Costa, então presidente dos CTT,e mais dois ex-administradores desta empresa pública, foram acusados de administração danosa. O julgamento deverá começar em breve.

Estamo exclui pagamento de 'luvas'

Francisco Cal, presidente da Estamo desde 2008, não teve intervenção no negócio do Hospital de Arroios. Mas defende a actuação da administração anterior, liderada por Plácido Pires, actual presidente da Parpública.

- É plausível que a mais-valia de quase 10 milhões de euros se explique com um eventual pagamento de 'luvas'?

- Não, está completamente fora de causa. Desde o primeiro momento em que vi isto que sei qual é a notícia aqui: é a diferença de preços no mesmo dia. Parece semelhante ao problema dos CTT, em Coimbra, mas não é. A única coisa que posso concluir é que a empresa espanhola, ao que me dizem ligada ao Santander, entrou em Lisboa no sentido de inflacionar preços. Os contornos do negócio da Estamo estão fixados desde o contrato-promessa de Março de 2003 - logo, antes da aprovação de qualquer licenciamento.

- A Estamo abdicou do direito de reter um milhão de euros do sinal pago pela Imofrança. Porquê?

- O grupo Fibeira tinha o direito de indicar outras sociedades para substituírem a posição da Imofrança. A Estamo achou que estava a fazer um bom negócio e quis levá-lo até ao fim. E dissemos: 'façam isso, mas, para isto não ter outra interpretação em termos fiscais, têm de devolver o sinal e fazer outro'. O Fisco avaliou positivamente a nossa interpretação. Embora tenhamos tido alguns problemas com a Direcção-Geral de Impostos e algumas não compreensões por parte da IGF. O relatório da DGCI foi enviado para o Ministério Público para arranjar problemas ao presidente da Parpública (Plácido Pires).

- A Estamo sabia que a Câmara tinha aprovado o projecto urbanístico?

- Não, só tivemos conhecimento quando fomos à autarquia saber da situação.

- A igreja, que a Estamo estava obrigada a preservar e a constituir como prédio independente, foi abrangida pela demolição aprovada pela Câmara?

- Foi aprovada a demolição de grande parte do Convento de Arroios, não da igreja. Já depois dessa aprovação em 2004, o IGESPAR 'entrou' no processo e classificou partes do Convento. O ónus assumido pela Estamo foi transmitido ao grupo Fibeira. Quando houver um loteamento daquele terreno, uma das fracções autónomas será a Igreja, ficando inscrita a favor do Estado.»

6 comentários:

Anónimo disse...

Enquanto não houver gente presa este país não será levado a sério.
Um país que serve de refugio a assassinos, burlões e vigaristas.
Cadeia com esta gente!

Anónimo disse...

e o crime compensa neste País ,sempre.
Cambada de ladrões e depois dizem que nos é que gastamos demais.CML,Governo etc está tudo pejado de corruptos.Depois o funcionário competente e sério é que é posto de parte e enxovalhado.uma vegobnha!!!

Anónimo disse...

A ESTAMO participou na ocultação do défice do Min. da Saúde em 2009 com a trans ferência de cerca de 150 milhões de euros pela "compra" fictícia de dos Hospitais S.José, Capuchos, Sta Marta e Miguel Bombarda, pedindo empréstimos à BANCA.

Foi mais um acto que conduziu o país à falência.

Quem pára estas operações de endividamento.

A Troika sabe disto ????

E actualmente a ESTAMO continua a gastar, ou melhor, a oferecer o nosso dinheiro a arquitectos e especuladores:

Nem o futuro Hospital de Chelas está projectado, nem nada decidido, adjudicou a VÁRIOS ATELIÊS de ARQUITECTURA/ESPECULADORES, ESTUDOS/PROJECTOS, que estão a decorrer, para condomínios e destruição dos Hospitais de S. José, dos Capuchos, de Sta Marta e Miguel Bombarda (este com toda a cerca classificada)

É o nosso dinheiro que vai encher os bolsos desses senhores.

Sabe o actual Ministro das Finanças destes AUMENTOS DE DESPESA da ESTAMO, SEM RETORNO ?????

Anónimo disse...

Bandidos!!!!!!!

Anónimo disse...

A estamo é "intima" do sr. Vereador Salgado, aliás basta ver com atenção os planos e estudos á medida dos interesses imobiliários dos seus "patrões" - e não do interesse da cidade, ou até do país, - que a cml tem feito desde esta invenção da Estamo ou entidades similares. Isto funciona pois a maior parte dos funcionários com medo de serem despedidos fazem o que lhe mandam, sem sequer ter tempo para pensar no crime que também estão a cometer. Além disso, muitos vem dum ensino totalmente mau e subvertido, podem nem perceber qual é o mal...basta ver o silêncio da ordem dos arquitectos, ou por vezes os aplausos,livros e conferências dedicados a estes mafiosos que ajudam a viabilizar a nossa destruição colectiva.
A crise dá uma ajuda nestas facilidades de escravização e estupidificação colectiva, mas tb há-de dar espere os um rombo financeiro grande nestes aldrabões criminosos. No Japão seriam todos presos, até os compradores pois estavam a comprar algo que em verdade é roubado a todos nós.

Anónimo disse...

Esqueçam a troika que é uma vigarice idêntica mas estrangeira, e rezem para que nunca se faça o hospital em Chelas, pois como terreno para uma construção desse tipo, é muito mau. Pensem que se houver sismos ou cheias, mesmo que o edifício tenha a última tecnologia, os terrenos envolventes não terão, assim mesmo que o edifício se safe, para chegar até ele, será um pandemónio...
Parece que é no entanto de propósito, pois num estado que se diz laico escolher o nome de hospital de todos os santos, invocando o histórico hospital com esse nome que existia entre o Rossio e a actual Praça da figueira, e ficou totalmente destruído no terramoto de 1755, é no mínimo surrealista.