29/05/2007

Entrevista: Helena Roseta - A pessoa que mais me influenciou foi João XXIII

In Correio da Manhã (29/5/2007)
João Miguel Rodrigues

Extractos:


«Entre uma sandes às seis da tarde, que são as suas primeiras calorias, a entrevista com Helena Roseta, a única mulher aspirante à cadeira de Lisboa, chama-se conversa. É Simpática. Está serena. Sem pressa, mesmo com o telemóvel sempre a tocar. O percurso político da bastonária da Ordem dos Arquitectos arranca no Partido Popular Democrático, em 1974, e foi com a seta laranja que ganha a Câmara de Cascais. Mas em 1986 a cor desbota: prefere Mário Soares a Freitas do Amaral. Após cinco anos torna-se militante socialista. Chega a deputada da bancada do PS. Para concorrer a estas eleições entregou, de vez, o cartão. No dia em que oficializou a sua candidatura como independente, a sala grande do hotel Altis foi pequena.

Foi por influência familiar que o seu percurso político começou em movimentos católicos?

Não. A minha família era católica, mas tradicionalista. A pessoa que mais me influenciou foi o Papa João XXIII – figura fascinante por quem nutro enorme admiração. Quando ele convocou o Concílio Vaticano II, eu estudava no Liceu Maria Amália Vaz de Carvalho, e pertencia à JEC (juventude estudantil católica). Essa abertura da Igreja Católica ao mundo desencadeou momentos incríveis! É nessa altura que eu comecei a ter alguma consciência política.

(...)

Há muito que o urbanismo é o que lhe atrai na Arquitectura?

No primeiro dia de aulas da faculdade, um professor da Escola de Belas Artes perguntou-me qual era a razão de eu ter escolhido o curso. Respondi que queria resolver o problema da habitação em Portugal!

De que forma o Partido Popular Democrata (PPD) entra na sua vida?

Através do meu marido, que fazia parte do grupo inicial. Confesso que estava um bocado desconfiada. Eu tinha uma tradição mais à esquerda. Mas acabei por ir a reuniões do PPD onde encontrei um grupo brilhante. Marcelo Rebelo de Sousa, Alfredo de Sousa, pessoas de altíssimo gabarito intelectual. Em Novembro de 1974 ingressei no partido.

E saiu em 1986, vésperas das eleições presidenciais por não apoiar o candidato do partido.

O meu afastamento surge no congresso da Figueira da Foz, quando o Prof. Cavaco Silva saiu vencedor. Diogo Freitas do Amaral foi o candidato proposto. Apesar de ser muito amiga dele, discordei. Fui a sua casa e perguntei-lhe “por que razão tu entraste nisto?” Ele teve uma resposta extraordinária: “I am having the fun of the politics! (estou a ter a diversão dos políticos)”. Ficámos amigos na mesma, mas não mudei de ideias. Mário Soares era a pessoa certa.

Em 2006 as ideias mudaram.

Por outras razões. A minha discordância não se resumia à idade de Mário Soares, mas também pela repetição. Uma pessoa que concorre duas vezes nunca será o melhor candidato.

Foi uma coincidência ter entrado no Partido Socialista (PS) no mesmo dia que o Prof. Cavaco Silva obteve a segunda maioria absoluta?

Não. Foi de propósito. Senti que era preciso fazer oposição. Sou muito frontal. Assumo as minhas posições.

(...)

Quando foi presidente da Câmara Municipal de Cascais também disse que Cascais era a sua cidade.

Passei a minha infância no Estoril onde os meus pais tinham casa. Uma cidade nunca se esgota. Nós somos sempre de vários sítios. Nasci em Lisboa. Estudei em Lisboa. E a minha vida foi e é feita em Lisboa.

(...)

Estar casada com um militante do PSD é sinónimo que em casa não se fala de política?

Não! Já nos conhecemos há muitos anos. Temos uma relação de tolerância recíproca, de alguma independência e autonomia de vida.

O ex-ministro da cultura do Governo de Santana Lopes vai votar na esposa?

Não sei. Nem pergunto. Tenho muito respeito pelo espaço privado de cada um.

Quem é o seu eleitorado?

Bastante transversal. Há uma geração que se identifica muito comigo. A dos trinta e cinco anos/quarenta. São pessoas que não têm espaço, nem paciência para os partidos. Durante a recolha de assinaturas apareceram muitas pessoas do PSD, PS, raros comunistas, pessoas sem filiação, outras que se identificam com Francisco Sá Carneiro.

É natural essa identificação?

Acho que sim. Era um homem de grande visibilidade, vivemos um combate muito intenso. São coisas que deixam boa memória.

Na sua lista constam dois invisuais e um deficiente motor. Durante a sessão esteve um intérprete de linguagem gestual. Que sinal quer transmitir?

Quando trago estas pessoas é porque preciso de perceber a experiência deles para ter uma imagem de cidade mais aberta. Infelizmente, Lisboa não está preparada para deficientes. Numa autarquia é o lugar indicado para resolver estes problemas graves. Só eles podem dar as ideias e as sugestões necessárias para melhorar.

Esperava algo nesta corrida eleitoral que não aconteceu?

Que aparecessem mais mulheres. Por exemplo, a Manuela Ferreira Leite, Paula Teixeira da Cruz, etc. julgo que chegou o tempo do sexo feminino ter mais protagonismo.

Teria sido melhor?

Não sei, mas creio que as mulheres têm mais jeito para as câmaras. Nós temos uma grande experiência de resolver muita coisa ao mesmo tempo, sem nunca perdermos a atenção do quotidiano. Não deixamos que as grandes questões nos impeçam de, por exemplo, ter o almoço ou o jantar pronto a horas.

Dizem que gosta de cozinhar, andar de bicicleta e de nadar.

Nas férias de Verão, que é o período forte da nossa família, vamos todos, filhas, netos, genros, para a nossa quinta em Sintra. Gosto muito de cozinhar para a ‘tribo’, de fazer desporto, aos fins-de-semana costumo andar em Belém nas bicicletas alugadas. Durante todo o ano nado. Gosto muito.

E desde uma viagem de comboio, não gosta de ler só um livro.

Pois não! Foi desesperante. Eu estava a detestar o livro, e não tinha mais nenhum. Nunca mais viajei só com um. Mas não sou como a Marguerite Yourcenar que tinha 200 livros na cabeceira. Eu tenho oito.

Helena Salema Roseta
Filiação: Eduardo e Maria do Amparo Salema
Data nascimento: 23 Dezembro 1947
Estado civil: Casada com Pedro Roseta, ex. ministro da Cultura do governo Pedro Santana Lopes
Filhos: três filhas
Irmãos: Oito
Netos: Sete
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1 comentário:

Anónimo disse...

Tudo menos independente. Ou um conceito lato de independência...