Câmara quer desmantelar o espaço degradado que acolhe dezenas de rulotes e realojar as cerca de 60 famílias ali instaladas sem condições de conforto, mas a maioria resiste à mudança.
Não importa o lixo, as rulotes desordenadas e ferrugentas ou a insegurança causada por intrusos. Júlio Porto, 82 anos, quase todos vividos no circo, garante que é ali, no parque dos artistas de circo, em Carnide, Lisboa, que se sente feliz.
Porém, chamar parque dos artistas de circo a um terreiro degradado, entalado entre a Casa do Artista e as oficinas do metro, é dourar a realidade. Não há pingo de dignidade para quem lá vive, admitem Câmara e moradores. É na solução que o acordo derrapa.
A autarquia quer realojar todas as famílias nas próximas semanas e acabar com um processo que já se arrasta há uma década e impede a construção de um centro de saúde, que tem projecto e financiamento assegurados.
As famílias, por sua vez, resistem à mudança. Uns temem ir para bairros sociais, outros ainda sonham que é possível requalificar o parque onde já nasceram muitos dos moradores, o último há menos de dois meses.
"O que faria com 200 euros de reforma e uma casa com paredes vazias? Aqui, não me falta nada...", diz Júlio, natural do Porto, de onde fugiu aos 13 anos em busca de liberdade e aventura. Para o homem que durante décadas vestiu a pele de palhaço rico e tocador de violino abandonar a rulote é como "abandonar a própria vida". A rulote está tão incrustada na pele como os armários, mobílias e electrodomésticos estão agarrados à caravana. "Já só queria um bocado de terreno emprestado para pousar a minha rulote e viver aí o resto dos meus dias", sublinha o velho palhaço. Um sonho americano que, em Lisboa, não terá pernas para andar.
"Só pedimos dignidade. Não precisamos de luxos, mas gostávamos de ter o mesmo tratamento que têm outros artistas, ou seja, uma casa e um lugar para estacionar as rulotes", explica Albertina Vilhena, olhando as instalações da Casa do Artista, paredes-meias com o parque.
"Sentimo-nos marginalizados, abandonados e inseguros", lamenta Donzília Mariz, antiga acrobata e contorcionista, acrescentando que o espaço tem vindo a ser ocupado por pessoas que nada tem a ver com o circo.
"Se for para um bairro social, onde ponho a rulote e o camião quando não estou em tournée?", pergunta, por sua vez, César Dias, um cómico ainda no activo, filho de malabaristas e equilibristas.
A Câmara garante que está aberta ao diálogo e que tudo fará para reunir consensos. "Estamos a ver todas as soluções possíveis. Temos um stock de casas dispersas por 12 a 13 bairros para as pessoas poderem escolher onde querem morar", sublinha Helena Roseta, vereadora da Habitação.
De acordo com a responsável, haverá casos que poderão resolver-se com espaços em parques de campismo ou indemnizações, estando ainda a autarquia a procurar soluções de estacionamento para quem ainda trabalha e tem rulotes e camiões. "Vamos continuar a reunir com as famílias e a dialogar, por forma a reduzir objecções", remata a autarca.
In JN
1 comentário:
Simples. Tirem as rolotes dali e ponham-nas noutro sitio. Em terra de ninguem de preferência para ninguem os ir lá chatear.
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