06/10/2006

Plano da Baixa-Chiado visto à lupa, ou Iluminismo vs. Ilusionismo?

Enquanto moradores em Lisboa queremos prestar a nossa homenagem à Drª Maria José Nogueira Pinto por ter tomado em mãos a tarefa ciclópica de tentar que as instâncias superiores, os comerciantes, os moradores, e quem visita Lisboa, se decidam, todos e de uma vez por todas, a levar por diante a revitalização da Baixa-Chiado. A sua capacidade em arregimentar nomes e instituições para a causa, e a projecção que tem conseguido junto dos órgãos de informação é notável. Por isso esta homenagem, que achamos justa, a uma mulher corajosa em terra de homens.

1. Ciclópica, contudo, não significa megalómana, pelo que, antes de comentarmos aquilo que consideramos ser essencial comentar neste projecto, chamamos a atenção dos lisboetas para o facto de em vez de se pretender gastar tanto milhão e tanto sound bite, porque não faz a CML (e o governo) na Baixa-Chiado o que lhe compete, ou seja: que trabalhe para o que foi eleita, e comece por fazer cumprir a lei! A lei que obriga à manutenção dos prédios (a começar pelos da própria CML), o código da estrada, o regulamento das cargas e descargas, as directivas comunitárias sobre ambiente e mobilidade (retirando os elementos dissonantes nos prédios - anexos, antenas, ar-condicionados, etc. -, disciplinando os outdoors e os muppies, obrigar os transportes públicos de Lisboa a serem não poluentes, arborizar o maior número possível de ruas, etc.), pugnar por uma calçada portuguesa em bom estado, criar condições de facto à abertura de esplanadas (disciplinadas), repavimentar as ruas que estão repletas de buracos, reparar os candeeiros da via pública, etc.

Estes simples factos, que se pressupõe serem as tarefas e a missão de uma CML, poupariam milhões e décadas de espera. E só com isso, os lisboetas sentir-se-iam melhor a viver, a trabalhar e a visitar a Baixa.

Este tipo de ideias e planos deve ser trabalho de uma campanha eleitoral e não encargo de um ano de trabalho de uma vereação ou comissariado, com todos os custos directos e de oportunidade que isso acarreta.

2. Financeiramente, este projecto parece-nos muito confuso. Diz-se custar 1.105 milhões de euros, mas mais de 62% desse valor sairá da bolsa dos privados que, como, como se sabe, equivale, em 90% dos casos, a bancos, seguros e Misericórdia; daí que se pergunte: porque razão ainda não terão feito nada? Por outro lado, a comparticipação da CML para este plano está orçamentada em 146 milhões de euros, pelo que não se percebe porque razão se diz que a CML tem que se endividar?! (as famosas receitas do casino, x10 anos, não serviriam para tal)?

3. Leitmotiv deste plano é, decididamente, a chamada Circular das Colinas, que a par com a famigerada Via da Meia-Encosta (na Ajuda), é o negócio chorudo de arquitectura e engenharia com que alguns contam para resolver o trânsito de atravessamento no centro de Lisboa. Coisa sem sentido algum, já que, por um lado a "circular" já existe pois as ruas já estão lá; mas que por outro ainda não facilita a vinda exponencial de mais automóveis para a capital porque ainda falta esburacar os túneis sob o Jardim da Estrela e a Penha de França. Os gabinetes de engenharia têm destas coisas, sabemos, mas a cidade é de todos, pelo que se já esventraram o Largo do Rato, destruindo a placa central e transformando-o em cruzamento de vias, ainda por cima desnivelado, não estraguem mais nada, s.f.f!

Além do mais, o problema do trânsito de atravessamento da Baixa, resolver-se-á de forma muito mais fácil, barata e eficaz, se se intervier por fases, começando por restringir o trânsito do Marquês até ao Terreiro do Paço, mas mantendo a circulação transversal junto ao rio, avançando esta restrição numa segunda fase.

Do valor a investir pela CML neste projecto, mais de 83%, 122 milhões €, são representados por uma rubrica denominada “Rede Viária Externa à Área de Intervenção”. Portanto, o grosso do investimento não é para a Baixa-Chiado!

4. Urbanisticamente falando, este plano parece-nos totalmente artificial, que não passará do papel porque não tem a noção da complexidade a nível predial, fracção a fracção; de quem é o dono de quê, onde pára quem, etc. Dificuldades a que nem mesmo um regime de excepção conseguirá obviar.

