19/03/2010

Uma viagem por três Lisboas e muitos séculos faz-se em meia dúzia de passos


In Público (19/3/2010)
Por Alexandra Prado Coelho

«O arquitecto Carrilho da Graça criou casas em tamanho real sobre as escavações para mostrar como era a vida no bairro islâmico nos séculos XI e XII

Aqui - e a arqueóloga Ana Gomes aponta para a nossa esquerda - era a zona da cozinha, onde foi encontrada uma área de fogo e cerâmica fracturada. Do outro lado, ficavam "as latrinas, uns buracos no chão ligados a um sistema de esgotos". Numa divisão mais à frente foram encontradas duas rocas. O que seria? Talvez um harém, brinca Ana Gomes.

Estamos num pátio interior de uma casa islâmica. Mas estamos também entre as muralhas do Castelo de São Jorge. O núcleo arqueológico do castelo, que começou a ser escavado em 1996 quando se pensou fazer ali um parque de estacionamento, abriu ontem com pompa e circunstância - uma performance da Companhia de Ópera do Castelo, discurso do presidente da câmara, António Costa a falar da Lisboa "encruzilhada de culturas", outro discurso do arquitecto João Luís Carrilho da Graça, responsável pelo projecto, embaixadores de países islâmicos, chá e frutos secos, como se comeriam na época em que estas casas eram habitadas.

Este não é um núcleo arqueológico comum. "Em Lisboa não há nada semelhante", garante Ana Gomes, que, juntamente com Alexandra Gaspar, é a responsável pelas escavações. "Estamos num espaço urbano. Não seria crível que fôssemos encontrar casas com 200 metros de área, ainda com pinturas e pavimentos."

Quando os trabalhos começaram sabiam que era provável aparecerem ruínas do Palácio dos Condes de Santiago (sécs. XV-XVIII, que ruiu com o terramoto de 1755) e que se sabia ter sido construído sobre o Paço dos Bispos (sécs. XII a XV). "Tudo isto estava metido na terra até aqui" - Ana levanta o braço apontando bem acima das nossas cabeças. De facto, lá estava o palácio, mas rapidamente começaram a aparecer vestígios, primeiro de um muro da época islâmica e depois das ruínas de duas grandes casas. Tão bem conservadas que ainda mantêm estuques pintados e decorados com motivos geométricos e com o chamado "cordão da felicidade".

Mas escavaram mais (noutro ponto) e o que surgiu foram vestígios de habitações da Idade do Ferro (do século VII a.C. ao século III a.C.): o que se pensa ser uma cozinha, com uma área de fogo e restos de panelas, potes, taças e ânforas (que podem ser vistos no núcleo museológico, situado também dentro das muralhas do castelo). Existem, portanto, vestígios de três épocas distintas.

Quando conheceu as escavações, Carrilho da Graça lembrou-se das ruínas romanas de Volubilis, em Marrocos. "Lembro-me de estar lá e pensar que seria interessante termos ali a materialização de uma daquelas casas. Achei mais interessante explorar a espacialidade do que fazer o que estava previsto, que era construir um alpendre para proteger as ruínas."[...]»

3 comentários:

Anónimo disse...

Procurar comparar estas escavações com Volubilis, ruínas romanas e que só está escavado uma ínfima parte é no mínimo ridículo.
Em Volubilis ou outras escavações, os arquitectos abstêm de intervenções. Infelizmente no nosso país a vaidade dos "artistas" impõem-se. É triste!

Anónimo disse...

Caro anónimo ...acha triste a história seja uma entidade viva? ... acha triste que a cidade se reinvente? ... acha triste que os "artistas" criem obras que permitam aos visitantes SENTIR a espacialidade dos espaços arruinados além de observar os vestígios devida e cuidadosamente conservados?

Felizmente, que as as decisões não são tomadas por sí, mas sim por alguém mais informado, pois se assim não fosse a nossa cidade era um pouco mais triste.

cumps.
f.

Lesma Morta disse...

Nada tenho até por formação contra escavações feitas sobre nucleos históricos haja para isso bom senso na sua integração. Lembro o que se fez nos claustros da Sé de Lisboa e com o seu levantamento arqueológico muito ao género do que aqui se pretende em que o resultado final se pauta por uma confusão de leitura duvidosa e gosto repreensivel.

Jorge Santos Silva