In Público (2/4/2011)
Por Carlos Filipe
«Diz-se, sem certezas, que ficou concluído em 1846, e remata, a poente, aquela ala da monumental praça de Lisboa que ora tanto se gosta de dizer do Terreiro do Paço, por ter servido a corte, ou do Comércio, por ali se terem instalado, desde a sua reconstrução pós-terramoto de 1755, ofícios comerciais e ministeriais. Agora como então, ainda alguns coabitam naquele espaço de quatro hectares, sob as 86 arcadas, novidade para a nova arquitectura da cidade. Um dos seus torreões aguarda pelo apetite empresarial para ser um restaurante.
O torreão já se enterrou 1,40 metros nos lodos do Tejo (Ricardo Silva (arquivo))
Foi uma das jóias da coroa, a que a República quer dar agora novo brilho e protagonismo, mesmo que tenha que lhe puxar muito brilho, tal o estado em que se encontra. É uma partida do tempo, fruto das novas necessidades, que lhe vão trocar o uso. O Governo e as suas sociedades muniram-se de novos planos, a economia e a cidade precisam de para ali atrair os turistas, que não terão uma Ópera, que ficava adjacente ao torreão original, varrida pelo maremoto seis meses após a récita de estreia.
O despertar para o processo de reabilitação da frente ribeirinha, a cargo da sociedade Frente Tejo, deu logo polémica, em torno de cores de pedra e losangos, ou pelo remate da plataforma central da praça, com ou sem degrau, diante do cais das colunas. Gerou chacota, também, nos meios camarários, quando um estudo de urbanismo comercial sugeriu que as janelas das arcadas deveriam ser rasgadas para dar maior visibilidade aos produtos dos seus futuros concessionários.
Os mesmos planos, com a força de resolução de Conselho de Ministros, vastos, em obra e em recursos exigíveis - 145 milhões de euros, apontava a previsão inicial -, sublinham a nota da qualidade e a exigência de respeito pela empresa do marquês de Pombal e dos seus engenheiros e arquitectos. O que está a falhar é a rapidez: era suposto, com a pompa e circunstância do centenário da República, no pretérito 5 de Outubro, ter tudo (ou quase) pronto.
Seguro e maltratado
O torreão, que no conjunto da praça está classificado como monumento nacional, é obra que o marquês mandou construir na Lisboa pombalina, segundo planos de Manuel da Maia e arquitectura de Eugénio dos Santos, Carlos Mardel e Reinaldo dos Santos. Sobrevivente ao tempo, trepidação e poluição, mesmo que já se tenha enterrado 1,40 metros nos lodos do Tejo. Já lhe acorreram em engenharia e muito dinheiro para lhe conferir resistência anti-sísmica e longevidade, com 29 estacas de betão enterradas a quase 50 metros de profundidade. Está seguro, imponente, mas continua muito maltratado.
Ainda há tropa no Terreiro do Paço. E de uniforme camuflado! É pela instalação no piso térreo contígua ao torreão que se acede ao imóvel a concessionar. Lá está ainda o Exército, com os serviços de recrutamento - com a Marinha ao lado. Eis a base da torre, que já devia ter inquilino, pelos próximos 15 anos, não fosse o concurso público, concluído há pouco mais de um mês, ter ficado sem concorrentes. São pedidos 1,5 milhões de euros por aquele espaço.
Espaço cerimonial
O que se avista é um amplo espaço cerimonial, com cerca de 400 metros quadrados, de elevado pé-direito e um tecto todo formado por arcos ogivais, e ao centro 16 gigantes colunas de sustentação de todo o imóvel. Ninguém poderá ali mexer e está destinado a utilização institucional, por uma Montra Portugal e comércio de inovação. Há três portões de dimensões bíblicas e a luz reflectida pelo Tejo entra de chofre. O chão já viu melhores dias, há restos de obras, garrafas vazias e quilos de pó. Quase todas as lajes de mármore foram arrancadas para se proceder aos trabalhos de consolidação. O elevador está fora do contexto, mas terá sido útil aos muitos militares que ali serviram desde 1955, data da primeira ocupação militar do imóvel.
A escadaria que leva ao primeiro piso é palaciana, tal como o átrio de cerimónias onde se desemboca. Um espaço imenso, na penumbra, tapado pelas dezenas de divisórias de pobre tabique. Pelas primeiras janelas começa o deslumbre da vista, desafogada, com novos ângulos de olhar sobre o Tejo e a praça. Também se vê o estacionamento automóvel selvagem que campeia pela Ribeira das Naus.
Há um cofre aberto, embutido numa das paredes de uma das maiores salas. Não se vê a chave, mas há comandos de ar condicionado apensos aos aparelhos com fita adesiva. Salas, e mais salas, cozinhas partidas, casas de banho sem sanitários, canalizações destruídas, restos de outras funções. Um desconsolo.Esplanada no terraço?
À medida que se sobe, soalhos demasiado gastos já não suportam o peso humano. Novas divisórias, placas que ficaram recordam que ali havia zonas de acesso condicionado. Mais degradação, instalações eléctricas arrancadas. No saguão, paredes meias com as instalações da Marinha, o cenário ainda é pior. O pé é muito alto, e o estudo prévio para a futura instalação de restaurante (em dois pisos, um para bar) prevê a eliminação dos elementos espúrios e utilização de mezzanines para melhor aproveitamento do espaço.
A cereja está no terraço, que tem apenas um carreiro de circulação, já que o telhado ocupa quase todo o espaço. Seria uma boa esplanada? Inequivocamente, tal a vista de espanto, das melhores de Lisboa.
Nesta zona nobre da cidade, também se querem situar espaços de interpretação, de inovação e outros que mostrem a excelência dos produtos portugueses. E mais esplanadas, com sombra, espaços de descanso e contemplação que não existem na reformulada praça, despida, cerimonial, em respeito ao elemento central, a estátua equestre de D. José I, obra de Machado de Castro, ainda à espera de limpeza.
Haverá uma Pousada de Portugal, que desalojará uma esquadra de polícia não se sabe ainda bem para onde. Diz o plano deste século que seria uma infra-estrutura da mais recente geração, a integrar na ala nascente da praça. Algo que, pela ausência de resposta às perguntas do PÚBLICO, o Ministério da Administração Interna parece desconhecer.»
02/04/2011
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