Artificialidade ainda mais gritante quando se defende a criação de um centro comercial ao ar livre; ele já existe, ou não existe? Uma coisa é querer-se intervir de facto, e já, no mercado do arrendamento comercial, outra, bem diferente, é dar-se a ideia de que alguém irá comprar as lojas e os prédios existentes para ali fazer algo mais cosmopolita. Será uma tentação, mas é puro engano.

Porque razão a CML não começa a vender a particulares os prédios e as lojas que tem? Aos particulares que os recupem e os utilizem em benefício da vida na cidade? A CML encaixaria bastante dinheiro sem necessidade de recorrer a operações mirabolantes.

Acrescente-se que a mera possibilidade de se demolir interiores de edifícios tendo por desculpa a adaptação dos mesmos a novas exigências do "progresso", é um argumento perigoso, que colidirá inexoravelmente com o retomar da candidatura da Baixa à UNESCO, cujo júri não estará pelos ajustes com tais ideias.

5. Ideias, boas (velhas) e más (novas), são coisa que não falta neste plano. Tal como generalidades do género "é preciso".

Comecemos pelas boas ideias, facilmente aceites por todos: alargamento do Museu do Chiado às instalações do Governo Civil; hotel no Convento de Corpus Christi; hotel no Tribunal da Boa-Hora; pólo cultural no Quartel do Carmo; e uma maior abertura ao público de uma série de clubes, agremiações e instituições privadas do Chiado; sistema de escadas-rolantes de acesso à colina do castelo, via São Cristóvão; libertação do Largo Barão de Quintela ao trânsito e abertura de esplanadas, fruição das arcadas do Terreiro do Paço, etc. São boas ideias, mas velhas. E são velhas porque, por esta ou aquela razão, nunca foram postas em prática e só quem de direito é que poderá explicar as razões. Por isso, oxalá que seja desta que os organismos públicos se mexam. A bem das gerações futuras!

Falando das más ideias (novas) há a salientar uma ideia geral que perpassa por todo o plano, a ideia de que sem mais estacionamento subterrâneo é impossível melhorar a qualidade de vida na Baixa e, portanto, de atrair mais residentes. Pura falácia, a que basta visitar uma cidade europeia de dimensão igual a Lisboa para se aquilatar de quão diferente é a percepção do que se entende por qualidade de vida. Há muito que nos países civilizados com quem gostamos de nos comparar noutros campos, o automóvel deixou de entrar no centro histórico, porque tem um custo essa opção, e esse é exactamente o custo: não há sítio para estacionar.

Aliado a isso, há o equívoco habitual: os parques dissuasores são construídos a montante do problema, nunca em plena cidade. Além disso, esventrar-se locais como o Terreiro do Paço, o Campo das Cebolas e o Largo do Corpo Santo para se construir menos de 1900 lugares, quando o mesmo estudo indica que só na hora de ponta 5500 veículos chegam à Praça do Comércio. Além disso é um atentado ao património e uma reincidência em termos de agressão aos solos, com toda a perigosidade, física e orçamental, que isso acarreta em países como o nosso.

Também o facto de se defender o museu do Terramoto para uma das alas do Terreiro do Paço nos parece estranha, uma vez que o fabuloso Palácio Pombal serviria esse propósito de forma exemplar.

6. Finalmente, o osso-bucco do plano: a projectada constituição de 2 empresas para a gestão do projecto. Neste plano, por cada 1 euro investido, 10 cêntimos são gastos em estudos e 25 cêntimos são gastos em “gestão”. É a solução preferida em Portugal, quando nunca se sabe o que quer, nem como fazer, nem por onde começar, nem NADA. Vêm aí os boys!

Paulo Ferrero, Pedro Policarpo, Luís Pedro Correia, João Gandum e Catarina Diaz

2 comentários:

Anónimo disse...

Por favor, corrijam o ponto 6. Não são 10 cêntimos ou 25 cêntimos por cada euro, mas um décimo desse montante. Já basta o tom faccioso do resto do texto...

Anónimo disse...

Parabéns pelo texto, mesmo descontando o tom faccioso referido. Muito do que está escrito é verdade! Andamos sempre a revitalizar e recuperar, quando medidas simples como são referidas no texto a CML não toma.